"NÃO CHORES"
Vivo actualmente num lar em Beja. Da minha janela, desenha-se a Oeste o
perfil do casario desta capital do Baixo Alentejo. A vida sozinho, em Mértola,
que eu adorava, tornara-se impossível. Sou muito bem tratado aqui, tenho de
dizer, fiz uma boa escolha.
Há dias, enquanto uma auxiliar me mudava a cama de cima a baixo, outra
fazia-me a barba. Gente de enorme simpatia e competência. Foi quando, ao
regressar ao quarto na cadeira de rodas, pedi para me deixarem observar melhor
a paisagem. Assim se fez. E então apontei: "Ali é o Sul."
Via-se o mais calmo e baixo quadro alentejano: montado, cerros a perder de
vista. Uma das jovens senhoras adivinhou-me o pensamento. "Mértola",
disse ela. Não retive as lágrimas. Além, 50 exactos quilómetros adiante,
estaria a minha terra, onde vivi estes últimos sete anos.
"Não chore", ouvi-lhes em uníssono.
Mas não. Era de chorar o que eu ali mais precisava. Um choro muito íntimo,
muito amargo e muito doce.
Sim, em certos momentos, o mais acertado é deixarem-nos chorar. É a melhor forma
de consolo.
Fernando Venâncio, https://www.facebook.com/fmvenancio, 23-09-2023
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