Carlos Conde (N. 22
novembro, 1901 - M. 13 julho, 1981)
Carlos Augusto Conde, filho de Maria
Antónia da Silva Conde e de Manuel José Conde, nasceu no dia 22 de Novembro de
1901 na povoação do Monte, Murtosa, distrito de Aveiro. Casou-se com Laura dos
Santos em 18 de Setembro de 1936 e desse casamento nasceram três filhas,
Noémia, Maria de Lourdes e Flora. Mais tarde mudam-se para Lisboa, fixando-se
na Praça das Amoreiras e nestes primeiros anos de transição para a cidade, Carlos
Conde emprega-se como chefe de escritório na firma F.H. de Oliveira.
Se antes deste seu percurso profissional,
Carlos Conde já escrevia os primeiros versos, a história do fado veio a
consagrá-lo como destacado poeta popular, autor de inúmeros
repertórios de fados e textos de cegadas, musicados ao longo das décadas de 20
e 30 do século passado. Quando questionado pela revista “ABC” sobre as
temáticas dos seus versos dirá: “O amor, as mulheres, o campo. Adoro as flores,
as águas claras, o sol, a luz, a natureza. Tudo o que tenha vida, que tenha
alma.” (cf. “Revista ABC”, 23 de Janeiro de 1931). Dono de um talento imenso, a
sua pena fixou o imaginário de Lisboa, descrevendo costumes, personalidades,
recantos, becos, vielas, festividades e outros temas do quotidiano da capital.
Em 1924 o jornal “A Alma de Portugal”
dava destaque a Carlos Conde, caracterizando o jovem poeta: “Carlos Conde
pertence a essa plêiade de novos que nos últimos tempos se tem evidenciado, na
sua bagagem literária encontram-se produções de merecimento (…) Carlos Conde
não sendo contudo um consagrado é no entanto um novel com inspiração, a sua
obra encontra-se espalhada nas mãos dos mais competentíssimos cantadores e
dispersa nas colunas dos inúmeros jornaes onde tem colaborado com proficiente
estudo.” (cf. “A Alma de Portugal”, 1ª Quinz. de Setembro de 1924). A
notoriedade de Carlos Conde foi muitas vezes referenciada pelos periódicos de
fado, que surgiram ao longo das décadas de 20, 30 e 40 do passado século,
fulcrais na legitimação e divulgação desta expressão musical.
Dada a impossibilidade de nomearmos todos
os textos de cegadas que Carlos Conde escreveu destacamos os títulos: “O Crime
Daquela Noite” (1946) com música de Alfredo Silva, “Homem ao Mar” (1950) música
de Casimiro Ramos, “Quatro Contos a Mais” (1959), música de Albertino Vilar,
entre muitos outros textos. Estas e outras cegadas tinham lugar nas
colectividades, clubes e festas que povoavam a cidade de Lisboa e arredores.
A paixão pela escrita leva Carlos Conde a
participar e a concorrer em numerosos concursos poéticos alcançando, na maioria
das vezes, os primeiros prémios e menções honrosas. Destaque para a vitória
alcançada, em 1966, com a letra para o “Hino da Força Aérea”, reforçando os
méritos entretanto já atribuídos ao poeta ao longo de outras décadas.
Profundamente acarinhado pelo universo do
fado, os seus poemas foram cantados na voz dos grandes vultos do fado : Ada de
Castro, Adelina Ramos, Amália Rodrigues, Argentina Santos, Ercília Costa,
Fernanda Maria, Lucília do Carmo, Maria Amélia Proença, Maria da Fé, Alfredo
Duarte Júnior, Alfredo Marceneiro, Carlos do Carmo, Fernando
Maurício, Gabino Ferreira, João Ferreira Rosa, Raul Pereira, Rodrigo, Vítor
Duarte, entre muitos outros.
Carlos Conde foi autor de centenas de
letras de Fado, e revelam-no como um dos expoentes máximo na área. Esses fados,
traduziram-se em verdadeiros sucessos nas vozes de muitos fadistas: “A mulher
que já foi tua”, “Baile dos Quintalinhos”, “Bairros de Lisboa”, “Um resto de
Mouraria”, “O Fado da Bica”, “Não sou ciumenta”, “Rapsódia de fado antigo”,
“Trem desmantelado”, “Não passes com ela à minha rua”, “Fins do século
passado”, entre muitos outros…
Paralelamente à sua projecção como poeta,
Carlos Conde foi alvo de um grande número de homenagens, com especial destaque
para o almoço comemorativo do seu 50º aniversário, e que teve lugar no dia 22
Novembro de 1951, na Adega Mesquita, com a presença de Francisco Radamanto,
Felipe Pinto, Dr. Amaro de Almeida, Amália Rodrigues, Teresa Nunes, Alfredo
Marceneiro, entre outros. Outras festas de homenagens ocorreram contando com a
presença de muitos nomes do universo artístico da rádio, do teatro e do fado e
que souberam enaltecer a grandiosidade da sua obra poética e humana.
Vítima de um trágico acidente de viação,
Carlos Conde viria a falecer em Julho de 1981.
Em 2001 a Câmara Municipal de Lisboa,
presta ao poeta uma última homenagem, ao atribuir o seu nome a uma das artérias
da cidade situada na zona de Campolide.
Paulo Conde, neto de Carlos Conde, lançou
em Setembro de 2001 o livro “Fado, Vida e Obra do Poeta Carlos Conde”.
Tratando-se de um inesgotável tributo ao seu avô, Paulo Conde revê toda a vida
e consequente obra literária daquele que é hoje considerado como uma referência
na poesia de fado.
Fontes: “Alma de Portugal”, 1ª
Quinzena de Setembro de 1924. “A Canção do Povo”, 26 de Setembro de 1926.
“Guitarra de Portugal2, 17 de Abril de 1926. “Guitarra de Portugal”, 10 de
Agosto de 1928. “ABC”, 23 de Janeiro de 1931. “Guitarra de Portugal”, 15 de
Março de 1948. Cartaz promocional da “Festa de Homenagem ao poeta popular
Carlos Conde”, 29 de Março de 1958. “República”, 21 de Junho de 1966. Conde,
Paulo (2001) “Fado, Vida e Obra do Poeta Carlos Conde”, Lisboa, Garrido
Editores. “Correio da Murtosa”, 28 de Novembro de 2007. Adaptação de biografia
gentilmente cedida por Paulo Conde.
conforme
o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o
vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E
é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o
que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda
quando lutemos, como devemos lutar,
por
quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou
mais que qualquer delas uma fiel
dedicação
à honra de estar vivo.
Um
dia sabereis que mais que a humanidade
não
tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram
o seu semelhante no que ele tinha de único,
de
insólito, de livre, de diferente,
e
foram sacrificados, torturados, espancados,
e
entregues hipocritamente à secular justiça,
para
que os liquidasse “com suma piedade e sem efusão de sangue.”
Por
serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a
uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à
fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram
estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e
os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou
suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às
vezes, por serem de uma raça, outras
por
serem de uma classe, expiaram todos
os
erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de
haver cometido. Mas também aconteceu
e
acontece que não foram mortos.
Houve
sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando
mansamente, delicadamente,
por
ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes
fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi
uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há
mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu
o coração de um pintor chamado Goya,
que
tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e
de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas
um episódio, um episódio breve,
nesta
cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de
ferro e de suor e sangue e algum sémen
a
caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai
que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale
mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É
isto o que mais importa – essa alegria.
Acreditai
que a dignidade em que hão de falar-vos tanto
não
é senão essa alegria que vem
de
estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está
menos vivo ou sofre ou morre
para
que um só de vós resista um pouco mais
à
morte que é de todos e virá.
Que
tudo isto sabereis serenamente,
sem
culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e
sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente
espero. Tanto sangue,
tanta
dor, tanta angústia, um dia
–
mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga –
não
hão de ser em vão. Confesso que
muitas
vezes, pensando no horror de tantos séculos
de
opressão e crueldade, hesito por momentos
e
uma amargura me submerge inconsolável.
Serão
ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem
ressuscita esses milhões, quem restitui
não
só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum
Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele
instante que não viveram, aquele objeto
que
não fruíram, aquele gesto
de
amor, que fariam “amanhã”.
E
por isso, o mesmo mundo que criemos
nos
cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que
não é nossa, que nos é cedida
para
a guardarmos respeitosamente
em
memória do sangue que nos corre nas veias,
da
nossa carne que foi outra, do amor que
outros
não amaram porque lho roubaram.
Jorge de Sena, Metamorfoses, 1963
Goya, "El tres de Mayo de 1808" ou "Los fusilamientos de Príncipe Pío", 1814
O quadro
"O 3 de maio de 1808" foi pintado por Francisco Goya (1746-1828) em
1814, seis anos depois da dramática situação que narra um dos momentos mais
simbólicos da resistência espanhola à invasão das tropas de Napoleão Bonaparte.
A este quadro liga-se um outro, "O 2 de maio de 1808" (pintado
igualmente em 1814), que relata o primeiro episódio deste acontecimento,
ocorrido na véspera, e presumivelmente presenciado pelo pintor.
Na manhã de 2
de maio, o lugar-tenente de Napoleão, o general Murat, seguido por uma coluna
de cavalaria, foi atacado por um grupo de populares armados, enquanto
atravessava a Porta do Sol em Madrid. Tendo rapidamente controlado a situação,
os franceses, como represália pelo levantamento popular, ordenaram o
fuzilamento de inúmeros civis. Estes massacres tiveram lugar durante o dia
seguinte em vários pontos da cidade, junto ao Convento de Jesus, no Bom Retiro,
na Casa de Campo, em Santa Bárbara, na Porta de Segovia e na montanha do
Príncipe Pio, entre outros locais.
Anteriormente
à ocupação francesa Goya mantinha alguma simpatia pelas ideias liberais, embora
fosse pintor da corte. Para este artista a chegada do exército de Napoleão e a
consequente queda da monarquia pareceu representar, num primeiro momento, a
possibilidade de introdução do liberalismo no seu país. No entanto, o carácter
destruidor que esta ocupação assumiu, associada a sangrentos massacres,
frustraram qualquer esperança de libertação.
Os horrores e
sofrimentos provocados pelos confrontos entre espanhóis e franceses durante a
guerra, aos quais Goya teve oportunidade de assistir de forma direta, foram
temas que o atormentaram e contribuíram para que, próximo do final da sua
carreira, se tornasse pessimista e cínico relativamente à capacidade de
destruição e ao ódio que a espécie humana era capaz de alimentar.
Antecedendo
estas duas pinturas, a série de gravuras "Desastres de la Guerra"
(desastres da guerra), realizadas em 1810, condensa uma abordagem ainda mais
acutilante e emotiva relativamente a este momento de loucura da humanidade.
Após a expulsão dos invasores franceses e restaurada a monarquia, Goya
conseguiu que o novo governo regente lhe atribuísse um subsídio financeiro para
a realização das duas telas comemorativas dos brutais massacres.
O quadro
"O 3 de maio de 1808" apresenta dimensões (266 por 406 centímetros),
temática e estilo que lhe imprimem um impacto impressionante. A técnica
utlizada, de carácter marcadamente expressionista, caracteriza-se por
pinceladas rápidas e espontâneas, pela liberdade e violência do cromatismo e
pelos barroquizantes e dramáticos contrastes de luz e sombra. Anunciada por
alguns quadros anteriores, esta linguagem expressiva marcaria o derradeiro período
criativo do pintor, aquele que mais profundamente o liga ao movimento
romântico, do qual constituiu um dos mais brilhantes representantes.
Representando
uma cena noturna, a composição apresenta dois setores, a coluna de soldados
franceses, imersos numa sombra acentuada pela frieza das cores, que contrasta
com o grupo de condenados, inundados por uma intensa luz definidora de
flamejantes amarelos e vermelhos. O ponto focal do quadro é precisamente a
camisa branca de um dos condenados.
Os quadros
"O 2 de maio de 1808" e "O 3 de maio de 1808", executados a
óleo sobre tela, encontram-se expostos no Museu do Prado, em Madrid.
Grupo Ngola, na Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa
Não
vale a pena pisar
O
capim não foi plantado
nem
tratado,
e
cresceu. É força
tudo
força
que
vem da força da terra.
Mas
o capim está a arder
e
a força que vem da terra
com
a pujança da queimada
parece
desaparecer.
Mas
não! Basta a primeira chuvada
para
o capim reviver.
Manuel Rui, No
reino de Caliban, Antologia panorâmica da poesia africana de expressão portuguesa
II, Lisboa, Seara Nova, 1976, p. 318
Texto de apoio:
Na derradeira edição da Mensagem, boletim da Casa dos Estudantes do Império publicado a 6 de setembro de 1965, Manuel Rui legou à posteridade um poema
escrito sob circunstâncias íntimas e simbólicas: redigiu-o sobre uma mesa de
pinho, austera e rústica, que servia de secretária no seu quarto em Coimbra.
Intitulado inicialmente “Não Vale a Pena Pisar”, o texto seria posteriormente
rebatizado como “Nossa Força”, ganhando novas camadas de significado. Nele, o
capim – erva resistente e marginal, não cultivada, não domesticada – emerge
como metáfora pungente dos oprimidos, daqueles que, embora invisibilizados,
carregam em si a força telúrica da resistência.
Fernando Pinto do
Amaral, Poemas Escolhidos (1990-2007), Dom Quixote, 2009
Notas:
1. rastilhos: canudos ou fios de pólvora. 2. ordálio: sofrimento. 3. vorazes:
passageiras. 4. cauterizadas: cicatrizadas. 5. extravasa: derrama, despeja,
produz em abundância. 6. lancinantes: dolorosas, pungentes.
Linhas de leitura:
-Que transformações ocorrem na
forma como o sujeito poético expressa os seus sentimentos ao longo do tempo? (Explora a passagem do diário manuscrito para o blogue e o que
isso revela sobre crescimento e mudança.)
-De que forma a escrita serve como
libertação emocional nas diferentes fases da vida do sujeito? (Reflete sobre o papel da escrita na adolescência e na idade
adulta.)
-O que simboliza a expressão
“caligrafia cuja cor fora ainda a do sangue”? (Pensa na intensidade emocional associada à juventude.)
-Que críticas ou reflexões o poema
sugere sobre a exposição das emoções nas plataformas digitais? (Analisa a diferença entre o íntimo (diário) e o público
(blogue).)
-Como é retratada a juventude neste
poema e que marcas ela deixa no sujeito poético? (Observa a linguagem usada para descrever amizades, amores e
angústias.)
-O “ele” do poema representa um
indivíduo específico ou uma geração? Que pistas textuais sustentam essa
leitura? (Interpreta o valor simbólico do sujeito descrito.)