sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Este poema começa por te comparar com as constelações, Pedro Mexia

 



PARÁFRASE

 

Este poema começa por te comparar com as constelações,

com os seus nomes mágicos

e desenhos precisos,

e depois

um jogo de palavras indica

que sem ti a astronomia

é uma ciência

infeliz.

Em seguida, duas metáforas

introduzem o tema da luz

e dos contrastes

petrarquistas que existem

na mulher amada,

no refúgio triste da imaginação.

 

A segunda estrofe sugere

que a diversidade de seres vivos

prova a existência

de Deus

e a tua, ao mesmo tempo

que toma um por um

os atributos

que participam da tua natureza

e do espaço criador

do teu silêncio.

 

Uma hipérbole, finalmente,

diz que me fazes muita falta.

 

Pedro Mexia, in Avalanche, Coimbra, Quasi Edições, 2001


 

"No te puedo sacar de mi mente", Andrea Salvatori, 2016


LINHAS DE LEITURA

 

O título, «Paráfrase», refere o exercício metaliterário que o próprio sujeito poético se dedica, visto que o poema aparenta ser a reformulação, também em verso, de um texto alheio.

 

O eu poético começa por convocar o destinatário para o seu poema que percebemos ser a mulher amada, cuja imagem é construída à maneira petrarquista.

 

A utilização da segunda pessoa do singular ao longo do poema («te», «ti», «tua», «tua», «teu», «fazes») pode ser lida como uma possível nota de aproximação intimista dentro da análise parafrástica. Também o uso da primeira pessoa do singular, no final do poema, confirma a implicação pessoal do sujeito poético na leitura que faz do texto de base.

 

Na sua síntese, o sujeito de enunciação serve-se de conectores ou expressões que organizam o discurso metapoético: «começa por» (v. 1); «e depois» (v. 5); «Em seguida» (v. 10); «A segunda estrofe sugere» (v. 16); «ao mesmo tempo / que» (vv. 20--21); «finalmente» (v. 26).

 

O sujeito poético explicita o método subjacente utilizado na construção poética de origem, destacando a sucessão de ideias principais, bem como os recursos estilísticos que as suportam, a saber:

- comparação com as constelações e jogo de palavras entre a astronomia e o objeto de desejo;

- metáforas e antíteses sobre as qualidades do tu;

- elevação do tu a um plano superior (divino);

- manifestação da saudade, realçando, através da hipérbole, a falta do tu na vida do eu poético.

 

Na elaboração do poema “Paráfrase”, o sujeito poético serve-se dos seguintes recursos expressivos:

Anáfora - «e desenhos precisos, / e depois» (vv. 4-5);

Personificação - «a astronomia / é uma ciência / infeliz.» (vv. 7-9);

Enumeração - «introduzem o tema da luz / e dos contrastes / petrarquistas» (vv. 11-13);

Metáfora - «no refúgio triste da imaginação» (v. 15).


  • Comenta a expressividade da personificação e da metáfora; explica a referência ao petrarquismo e apresenta um possível caso de intertextualidade, a partir da tua experiência de leitura de poemas deste movimento literário italiano que aparece no século XV e se prolonga até ao século XVII, influenciando toda a poesia europeia.


O poeta apaixonado (1955), Frans Masereel (1889-1972)
http://masereel.org/work/originalgraphik/



CARREIRO, José. “Este poema começa por te comparar com as constelações, Pedro Mexia”. Portugal, Folha de Poesia, 03-09-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/09/este-poema-comeca-por-te-comparar-com.html


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