segunda-feira, 22 de julho de 2024

Não quero, não, Eugénio de Andrade


"Não quero, não" | cantarmais.pt, 06-03-2022


NÃO QUERO, NÃO

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.

Quero um cavalo que é só meu,
seja baio ou alazão,
sentir o vento na cara,
sentir a rédea na mão.

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.

Não quero muito do mundo:
quero saber-lhe a razão,
sentir-me dono de mim,
ao resto dizer que não.

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.

 

Eugénio de Andrade, Aquela nuvem e outras. Porto, Asa, 1986

 

Leitura

O poema "Não quero, não" de Eugénio de Andrade é uma expressão clara da busca pela liberdade individual e da rejeição do militarismo. A repetição do verso "não quero, não quero, não" reforça a negação de uma vida militar e, por conseguinte, da guerra. Este refrão cria uma musicalidade que atrai leitores de todas as idades, cumprindo o objetivo de cativar tanto crianças quanto adultos.

O cavalo, figura central do poema, simboliza a liberdade e a autonomia. O desejo do eu lírico de possuir um cavalo "seja baio ou alazão" e de "sentir o vento na cara" e "a rédea na mão" expressa uma aspiração por uma vida livre, em que ele é o dono do seu próprio destino. Este anseio por independência e contato com a natureza contrasta com a vida regimentada de um soldado ou capitão. A negação do militarismo, sustentada pela repetição enfática do verso central, é evidente no desejo do eu lírico por uma vida simples e autêntica, livre das imposições externas.

O poema “Não quero, não”, expressão lírica que revela a busca pela liberdade individual e a recusa de certos papéis sociais, combina elementos da tradição literária escrita e oral. Através do uso de rimas, aliterações, reiterações e estribilhos, evoca a musicalidade típica das canções e poesias orais. A métrica de sete sílabas e a simplicidade da linguagem ligam o leitor à cadência da fala quotidiana e às narrativas populares. 

 

Textos de apoio

Trata-se de um poema no qual, para além da «reivindicação da liberdade individual» (José António Gomes, Figurações do Desejo e da Infância em Eugénio de Andrade. Porto: Tropelias & Cª, 2010, p. 45), conotada com a figura do cavalo a galope e a «rédea na mão» (ANDRADE, 1999, p. 44), se pressente a negação, sustentada estilisticamente pela repetição do verso «não quero, não quero, não», do materialismo, do militarismo e, por consequência da guerra, como aponta José António Gomes.

Sara Silva, “Conflitos bélicos, literatura para a infância e sistema educativo: uma reflexão necessária” in Devir Educação, v.1, n.1, p. 17-40, 2017.

***

Diz Eugénio de Andrade, no breve mas substancial texto «À maneira de explicação, se tal for necessário», com que encerra o seu livro de poemas Aquela Nuvem e Outras (1986), consagrado à infância (mesmo se é, como todas as boas obras destinadas a uma receção por parte da infância e da juventude, de leitura cativante e proveitosa para todas as idades): «a simples matéria sonora – rimas, aliterações, reiterações, estribilhos, consonâncias – é fonte de sedução e razão de encantamento desde que o homem se demorou, pela primeira vez, a escutar o vento entre os ramos» (servimo-nos da 11.ª ed., Vila Nova de Famalicão, Edições Quasi, 2005, sem numeração de páginas; com cores e ilustrações que de imediato arrebatam os sentidos do leitor ou do simples utente do livro, materializando em corpos icónico -empíricos a construção poética que, com a imagem, transfigura a legibilidade do mundo conhecido e desconhecido). De certo modo, cumpre-se a cada leitura (silenciosa ou em voz alta) o desejo formulado pelo poeta exatamente no fim do posfácio: «Quis misturar a minha voz às vozes anónimas da infância – oxalá ela venha a tornar-se anónima também». E, para isso, nem é necessário que se exija destes poemas a disseminação e a persistência na memória coletiva oral, a contaminação com outros textos e o desdobramento em variantes, a sua adequação, numa palavra, às leis da tradicionalidade: não só porque, ainda nas palavras do poeta, a «uma retórica de fogo de artifício» se opõe aqui «uma poética da luz, articulando a nudez e a transparência com a simplicidade de quem fala para que outros o escutem – daí o uso frequente das sete sílabas contadas que é o ritmo natural e português da nossa fala, se não for também o dos nossos passos», mas igualmente porque em cada um destes textos se cumpre a utopia de uma voz literária primordial; uma voz de vozes, forte e total, que, no caso, pelo recurso ágil à arte poética própria das obras literárias orais e pela convocação de uma memória literária (oral e escrita) que modela um tecido intertextual muito rico e diverso, faz de cada um destes textos um monumento já tradicional (com o que, diríamos, quase deixa de ser funcional o conceito de popularizante ou de popularismo estético, tal é a verdade destes textos, em si mesmos alheios às categorias com que muitas vezes partimos para a análise de certas obras: oral/escrito, popular/culto, tradicional/não tradicional, etc.).

 

Carlos Nogueira, Aspectos do Cancioneiro Infantil e Juvenil de transmissão oral. Lisboa, Apenas Livros Lda., 2007

 



Análise musical da canção

Características melódicas 

 

A melodia está na tonalidade de Mi M e tem um âmbito de 8ª Perfeita [Si 2 – Si 3].

Na 1ª parte é constituída por notas repetidas e intervalos melódicos de 2ª (m e M) e 3ª menor. Na 2ª parte tem intervalos de 2ª (m e M), 3ª (m e M) e uma 4ª P e uma 5ª diminuta.

As duas partes começam e terminam na Tónica (Mi). A 1ª parte é inteiramente composta por três notas: o 1º grau (tónica de Mi M), e os graus superior e inferior (Fá# e Ré#, que é a Sensível de Mi Maior). A 2ª parte, apesar de oferecer uma maior variedade melódica, arpejando os acordes de Tónica e da Sensível (ou da 7ª da Dominante com a fundamental omitida), pode ser vista como uma versão mais elaborada da parte anterior, já que, não só a harmonia e o ritmo harmónico se mantêm, como a Tónica e a Sensível surgem nos mesmos tempos dos compassos.

Destaca-se nesta parte a utilização dos referidos arpejos do acorde de tónica, um arpejo Perfeito Maior (“cavalo só”) e da Sensível, um arpejo diminuto (“ou alazão”), e o intervalo de 5ª diminuta descendente,  em “só meu”.

 

Características rítmicas

 

A melodia está escrita no compasso 2/4, binário de tempos de divisão binária.

É composta por duas partes A e B, apresentando a segunda uma variação rítmica, aquando da sua repetição (B’). O ritmo é silábico e quase exclusivamente escrito em colcheias e semínimas, destacando-se a célula rítmica, [colcheia duas semicolcheias], presente em todas as frases da canção, e a célula [colcheia pontuada semicolcheia], que aqui surge como uma transformação da célula anterior.

O andamento é moderado (Andante), sem variações. 

 

Forma

 

Forma ternária (ABA).

A melodia divide-se em duas partes organizadas no esquema formal AA BB’ AA BB’ AA, funcionando a parte A como um refrão. A parte A é constituída por (aa’), a parte B por (bc) e a parte B’ por (bd).

 

Arranjo/Instrumentação

 

O arranjo segue o plano formal seguinte: Introd. AA BB’ AA BB’ AA

O presente arranjo foi concebido para ser interpretado por voz acompanhada ao piano. Entretanto, na versão áudio aqui apresentada e interpretada pelo autor do arranjo, foram acrescentados outros instrumentos que julgou poderem enriquecer a sonoridade da canção.

Partitura da canção

Partitura completa da canção (em formato pdf), aqui.

  

Poema “Não quero, não” de Eugénio de Andrade, com música de Manuela Encarnação e arranjo de Carlos Garcia. Ciclo Eugénio de Andrade – Encomenda da Associação Portuguesa de Educação Musical para o Cantar Mais @cantarmais.pt Disponível em: https://www.cantarmais.pt/pt/cancoes/teatromusical/cancao/ciclo-eugenio-de-andrade-nao-quero-nao?

 


domingo, 21 de julho de 2024

Natal... Na província neva. Fernando Pessoa


 

Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

 

s. d.

Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).  - 115.

1ª publ. in Notícias Ilustrado , nº 29. Lisboa: 30-12-1928.

Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2449

 

Linhas de leitura do poema "Natal... Na província neva" de Fernando Pessoa

O primeiro verso do poema, "Natal... Na província neva," estabelece um cenário que combina um tempo específico, o Natal, com um espaço concreto, a província. Este verso carrega uma expressividade rica em conotações afetivas: o Natal, com as suas conotações de união e fraternidade, e a província, evocando a ideia de tradições e cenários pitorescos típicos da época natalícia. A imagem da neve reforça a atmosfera de um inverno típico, contrastando com o calor e aconchego dos lares.

O verso "Os sentimentos passados" refere-se à reemergência das emoções associadas a experiências e memórias antigas, que se intensificam durante o Natal. Esta época do ano, tradicionalmente ligada à família, desperta sentimentos nostálgicos, reavivando laços afetivos que se fortalecem com a proximidade dos entes queridos.

A frase exclamativa "Como a família é verdade!" (v. 6) sugere uma afirmação intensa e emocional sobre a importância e a autenticidade da família. Este tipo de construção frásica sublinha o valor que o eu lírico atribui ao ambiente familiar, visto como um refúgio verdadeiro e seguro, em contraste com o mundo exterior, frequentemente percebido como hostil e falso.

A figura de estilo presente no verso "’Stou só e sonho saudade" é a aliteração, com a repetição dos sons sibilantes 's'. Esta repetição cria um efeito sonoro que evoca a sensação de solidão e melancolia, intensificando o sentimento de saudade. A escolha de palavras reforça a profundidade do isolamento sentido pelo eu poético, que sonha com um passado perdido e inacessível.

O último verso, "Do lar que nunca terei!", resume a temática central do poema: a nostalgia e o anseio por um ideal de felicidade familiar que parece inalcançável. Esta expressão final evidencia a desilusão do eu poético, que sonha com um lar acolhedor e uma plenitude de vida que ele acredita nunca alcançar. Esta desesperança e a idealização de um passado feliz perdido são características marcantes da obra de Pessoa.

Quanto à análise formal, este poema é composto por três quadras, cada uma com versos de sete sílabas métricas (redondilha maior), uma forma tradicionalmente ligada ao lirismo popular português. A rima é cruzada (ABAB), conferindo ao poema uma musicalidade suave. O uso do transporte, em que uma frase ou ideia se estende para o verso seguinte, é observado nos versos 3-4, 9-10 e 11-12, contribuindo para a fluidez e ritmo do poema.

O poema exibe várias características temáticas e formais típicas da poesia de Fernando Pessoa ortónimo:

Temáticas:

- Distância entre o sonho e a realidade: o desejo de um lar idealizado nunca alcançado.

- Evocação da infância: a felicidade perdida que é rememorada com saudade.

- Solidão e melancolia: a sensação de isolamento e a busca por um aconchego emocional.

- Desesperança: a consciência da impossibilidade de reviver o passado ou atingir a plenitude desejada.

Formais:

- Aproximação ao lirismo tradicional: uso da quadra, redondilha maior e rima cruzada.

- Linguagem simples e clara: facilidade (aparente) de compreensão e espontaneidade.

- Uso do presente do indicativo: a intensidade dos sentimentos é capturada no momento presente.

- Pontuação emotiva: utilização de exclamações que enfatizam as emoções.

- Suavidade rítmica: aliterações, ritmo cadenciado e transportes que contribuem para a musicalidade do poema.

 




sábado, 20 de julho de 2024

As rosas amo dos jardins de Adónis, Ricardo Reis

 


As rosas amo dos jardins de Adónis1,

Essas volucres2 amo, Lídia, rosas,

Que em o dia em que nascem,

Em esse dia morrem.

A luz para elas é eterna, porque

Nascem nascido já o sol, e acabam

Antes que Apolo3 deixe

O seu curso visível.

Assim façamos nossa vida um dia,

Inscientes4, Lídia, voluntariamente

Que há noite antes e após

O pouco que duramos.

Ricardo Reis, Poesia, edição de Manuela Parreira da Silva,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2000, pp. 13-14.

 

NOTAS:

1 Adónis – jovem da mitologia grega, símbolo de beleza masculina.

2 volucres – efémeras.

3 Apolo – deus grego do sol.

4 Inscientes – ignorantes.

 

Questionário

1. Explicite a importância da referência aos elementos da natureza para o desenvolvimento do pensamento do sujeito poético.

2. Explique os quatro últimos versos do poema, tendo em conta o ideal de vida defendido pelo sujeito poético.

3. Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada espaço.

No poema apresentado, constata-se o classicismo da poesia de Ricardo Reis, nomeadamente através do recurso à metonímia / perífrase / hipérbole, nos versos 7 e 8.

O carácter moralista da poesia deste heterónimo pessoano é indiciado pelo uso de verbos conjugados na primeira pessoa do modo conjuntivo, como ocorre no verso 1 / 9 / 12.

 

Explicitação dos cenários de respostas:

1. Explicita a importância da referência aos elementos da natureza para o desenvolvimento do pensamento do sujeito poético, abordando, adequadamente, os dois tópicos de resposta, ou outros igualmente relevantes:

as rosas representam a beleza e, simultaneamente, são comparáveis, na sua efemeridade, à vida humana (vv. 3 e 4);

o curso diurno do sol representa a duração da vida: para a rosa, um dia; para o ser humano, uma duração sempre limitada e efémera («O pouco que duramos» v. 12).

 

2. Explica, tendo em conta o ideal de vida defendido pelo sujeito poético, os quatro últimos versos do poema, abordando, adequadamente, os dois tópicos de resposta, ou outros igualmente relevantes:

Face à constatação da efemeridade da vida, o sujeito poético aconselha Lídia a que, tal como ele próprio (e à semelhança das rosas dos «jardins de Adónis» v. 1):

viva o momento presente («Assim façamos nossa vida um dia» v. 9), de acordo com o princípio epicurista do carpe diem (único caminho para a felicidade e para a ausência de dor), assumindo uma atitude de indiferença face à passagem do tempo, num esforço de autodisciplina;

assuma uma atitude deliberada de aceitação da efemeridade da vida e da inevitabilidade da morte («há noite antes e após / O pouco que duramos» vv. 11-12).

 

3. No poema apresentado, constata-se o classicismo da poesia de Ricardo Reis, nomeadamente através do recurso à perífrase, nos versos 7 e 8.

O carácter moralista da poesia deste heterónimo pessoano é indiciado pelo uso de verbos conjugados na primeira pessoa do modo conjuntivo, como ocorre no verso 9.

 

Fonte: Exame Final Nacional de Português | Prova 639 | 2.ª Fase | Ensino Secundário - 12.º Ano de Escolaridade | República Portuguesa – Educação, Ciência e Inovação / Instituto de Avaliação Educativa, I. P. (IAVE), 2024 (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho; Decreto-Lei n.º 62/2023, de 25 de julho) – VERSÃO 1


 

Também poderá gostar de

ANÁLISE DO POEMA:

Episódio 76 - Análise do poema "As rosas amo dos jardins de Adónis" de Ricardo reis. Disponível em: http://discursodirecto.podomatic.com/entry/2006-05-01T16_09_58-07_00

 


Se Helena apartar do campo seus olhos, Camões

 


 

CANTIGA

a este moto seu:

Se Helena apartar

do campo seus olhos,

nacerão abrolhos.

 

 

 

 

 

5

 

 

 

 

 

10

 

 

 

 

 

15

 

 

 

 

20

 

VOLTAS

A verdura amena,

gados, que paceis,

sabei que a deveis

aos olhos d’ Helena.

Os ventos serena,

faz flores d’ abrolhos

o ar de seus olhos.

 

Faz serras floridas,

faz claras as fontes:

se isto faz nos montes,

que fará nas vidas?

Trá-las suspendidas

como ervas em molhos,

na luz de seus olhos.

 

Os corações prende

com graça inhumana;

de cada pestana

ũ’ alma lhe pende.

Amor se lhe rende,

e, posto em giolhos,

pasma nos seus olhos.

Luís de Camões, Rimas, edição de Álvaro J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994, p. 19.

 

NOTAS

apartar (mote) – afastar.

abrolhos (mote) – planta com frutos espinhosos.

paceis (verso 2) – pastais.

Amor (verso 19) – deus ou personificação do amor na mitologia clássica.

giolhos (verso 20) – joelhos.


 

Questionário:

1. Estabeleça uma relação entre o mote e os versos 5 a 9, destacando dois aspetos pertinentes.

2. Refira dois dos efeitos expressivos da apóstrofe presente no verso 2.

3. Releia os versos 10 e 11: «se isto faz nos montes, / que fará nas vidas?».

Explicite a importância destes versos no desenvolvimento temático do poema.

4. Explique de que modo o poder de Helena é caracterizado na última estrofe, com base em dois exemplos.

 

Explicitação dos cenários de respostas:

1. Estabelece uma relação entre o mote e os versos 5 a 9, desenvolvendo, adequadamente, os dois tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

A relação entre o mote e os versos 5 a 9 pode ser estabelecida com base nos aspetos seguintes:

nos versos 6 e 7, a relação entre os olhos de Helena e a natureza, sugerida no mote, é retomada através do par «olhos»/«abrolhos», revelando o poder transfigurador dos olhos da figura feminina;

nos versos 5, 8 e 9, são enunciados os efeitos do poder de Helena sobre outros elementos naturais («Os ventos», as «serras» e «as fontes»), expandindo, assim, o tema proposto no mote.

 

2. Refere dois efeitos expressivos da apóstrofe, desenvolvendo, adequadamente, dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

Os efeitos expressivos da apóstrofe presente no verso 2 («gados, que paceis») podem ser referidos com base nos aspetos seguintes:

a interpelação aos «gados» (v. 2) adquire um valor descritivo, contribuindo para sugerir um cenário campestre;

os «gados» (v. 2) são constituídos destinatários imediatos do poema;

o sujeito poético assume uma intenção pedagógica («sabei que» v. 3), procurando transmitir uma lição aos «gados» (v. 2);

o poder da figura feminina sobre a natureza é destacado, sendo conferido um valor genesíaco aos «olhos d’ Helena» (v. 4), de onde procede «a verdura amena» (v. 1) que alimenta os «gados» (v. 2).

 

3. Explicita a importância dos versos 10 e 11 no desenvolvimento temático do poema, desenvolvendo, adequadamente, os dois tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

Os versos 10 e 11, «se isto faz nos montes, / que fará nas vidas?»:

constituem um ponto de viragem no desenvolvimento temático do poema, na medida em que a descrição dos efeitos causados pelos olhos de Helena na natureza será substituída pela descrição das suas consequências na vida de quem com ela se cruza;

acentuam o poder dos olhos de Helena, ao destacar que os seus efeitos se aplicam tanto à natureza como à vida dos homens.

 

4. Explica de que modo o poder de Helena é caracterizado na última estrofe, desenvolvendo, adequadamente, dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

A caracterização do poder de Helena, na última estrofe, pode ser explicada com base nos exemplos seguintes:

Helena é descrita como tendo uma «graça inhumana» (v. 16), o que remete para o campo temático da mitologia e para a associação da figura feminina a uma divindade;

Helena afeta as «vidas» (v. 11) dos seres humanos, tornando-os vassalos («Os corações prende» v. 15), tal a força do seu fascínio («de cada pestana / ũ’ alma lhe pende» vv. 17-18);

os efeitos do poder de Helena manifestam-se através de expressões que sugerem a submissão do próprio Amor («rende» v. 19; «posto em giolhos» v. 20).

 

Fonte: Exame Final Nacional de Literatura Portuguesa | Prova 734 | 2.ª Fase | Ensino Secundário - 11.º Ano de Escolaridade | República Portuguesa – Educação, Ciência e Inovação / Instituto de Avaliação Educativa, I. P. (IAVE), 2024 (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho | Decreto-Lei n.º 62/2023, de 25 de julho)

 


sexta-feira, 19 de julho de 2024

As minhas asas, Almeida Garrett

Poema XIX do Livro Segundo de Flores sem fruto de Almeida Garrett. Lisboa: na Imprensa Nacional, 1845. Disponível em: https://permalinkbnd.bnportugal.gov.pt/records/item/90769-flores-sem-fructo

Acompanha o poema “As minhas asas” de Almeida Garrett e procura responder às seguintes questões.

1. Caracteriza as asas do sujeito poético.

2. Indica quem lhas deu.

3. Enumera as ameaças que, em vão, atentaram contra as suas asas.

4. Assinala o momento de viragem no poema.



 AS MINHAS ASAS


Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
— Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que m’as deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.

Veio a cobiça da terra,
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
— Veio a ambição, co’as grandezas,
Vinham para m’as cortar,
Davam-me poder e glória;
Por nenhum preço as quis dar.

Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra
Batia-as, voava ao céu.

Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
— Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas...
Vi, entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.

Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores...
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!
— Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu
Pena a pena, me caíram...
Nunca mais voei ao céu.

Poema XIX do Livro Segundo de Flores sem fruto de Almeida Garrett. Lisboa: na Imprensa Nacional, 1845. Disponível em: https://permalinkbnd.bnportugal.gov.pt/records/item/90769-flores-sem-fructo

  

Esquema interpretativo do poema “As minhas asas”, de Almeida Garrett


 



Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 48 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "O papagaio", de Sebastião da Gama, e "As minhas asas", de Almeida Garrett, 2021-05-07.

 Assistir à aula da Professora Tereza Cadete Sampainho, em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7828/e542348/portugues-7-e-8-anos

 

***

Outro questionário sobre o poema “As minhas asas”, de Almeida Garrett

1. Divide o poema em duas partes lógicas.

2. Enumera as tentações a que o sujeito poético resistiu.

3. Identifica aquela à qual sucumbiu.

4. Indica as consequências de ter sucumbido a essa tentação. 

Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 48 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "O papagaio", de Sebastião da Gama, e "As minhas asas", de Almeida Garrett, 2021-05-07. Disponível em: https://estudoemcasa.dge.mec.pt/2020-2021/7o-e-8o/portugues/48

 

INTERTEXTUALIDADE



Acompanha o tema “Asas”, de Rui Reininho, e regista:

- para que serve as asas;

- o que não se faz às asas;

- quando deixam de ser usadas;

- o que significam.

Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 48 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "O papagaio", de Sebastião da Gama, e "As minhas asas", de Almeida Garrett, 2021-05-07.

 

ASAS

Asas servem pra voar
Para sonhar ou pra planar
Visitar, espreitar, espiar
Mil casas do luar

As asas não se vão cortar
Asas são pra combater
Num lugar infinito
Num vácuo para ir espiar o ar

Asas são pra proteger
Te pintar, não te esquecer
Visitar-te, olhar, espreitar-te 
Bem alto do luar

E só quando quiseres pousar
A paixão que te roer
É o amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar
Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer

Mas só quando quiseres pousar
A paixão que te roer
É o novo amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar

Mas só quando quiseres pousar
A paixão que te roer
É o amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar

Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer
Não vejo mais pra te prender
Aconteça o que acontecer

Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer

Rui Reininho / GNR 

 

As asas, como mencionadas na letra da canção, têm vários significados, simbolizando a liberdade, os sonhos, a capacidade de explorar e a proteção. Elas representam também a paixão e o amor, e são um símbolo de ausência de limites e de renovação constante.

Para que servem as asas:

As asas servem para voar, sonhar e planar. Elas representam liberdade, a capacidade de transcender limitações e explorar novos horizontes.

Além disso, as asas também podem simbolizar proteção e a capacidade de enfrentar desafios.

O que não se faz às asas:

A letra menciona que “as asas não se vão cortar”. Isso sugere que não devemos restringir nossa liberdade ou nossa capacidade de sonhar e explorar.

Num sentido mais amplo, podemos interpretar isso como não sufocar os nossos desejos e aspirações.

Quando deixam de ser usadas:

As asas deixam de ser usadas quando decidimos “pousar”, ou seja, quando escolhemos parar de voar e enfrentar a realidade.

Isso pode representar momentos em que abandonamos os nossos sonhos ou desistimos de lutar.

O que significam:

As asas simbolizam liberdade, paixão, amor e a busca por algo maior.

Elas também podem representar a dualidade entre o desejo de voar e a necessidade de encontrar um lugar para pousar e se estabelecer.

Em resumo, a letra da canção “Asas” convida-nos a refletir sobre os nossos sonhos, paixões e a importância de manter a nossa capacidade de explorar, mesmo quando enfrentamos desafios e limitações.


quinta-feira, 18 de julho de 2024

O papagaio, Sebastião da Gama


 

O PAPAGAIO

Deixem-no lá, deixem-no lá, o papagaio!
Deixem-no lá, bem preso à terra,
vibrando!

Aos arranques,
a fazer tremer a terra,
a querer voar
pelo ar
até pertinho do Céu...

Deixem-no lá, deixem-no lá, o papagaio!
Deixem-no lá viver a sua inquietação
e ser verdade aquela ânsia
de fugir.
Não lhe cortem o cordel!
Poupem o papagaio à dor enorme
de cair,
papel inútil roto, pelo chão.

Não lhe ensinem,
ao pobre papagaio de papel,
que a sua inquietação
é a única força que ele tem.

Deixem-no lá,
naquela ânsia de fuga,
no sonho (a que uma navalha
pode dar o triste fim)
de fazer ninho no Céu:
Sempre anda longe da terra, assim,
o comprimento do cordel...

Deixem-no lá, deixem-no lá,
o papagaio de papel!...

 

Sebastião da Gama, Itinerário Paralelo. Lisboa, Edições Ática, 1967

 

I - Esquema interpretativo do poema “O papagaio”, de Sebastião da Gama






Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 48 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "O papagaio", de Sebastião da Gama, e "As minhas asas", de Almeida Garrett, 2021-05-07.

 Assistir à aula da Professora Tereza Cadete Sampainho, em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7828/e542348/portugues-7-e-8-anos

 

***

II - Questionário sobre o poema “O papagaio”, de Sebastião da Gama

1. Indica a quem se dirige o sujeito poético.

2. Explicita o(s) apelo(s) que faz.

2.1. Regista os versos em que surge(m) esse(s) apelo(s).

2.2. Identifica o tipo de frase presente nesses versos.

2.3. Identifica o tempo e o modo utilizados.

3. Descreve o comportamento do papagaio que o sujeito poético quer proteger.

3.1. Explica o que esse comportamento simboliza.

 

Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 48 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "O papagaio", de Sebastião da Gama, e "As minhas asas", de Almeida Garrett, 2021-05-07. Disponível em: https://estudoemcasa.dge.mec.pt/2020-2021/7o-e-8o/portugues/48

 

Sugestão de respostas:

1. O sujeito poético dirige-se ao leitor ou a quem possa interferir com o papagaio, pedindo-lhes que não o perturbem.

2. O apelo principal que o sujeito poético faz é para que deixem o papagaio em paz, sem cortar o cordel que o liga à terra, permitindo-lhe viver a sua inquietação e sonho de voar alto.

2.1. Os apelos surgem nos seguintes versos:

«Deixem-no lá, deixem-no lá, o papagaio!» (v. 1)

«Deixem-no lá viver a sua inquietação» (v. 10)

«Não lhe cortem o cordel!» (v. 13)

«Deixem-no lá, deixem-no lá, / o papagaio de papel!...» (vv. 28-29)

2.2. O tipo de frase presente nesses versos é imperativa.

2.3. O tempo e modo utilizados são o presente do modo conjuntivo (com valor imperativo).

3. O comportamento do papagaio que o sujeito poético quer proteger é o de vibrar, tentar voar, tremer a terra, viver na ânsia de fuga, e manter o sonho de alcançar o céu, mesmo estando preso à terra pelo cordel.

3.1. Esse comportamento simboliza a aspiração humana, a busca de liberdade, o desejo de alcançar objetivos elevados e de sonhar, mesmo diante das limitações e restrições impostas pela realidade. Enquanto o cordel representa as restrições e as amarras que todos enfrentamos na vida, o papagaio de papel representa a força do sonho e da inquietação como motivadores para tentar superar as limitações. Assim, o poema convida-nos a valorizar a inquietação e a busca por algo mais, mesmo que isso signifique permanecer distante do chão seguro e conhecido.