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Foi por causa desta foto que fui preso pela PIDE: “Temos paisagens tão bonitas em Portugal, porque é que não as fotografa, em vez de andar a retratar pessoas humildes?” Diziam que as minhas fotografias davam má imagem do País. Esta correu mundo. Ganhou 22 medalhas de ouro.
Eduardo Gageiro
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Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação
Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo que mata quem o denuncia
Tempo de escravidão
Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rastro
Tempo de ameaça
Sophia de Mello Breyner Andresen, “Data” in Livro Sexto, 1.ª ed., 1962, Lisboa, Livraria Morais Editora
***
A vida
dos portugueses em Portugal no tempo de Salazar (1932-1968) foi marcada pela
ditadura, pela pobreza, pela censura e pela guerra colonial.
Salazar
era o líder do Estado Novo, um regime autoritário que reprimia qualquer
oposição política, controlava a imprensa, a educação e a cultura, e defendia um
ideal de Portugal tradicional e imperial.
Muitos
portugueses emigraram para outros países em busca de melhores condições de
vida, mas Salazar dificultava a saída de quem não tivesse uma carta de chamada,
que era uma garantia de trabalho no exterior.
Os que
ficaram tinham que enfrentar a miséria, a falta de liberdade e o risco de serem
convocados para combater nas colónias africanas, onde os povos nativos lutavam
pela independência.
A
ditadura de Salazar só terminou com a Revolução dos Cravos em 1974, que
derrubou o regime e abriu caminho para a democracia em Portugal.
No tempo do Salazar é que era!
Por
causa da “crise“, um quinto dos portugueses, mais coisa menos coisa dois
milhões de pessoas, pensa que o melhor é desenterrar o Salazar lá de Comba Dão
mais os “Pides“ todos e pôr tudo em ordem!
Mais uma
vez os portugueses estão de parabéns. Isto se tivermos em conta um estudo recente, o qual demonstra como a crise leva um quinto dos portugueses a terem saudade dos tempos antes do 25 de Abril até porque
"no tempo do Salazar é que era! "
Lá para
os meus lados habituei-me a crescer com tais impropérios, tantas vezes cuspidos
da boca de quem, no meio de um autocarro atulhado e de uma vida atulhada e de
um futuro atulhado a caminho de lado nenhum, procurava assim encontrar
justificação para a sua própria desgraça a qual, de maneira alguma, descendia
diretamente da liberdade e da democracia. Antes pelo contrário, porque
dependendo da ditadura, o mais provável era tais vernáculos nem sequer
encontrarem o caminho do estômago para a boca sob pena de verem os dentes estilhaçados
na força bruta de uma boa coronhada.
Portanto,
nem que seja para se poder dizer mal da democracia, já valeu a pena fazer a
revolução! Infelizmente, e por causa da 'crise", um quinto dos
portugueses, mais coisa menos coisa dois milhões de pessoas, parece pensar de
forma contrária, pelo que o melhor é desenterrar o Salazar lá de Comba Dão mais
os "Pides" todos e pôr tudo em ordem! Assim, quando as ossadas do
"Tó" estiverem de novo na
cadeira (desta feita pregada ao chão,
não vá a maldita cair), mal posso
esperar pelas perseguições, prisões, torturas, assassinatos, condenações sem direito a defesa ou julgamento, 13 anos de
guerra colonial e 10000 mortos, um milhão de portugueses emigrados (para não
dizer refugiados, como hoje são os sírios,
mas na altura sem mochilas, essa invenção moderna, apenas malas de cartão e, como hoje, apenas os pés para andar), a livre
discriminação das mulheres, forçadas a
ficar em casa, sem direito a voto ou opinião,
apenas direito à porrada (e não metas a
colher), subnutrição generalizada, o analfabetismo a assinar de cruz, o trabalho de sol a sol pago ao dia sem direito a descanso, férias, reforma ou contrato, o domínio da Igreja sobre os corações e as almas de todo um povo feito refém de medos e
castigos divinos que não existem senão nas mentes pérfidas de um clero que pouco ou nada fez em nome de um Jesus, mas muito em proveito próprio, enfim, entre tantas outras aberrações inenarráveis, a lista é por demais infindável quando se fala não apenas de uma ditadura, mas da nossa ditadura em particular,
aquela de quem um quinto dos portugueses
tem hoje tanta saudade...
Não foi
há muito tempo que um programa de televisão intitulado "Grandes
Portugueses" elegeu, por voto dos telespectadores, António de Oliveira
Salazar como o maior português de todos os tempos, isto em 2007, 33 anos após o
fim da ditadura, e ainda nem sequer se ouvia a palavra "crise". Portanto,
amigos e amigas, senhores e senhoras, isto da saudade salazarista não é de
agora, já anda connosco de há algum tempo para cá. Preocupante é não recrudescer,
antes pelo contrário, contando já com cerca de dois milhões de adeptos num país
onde o embrutecimento ganha terreno a olhos vistos perante a passividade de um povo
adormecido entre a televisão e as redes sociais, mais perto do Norte de África
do que da América e onde o sonho é mesmo isso, um sonho, do qual é urgente
acordar.
João André Costa, Público, 2016-05-02
Tão felizes que nós éramos
Anda por
aí gente com saudades da velha portugalidade. Saudades do nacionalismo, da
fronteira, da ditadura, da guerra, da PIDE, de Caxias e do Tarrafal, das cheias
do Tejo e do Douro, da tuberculose infantil, das mulheres mortas no parto, dos
soldados com madrinhas de guerra, da guerra com padrinhos políticos, dos
caramelos espanhóis, do telefone e da televisão como privilégio, do serviço
militar obrigatório, do queres fiado toma, dos denunciantes e informadores e,
claro, dessa relíquia estimada que é um aparelho de segurança.
Eu não
ponho flores neste cemitério.
Nesse
Portugal toda a gente era pobre com exceção de uma ínfima parte da população,
os ricos. No meio havia meia dúzia de burgueses esclarecidos, exilados ou
educados no estrangeiro, alguns com apelidos que os protegiam, e havia uma
classe indistinta constituída por remediados. Uma pequena burguesia sem poder
aquisitivo nem filiação ideológica a rasar o que hoje chamamos linha de
pobreza. Neste filme a preto e branco, pintado de cinzento para dar cor, podia
observar-se o mundo português continental a partir de uma rua. O resto do mundo
não existia, estávamos orgulhosamente sós. Numa rua de cidade havia uma
mercearia e uma taberna. Às vezes, uma carvoaria ou uma capelista. A mercearia
vendia açúcar e farinha fiados. E o bacalhau. Os clientes pagavam os géneros a
prestações e quando recebiam o ordenado. Bifes, peixe fino e fruta eram um
luxo.
A fruta
vinha da província, onde camponeses de pouca terra praticavam uma agricultura
de subsistência e matavam um porco uma vez por ano. Batatas, peras, maçãs,
figos na estação, uvas na vindima, ameixas e de vez em quando uns preciosos
pêssegos.
As frutas
tropicais só existiam nas mercearias de luxo da Baixa. O ananás vinha dos
Açores no Natal e era partido em fatias fininhas, para render e encharcado em
açúcar e vinho do Porto para render mais. Como não havia educação alimentar e a
maioria do povo era analfabeta ou semianalfabeta, comia-se açúcar por tudo e
por nada e, nas aldeias, para sossegar as crianças que choravam, dava-se uma
chucha embebida em açúcar e vinho. A criança crescia com uma bola de trapos por
brinquedo, e com dentes cariados e meia anã por falta de proteínas e de
vitaminas. Tinha grande probabilidade de morrer na infância, de uma doença sem
vacina ou de um acidente por ignorância e falta de vigilância, como beber
lixívia. As mães contavam os filhos vivos e os mortos era normal. Tive dez e
morreram-me cinco. A altura média do homem lusitano andava pelo metro e
sessenta nos dias bons. Havia raquitismo e poliomielite e o povo morria cedo e
sem assistência médica. Na aldeia, um João Semana fazia o favor de ver os
doentes pobres sem cobrar, por bom coração.
Amortalhado
a negro, o povo era bruto e brutal.
Os homens
embebedavam-se com facilidade e batiam nas mulheres, as mulheres não tinham
direitos e vingavam-se com crimes que apareciam nos jornais com o título
‘Mulher Mata Marido com Veneno de Ratos’. A violação era comum, dentro e fora
do casamento, o patrão tinha direito de pernada, e no campo, tão idealizado,
pais e tios ou irmãos mais velhos violavam as filhas, sobrinhas e irmãs. Era
assim como um direito constitucional. Havia filhos bastardos com pais anónimos
e mães abandonadas que se convertiam em putas. As filhas excedentárias eram
mandadas servir nas cidades. Os filhos estudiosos eram mandados para o
seminário. Este sistema de escravatura implicava o apartheid. Os criados nunca
dirigiam a palavra aos senhores e viviam pelas traseiras.
O
trabalho infantil era quase obrigatório porque não havia escolaridade
obrigatória. As mulheres não frequentavam a universidade e eram entregues pelos
pais aos novos proprietários, os maridos. Não podiam ter passaporte nem sair do
país sem autorização do homem. A grande viagem do mancebo era para África, nos
paquetes da guerra colonial. Aí combatiam por um império desconhecido. A grande
viagem da família remediada ao estrangeiro era a Badajoz, a comprar caramelos e
castanholas.
A
fronteira demorava horas a ser cruzada, era preciso desdobrar um milhão de
autorizações, era-se maltratado pelos guardas e o suborno era prática comum.
De vez em
quando, um grande carro passava, de um potentado veloz que não parecia sujeitar
se à burocracia do regime que instituíra uma teoria da exceção para os seus
acólitos. O suborno e a cunha dominavam o mercado laborai, onde não vigorava a
concorrência e onde o corporativismo e o capitalismo rentista imperavam.
Salazar dispensava favores a quem o servia. Não havia liberdade de expressão e
o lápis da censura aplicava-se a riscar escritores, jornalistas, artistas e
afins. Os devaneios políticos eram punidos com perseguição e prisão. Havia
presos políticos, exilados e clandestinos. O serviço militar era obrigatório
para todos os rapazes e se saíssem de Portugal depois dos quinze anos aqui teriam
de voltar para apanhar o barco da soldadesca. A fé era a única coisa que o povo
tinha e se lhe tirassem a religião tinha nada. Deus era a esperança numa vida
melhor. Depois da morte, evidentemente.
Clara Ferreira Alves, Expresso, 2017-03-18
"Antigamente é que era bom!..."
é falso!
Fascina-me
ver pessoas a debitarem a ladainha do "antigamente é que era bom!",
mas só podem estar a referir-se a algum hipotético antigamente saído do Stranger
Things, porque eu vivi esses tempos, e era tão, mas tão pior do que hoje!
Não sou velho, mas cresci numa terriola perdida no meio do Portugal profundo, e
o desenvolvimento lá demorou a chegar. Nesses tempos não era difícil uma
localidade ficar para trás no desenvolvimento, bastava que tivesse o azar de
não passar por lá uma autoestrada, ou uma linha de comboio, ou algum grande
eixo logístico.
A minha
mãe passava fome para que eu não passasse, as ruas tornavam-se em rios quando
chovia, os transportes públicos eram inexistentes, a eletricidade estava
constantemente a ir abaixo, as casas eram geladas e no Inverno impossíveis de
habitar. Eu tinha um único par de calçado para durar o ano inteiro, grassavam
as superstições, a falta de cultura, a educação era dada com modelos altamente
preconceituosos. Era considerado muito inteligente só porque gostava de ler, e
a palavra do padre, porque a igreja era o ponto central de tudo, era divina.
Olhando para trás, juntando as memórias, é possível que naquela altura pudesse
haver abuso de crianças, mas absolutamente impensável sequer pensar nisso,
quanto mais falar. Daqui também se depreende que qualquer pessoa com um cargo
mais elevado (padre, médico, engenheiro) era intocável, uma mania que ainda
hoje persegue o país, como tão bem explica o José Sócrates. Não é que hoje em
dia haja mais corrupção, porque nesses outros "bons tempos" era
completamente disseminada e normal, mas só hoje em dia é que se aponta, acusa e
condena por isso. Até para mim foi um choque a prisão do Sócrates, na minha
cabeça era impossível. Ele era engenheiro, tinha sido primeiro-ministro, como é
que podia ser?
Eu não
era dos piores. Conhecia gente que não tinha casa de banho em casa, famílias
que não tinham eletricidade, quanto mais televisão, quanto mais essa bizarra
coisa de um com-pu-ta-dor. Pessoas havia que não sabiam nada de doenças
sexualmente transmissíveis, e para quem de qualquer maneira não se ia ao médico
tratar do que fosse, isso era coisa de maricas. Colegas meus para quem a
refeição da escola era a refeição do dia, ou iam para as aulas a cheirar a
merda porque os pais não lhes davam banho, pais esses que acreditavam nas sopas
de cavalo cansado como pequeno almoço (pão em taças de vinho, daquele vinho
mesmo rasca, de garrafão de cinco litros). Ou que iam com marcas de
espancamento para as aulas e, atenção ao toque precioso, eram acusados pelos
professores desse espancamento ser culpa delas próprias.
Se
querias uma consulta, pagavas um favorzinho ao "senhor doutor", não
havia nenhuma ideia de pedir faturas, e qualquer coisa fora da norma era
considerado de muito mau tom. Coisas fora do normal como, por exemplo, rir
alto, porque dizia-se que rir muito era falta de juízo. "Muito riso, pouco
siso", era uma daquelas sabedorias infalíveis dos velhotes. Falar com
mulheres era outra, porque existiam para desencaminhar os homens (isto foi-me
dito pela minha avó). Pessoas com deficiências mentais eram ignoradas porque
havia sempre um tolo da aldeia, alcoólicos eram motivo de galhofa porque faziam
figuras muito engraçadas, e nenhum deles era ajudado. Coisas tão corriqueiras
como bancos e pastelarias? LOL
O
Portugal de há muitos anos era ignorante, atrasado, e a falta de cultura e de
educação eram o normal. Não era culpa das pessoas, isso eu sei, mas não elimina
o facto. Eu vivi esse atraso, e portanto deixa-me maluco quem a) suspira pelos
"bons velhos tempos", porque eram velhos, mas bons é que não, b)
considera que as atuais gerações têm demasiado liberdade, ou não querem saber
de nada, porque eu tenho contacto com os meus primos, e surpreendem-me a
preocupação que têm com o estado do Mundo, da Sociedade, e do Futuro. São muito
mais bem-educados, cultos e formados do que as gerações antigas eram, e c)
ainda acham que "ai, isto o que era preciso era outro Salazar",
porque não me resta dúvida que esse foi, de longe, o pior culpado de Portugal
ter estado nesse estado miserável.
Por: NuncaAqui,
julho de 2022. Disponível em: https://www.reddit.com/r/portugal/comments/wf6hex/antigamente_%C3%A9_que_era_bom_%C3%A9_falso/
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