quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Sobre a edição da poesia de Cesário Verde

 

O Livro de Cesario Verde: 1873-1886. Publicado por Silva Pinto. Lisboa: Typographia Elzeveriana, 1887



Obra completa de Cesário Verde, org. Joel Serrão,
8.ª ed., Lisboa, Livros Horizonte, 2003



Quadro esquemático da edição da poesia de Cesário Verde nas edições de Silva Pinto e Joel Serrão:

 

Título da poesia e sua ordem na edição de Joel Serrão

Local e data da 1.ª publicação

Local e data da feitura

Edição de Silva Pinto e sua ordenação nesta

1) A forca

Lisboa, Diário de Notícias, 12-11-1873

02-04-1873

Não existe

2) Num tripúdio de corte rigoroso

Lisboa, Diário de Notícias, 12-11-1873

16-04-1873

Não existe

3) Ó áridas Messalinas

Lisboa, Diário de Notícias, 12-11-1873

Não se sabe

Não existe

4) Eu e ela

Porto, Diário da Tarde, 03-12-1873

Não se sabe

Não existe

5) Lúbrica…

Porto, Diário da Tarde, 03-12-1873

Não se sabe

Não existe

6) Ele – ao «Diário Ilustrado»

Lisboa, 1874, em folha solta

Não se sabe

Não existe

7) Ecos do realismo (Impossível, Lágrimas, Proh pudor!, Manias)

Porto, Diário da Tarde, de 20 a 23-01-1874

Lisboa

Não existe

7.1) Impossível

Porto, Diário da Tarde, 20-01-1874

Lisboa

Não existe

7.2) Lágrimas

Porto, Diário da Tarde, 21-01-1874

Lisboa

Não existe

7.3) Proh pudor!

Porto, Diário da Tarde, 22-01-1874

Lisboa

Não existe

7.4) Manias

Porto, Diário da Tarde, 23-01-1874

Lisboa

Não existe

8) Heroísmos

Porto, Diário da Tarde, 07-02-1874

Lisboa

Não existe

9) Cantos da tristeza

Porto, Diário da Tarde, 14-02-1874

Não se sabe

Setentrional, n.º 2

10) Cinismos

Porto, Diário da Tarde, 12-03-1874

Lisboa

Não existe

11) Fantasias do impossível (Caprichos, Esplêndida e Arrojos)

Lisboa, Diário de Notícias, 22-03-1874

Lisboa

 

11.1) Caprichos

Lisboa, Diário de Notícias, 22-03-1874

Lisboa

Responso, n.º 6

11.2) Esplêndida

Lisboa, Diário de Notícias, 22-03-1874

Lisboa

Não existe

11.3) Arrojos

Lisboa, Diário de Notícias, 22-03-1874

Lisboa

Não existe

12) Vaidosa

Porto, A Harpa, n.º 14, 1.ª série, 1874

Não se sabe

Não existe

13) Flores Venenosas

I - Cabelos

Lisboa, A Tribuna, 18-10-1874, n.º 42, 2.ª série

Lisboa, abril de 1874

Meridional, n.º 3

14) Melodias vulgares

- Flores Velhas

 

 

 

14.1) Melodias vulgares

Porto, Jornal da Tarde, 04-12-1874

Não se sabe

Flores velhas, n.º 13

14.2) Flores Velhas

O Livro de Cesário Verde, 1887

Não se sabe

Flores velhas, n.º 13

15) Cadências tristes

Lisboa, A Tribuna, 27-12-1874, n.º 52, 2.ª série, sob o pseudónimo de Margarida

Lisboa, outubro

Não existe

16) Deslumbramentos

Coimbra, Mosaico, n.º 6, fevereiro de 1875

Não se sabe

Deslumbramentos, n.º 1

17) Humorismos de amor

Lisboa, A Tribuna, 11-04-1875, n.º 67, 2.ª série

Lisboa

Frígida, n.º 16

18) Ironias do desgosto

Lisboa, A Tribuna, 26-09-1875, n.º 91, 2.ª série

Lisboa, 1874

Ironias do desgosto, n.º 4

19) Desastre

Porto, O Porto, 30-10-1875

Lisboa

Não existe

20) Nevroses - Contrariedades

 

 

 

20.1) Nevroses

Porto, O Porto, 18-03-1876

Não se sabe

Contrariedades, n.º 7

20.2) Contrariedades

O Livro de Cesário Verde, 1887

Não se sabe

Contrariedades, n.º 7

21) A débil

Coimbra, A Evolução, n.º 1, novembro de 1876

Lisboa, 1875

A débil, n. º 8

22) Humilhações

1877?

Não se sabe

Humilhações, n.º 5

23) Num bairro moderno

Brinde aos Senhores Assinantes do Diário de Notícias (1877), princípios de 1878

Lisboa, verão de 1877

Num bairro moderno, n.º 9

24) Merina

Lisboa, Ocidente, 01-05-1878

Não se sabe

Noites gélidas-Merina, n.º 11

25) Sardenta

Porto, Renascença, 1878, p. 41

Não se sabe

Sardenta, n.º 12

26) Cristalizações

Revista de Coimbra, n.º 1, maio de 1879

Lisboa, inverno de 1878

Cristalizações, n.º 10

27) Noitada

Lisboa, Novidades, 24-08-1879, sob o pseudónimo de Cláudio

1879

Noite Fechada, n.º 14

28) Num álbum

Porto, Cancioneiro Portuguez, 1.º fascículo, setembro de 1879

Lisboa

Não existe

29) Em petiz

Lisboa, Diário de Notícias, 29-09-1879

Linda-a-Pastora, 1878

Em petiz, n.º 20

30) Manhãs brumosas (versos de um inglês)

Porto, Renascença, 1879, p. 155

Foz do Tejo, 1877

Manhãs Brumosas, n.º 15

31) O Sentimento dum Ocidental

 

 

 

31.1)

Porto, Portugal a Camões, publicação extraordinária do Jornal de Viagens, 10-06-1880

Não se sabe

O sentimento dum ocidental, n.º 18

31.2)

O Livro de Cesário Verde, 1887

Não se sabe

O sentimento dum ocidental, n.º 18

32) De tarde

Póstuma?

Não se sabe

De tarde, n.º 19

33) De Verão

Póstuma?

Não se sabe

De Verão, n.º 17

34) Nós

Paris, A Ilustração, 05-09-1884

Lisboa

Nós, n.º 21

35) Provincianas

Póstuma

Não se sabe

Provincianas, n.º 22

 

 

 

 

   Fonte: Obra completa de Cesário Verde, org. Joel Serrão, 8.ª ed., Lisboa, Livros Horizonte, 2003

 


Obra poética integral de Cesário Verde (1855-86) /
org., apresent., tábua cronológica e cartas reunidas Ricardo Daunt ;
rev. Suzana Ramos. - 1ª ed. - Lisboa : Dinalivro, 2013.
265 p. ; 24 cm. - ISBN 978-972-576-618-7



Critérios editoriais adotados na edição de Ricardo Daunt:

A obra poética de Cesário Verde recebeu diversos tratamentos dos seus compiladores e mereceu inúmeras edições.

A primeira edição dos seus poemas surgiu, como já sabemos, após a morte do poeta e foi da responsabilidade de Silva Pinto. Nessa edição, que ganhou o título de O livro de Cesário Verde, diversos poemas, com ou sem o consentimento do autor, foram relegados. Edições posteriores arrolaram o espólio poético disponível, embora vários organizadores não tenham igualmente feito mais do que reproduzir a edição de Silva Pinto.

Nas edições da obra poética de Cesário Verde que se seguiram, nem todas as que registaram a produção completa do poeta o fizeram de acordo com um mesmo plano de trabalho: em algumas dessas edições os poemas excluídos d’O livro de Cesário Verde comparecem à parte, como apêndice a O livro…; noutras edições, tais poemas são misturados com aqueles que fizeram parte da primeira edição.

A par de tudo isto houve infelizmente desacertos quanto à simples contagem dos poemas deixados por Cesário. É que o poeta agrupou em algumas circunstâncias poemas sob um título geral, antológico. É o caso dos poemas «Impossível», «Lágrimas», «Proh pudor!» e «Manias», […].

Coube-nos, então, considerar os pontos em que tais poemas contactam com o resto da obra cesarina, para os situar e inserir devidamente, conforme a legítima ordenação a que fazem jus, no plano da obra poética de Cesário Verde. E foi isso que fizemos: consideramos a realidade formal e temática desses três poemas, «Humilhações», «De tarde» e «De verão» — e convencemo-nos de que o primeiro inegavelmente postula um lugar próximo de «Esplêndida», sendo, pois, inserido logo após o tríptico originalmente intitulado «Fantasias do impossível», do qual este último poema faz parte. «De tarde» e «De verão» sugerem-nos haver sido concebidos antes de «Nós», como um lanço preparatório — e isto quer em virtude dos aspetos formais e temáticos, quer, ainda, devido ao procedimento lógico adotado pelo sujeito de enunciação lírico, em que a «ação da memória » parece executar um desarquivamento recente. Ademais, como ficou patente na «Tábua cronológica», defendemos a hipótese (lastrada na biografia do poeta) de que esses dois poemas datam de 1881 (e nisto estamos de acordo com o biógrafo João Pinto de Figueredo).

Resta por fim observar, quanto ao trabalho inacabado «Provincianas », que, ao contrário das demais antologias que o incluíam com o mesmo destaque concedido aos poemas (objetos conclusos), nós, por respeito à coerência lógica — e admitindo como todos os demais leitores críticos e compiladores da obra do poeta admitem (ou por omissão concordam, expressando este acordo pelo traço pontilhado logo abaixo do último verso escrito) que «Provincianas» não é um facto consumado, mas um trabalho em progresso, apresentamos os versos desse projeto inacabado após o poema «Nós», mas num corpo mais pequeno e marginalmente à obra poética — e fazemo-lo a título de interesse em relação àqueles que pretendem persistir na biografia de Cesário Verde. Para estes, o documento «Provincianas» pode vir a ser um objeto biográfico de interesse.

No entanto, no que diz respeito ao estudo de Cesário Verde (da sua produção poética, bem entendido), devemos imediatamente concordar ser um contrassenso designar por poema qualquer texto que o próprio autor não autorizou que o fosse.

 

Ler mais em: Obra poética integral de Cesário Verde (1855-86) / org., apresent., tábua cronológica e cartas reunidas Ricardo Daunt; rev. Suzana Ramos. - 1ª ed. - Lisboa: Dinalivro, 2013. 265 p. ; 24 cm. - ISBN 978-972-576-618-7


Obra Poética Integral de Cesário Verde (1855-86)
Ricardo Daunt (org.), Editora Landy, 2006



CARREIRO, José. “Sobre a edição da poesia de Cesário Verde”. Portugal, Folha de Poesia, 08-09-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/09/sobre-o-corpus-poetico-de-cesario-verde.html



sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Este poema começa por te comparar com as constelações, Pedro Mexia

 



PARÁFRASE

 

Este poema começa por te comparar com as constelações,

com os seus nomes mágicos

e desenhos precisos,

e depois

um jogo de palavras indica

que sem ti a astronomia

é uma ciência

infeliz.

Em seguida, duas metáforas

introduzem o tema da luz

e dos contrastes

petrarquistas que existem

na mulher amada,

no refúgio triste da imaginação.

 

A segunda estrofe sugere

que a diversidade de seres vivos

prova a existência

de Deus

e a tua, ao mesmo tempo

que toma um por um

os atributos

que participam da tua natureza

e do espaço criador

do teu silêncio.

 

Uma hipérbole, finalmente,

diz que me fazes muita falta.

 

Pedro Mexia, in Avalanche, Coimbra, Quasi Edições, 2001


 

"No te puedo sacar de mi mente", Andrea Salvatori, 2016


LINHAS DE LEITURA

 

O título, «Paráfrase», refere o exercício metaliterário que o próprio sujeito poético se dedica, visto que o poema aparenta ser a reformulação, também em verso, de um texto alheio.

 

O eu poético começa por convocar o destinatário para o seu poema que percebemos ser a mulher amada, cuja imagem é construída à maneira petrarquista.

 

A utilização da segunda pessoa do singular ao longo do poema («te», «ti», «tua», «tua», «teu», «fazes») pode ser lida como uma possível nota de aproximação intimista dentro da análise parafrástica. Também o uso da primeira pessoa do singular, no final do poema, confirma a implicação pessoal do sujeito poético na leitura que faz do texto de base.

 

Na sua síntese, o sujeito de enunciação serve-se de conectores ou expressões que organizam o discurso metapoético: «começa por» (v. 1); «e depois» (v. 5); «Em seguida» (v. 10); «A segunda estrofe sugere» (v. 16); «ao mesmo tempo / que» (vv. 20--21); «finalmente» (v. 26).

 

O sujeito poético explicita o método subjacente utilizado na construção poética de origem, destacando a sucessão de ideias principais, bem como os recursos estilísticos que as suportam, a saber:

- comparação com as constelações e jogo de palavras entre a astronomia e o objeto de desejo;

- metáforas e antíteses sobre as qualidades do tu;

- elevação do tu a um plano superior (divino);

- manifestação da saudade, realçando, através da hipérbole, a falta do tu na vida do eu poético.

 

Na elaboração do poema “Paráfrase”, o sujeito poético serve-se dos seguintes recursos expressivos:

Anáfora - «e desenhos precisos, / e depois» (vv. 4-5);

Personificação - «a astronomia / é uma ciência / infeliz.» (vv. 7-9);

Enumeração - «introduzem o tema da luz / e dos contrastes / petrarquistas» (vv. 11-13);

Metáfora - «no refúgio triste da imaginação» (v. 15).


  • Comenta a expressividade da personificação e da metáfora; explica a referência ao petrarquismo e apresenta um possível caso de intertextualidade, a partir da tua experiência de leitura de poemas deste movimento literário italiano que aparece no século XV e se prolonga até ao século XVII, influenciando toda a poesia europeia.


O poeta apaixonado (1955), Frans Masereel (1889-1972)
http://masereel.org/work/originalgraphik/



CARREIRO, José. “Este poema começa por te comparar com as constelações, Pedro Mexia”. Portugal, Folha de Poesia, 03-09-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/09/este-poema-comeca-por-te-comparar-com.html


sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Gravador de Chamadas, Paulo Pais


 


Apagou o disco

deitou o café na chávena

a manteiga no pão

compôs o sono com um biscoito ou dois

 

arrastou o pequeno almoço no pijama

demasiado comprido

 

pousou a bandeja prudente

aos pés da cama fingiu não ver o retrato

(não era obrigado a cumprimentar os mortos)

a mulher dormia galgando o espaço

 

o que seria melhor para o seu cansaço?

 

Paulo Pais, Gravador de Chamadas. Porto, Campo das Letras – Editores, S. A., 1997, p. 37 (Coleção “O Aprendiz de Feiticeiro” dirigida por José Cruz Santos)

 

* * *

 

As nuvens varriam restos do sol

para lá dos montes

o azul da noite acordava o frenesim dos bichos

 

sacudiram as finas pregas da chuva

chamaram o gato que bebia o último sol do dia

por entre as frinchas da água

 

entraram em casa secaram as roupas

lembrados ainda da visita dos pássaros

 

nada está dito

resta um fio de vidro no seio dos dedos

 

Paulo Pais, Gravador de Chamadas. Porto, Campo das Letras – Editores, S. A., 1997, p. 50 (Coleção “O Aprendiz de Feiticeiro” dirigida por José Cruz Santos)

 

 


CARREIRO, José. “Gravador de Chamadas, Paulo Pais”. Portugal, Folha de Poesia, 20-08-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/08/gravador-de-chamadas-paulo-pais.html