segunda-feira, 25 de abril de 2016

“POESIA ÚTIL” E LITERATURA DE RESISTÊNCIA

A literatura como arma contra a ditadura e a guerra colonial portuguesas, no século XX



Poucos, muito poucos foram os poetas que se mantiveram alheios aos anos de ferro e manha da ditadura salazarista. De forma mais explícita ou mais discreta, mais pessoal ou pública, com palavras de indignação, de denúncia ou verrina, raros foram aqueles que não lavraram um pequeno ou grande incêndio nos seus livros, num ou noutro poema, num verso apenas que fosse. (José Fanha in apresentação De Palavra Em Punho – Antologia Poética da Resistência. De Fernando Pessoa ao 25 de Abril. Porto, Campo das Letras, 2004)

Apesar de esta tendência, que aqui designamos como poesia de intervençãonão existir enquanto movimento literário autónomo (e, em rigor, com ela possamos relacionar autores das mais distintas profissões de fé estético-literárias), adotamos a proposta terminológica sugerida por Óscar Lopes: «Em termos de poesia de qualidade, não é possível isolar uma tendência de intervenção política ou de intenção realista, pois ela manifesta-se, e por vezes de modo bem vivo, em obras de sensibilidade tão diferente como as de Jorge de Sena, Sophia de Mello Breyner, Alexandre O’Neill […] Vamos no entanto agrupar um conjunto de poetas cuja fase de consagração se liga a uma clara atitude de polémica ou de crítica social.» (Lopes e Saraiva, 1996:1069 apud Sílvia Cunha, 2008 :47)


O 25 de Abril num minuto


No dia 25 de abril de 1974, um grupo de militares derrubou a ditadura em Portugal e devolveu a liberdade à população.

Num minuto fica a saber como funcionava o Estado Novo e o que aconteceu no dia da revolução (RTP, 2012).






Leitura orientada de obras de intervenção sociopolítica do século XX português



DATA

GÉNERO

AUTOR

TÍTULO

INCIPIT

1927(?)

Poesia

Fernando Pessoa

Fado da Censura

Neste campo da Política

1936-38

Poesia

José Gomes Ferreira

Heroica ‑ VII

Não, não queremos cantar 

1936-38

Poesia

José Gomes Ferreira

Heroica ‑ XL

Homens: na noite do desânimo

1940

Poesia

Manuel da Fonseca

Os olhos do poeta

O poeta tem olhos de água para refletirem todas as cores do mundo,

1940

Poesia

Manuel da Fonseca

Canções da Vida ‑ Sétima

Entontecido

1942

Poesia

Sidónio Muralha

Soneto imperfeito da caminhada perfeita

Já não há mordaças, nem ameaças, nem algemas

1942

Poesia

Sidónio Muralha

Profecia

Cada gesto de ódio

1945-48

Poesia

José Gomes Ferreira

Café – LIX

Todas as noites toca um telefone na Lua.

1946

Poesia

José Gomes Ferreira

Canções Heroicas

Acordai

Não fiques pra trás ó companheiro

1946

Poesia

Jorge de Sena

Rendimento

Estava sentado no degrau da porta.

1950

Poesia

Miguel Torga

Ar livre

Ar livre, que não respiro!

1952

Poesia

Egito Gonçalves

Notícias do bloqueio

Aproveito a tua neutralidade,

1952-79

Poesia

Egito Gonçalves

Com palavras

Com palavras me ergo em cada dia!

1952-79

Poesia

Egito Gonçalves

Notícia para colar na parede

Por aqui andamos a morder as palavras

1956

Poesia

Jorge de Sena

Quem a tem…

Não hei-de morrer sem saber

1957

Poesia

Mário Cesariny de Vasconcelos

You are welcome to Elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente

1957

Poesia

Natália Correia

Queixa das almas jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete

1958

Poesia

Alexandre O’Neill

Um adeus português

Nos teus olhos altamente perigosos

1958

Poesia

Sophia de Mello Breyner Andresen

Este é o tempo

Este é o tempo

1960

Poesia

Alexandre O’Neill

O poema pouco original do medo

O medo vai ter tudo

1961

Pintura

Joaquim Rodrigo

S.M.

 

1961

Poesia

Jorge de Sena

A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.

1962

Poesia

Alexandre O’Neill

Perfilados do medo

Perfilados de medo, agradecemos

1962

Poesia

Sophia de Mello Breyner Andresen

Ressurgiremos

Ressurgiremos ainda sob os muros de Cnossos

1962

Poesia

Sophia de Mello Breyner Andresen

Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo

1962

Poesia

Sophia de Mello Breyner Andresen

As pessoas sensíveis

As pessoas sensíveis não são capazes

1963

Poesia

José Afonso

Menino do bairro negro

Olha o sol que vai nascendo

1963

Poesia

José Afonso

Os vampiros

No céu cinzento

1965

Poesia

José Carlos Ary Dos Santos

Os sapatos

Enfio os mocassinos do meu tempo nos pés

1965

Poesia

Manuel Alegre

Trova ao vento que passa

Pergunto ao vento que passa

1965

Poesia

Manuel Alegre

Como ouvi Linda cantar por seu amigo José

Se sabeis novas do meu amigo

1966

Poesia

José Saramago

Ouvindo Beethoven

Venham leis e homens de balanças,

1967

Poesia

Manuel Alegre

As palavras

Palavras tantas vezes perseguidas

1967

Poesia

Manuel Alegre

No meu país há uma palavra proibida

No meu país há uma palavra proibida.

1967

Poesia

Manuel Alegre

Como Ulisses te busco e desespero

Como Ulisses te busco e desespero

1967

Poesia

Manuel Alegre

Ser ou não ser

Qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.

1967

Poesia

Jorge de Sena

Noutros lugares

Não é que ser possível ser feliz acabe,

1969

Poesia

José Afonso

Menina dos olhos tristes

Menina dos olhos tristes

1969

Poesia

José Afonso

Qualquer dia

No inverno bato o queixo

1969

Poesia

José Carlos Ary Dos Santos

A cortiça

É preciso dizer-se o que acontece

1970

Poesia

Ruy Belo

O portugal futuro

O portugal futuro é um país

1970

Poesia

Ruy Belo

Portugal Sacro-Profano – Lugar onde

Neste país sem olhos e sem boca

1970

Poesia

Ruy Belo

Portugal Sacro-Profano – Vila do Conde

O lugar onde o coração se esconde

1970

Poesia

Rosalía de Castro / José Niza / Adriano Correia de Oliveira

Cantar de emigração

Este parte, aquele parte

1971

Poesia

Adriano Correia de Oliveira

Cantiga de amigo

Se sabedes novas do meu amigo

1971

Poesia

José Afonso

Grândola, vila morena

Grândola, vila morena

1971

Poesia

Camões / José Mário Branco

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

1971

Poesia

Sérgio Godinho

Que força é essa

Vi-te a trabalhar o dia inteiro

1972

Poesia

Jorge de Sena

L’Été au Portugal

Que esperar daqui? O que esta gente

1972

Poesia

José Carlos Ary Dos Santos

Poeta castrado, não!

Serei tudo o que disserem

1972

Poesia

Sophia de Mello Breyner Andresen

A paz sem vencedor e sem vencidos

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

1972-73

Poesia

Manuel da Fonseca

Tejo que levas as águas

Tejo que levas as águas

1972-73

Poesia

Manuel da Fonseca

Saibam todos em Montemaior

Tu que vens agora de Montemaior

1973

Poesia

José Afonso

A formiga no carreiro

A formiga no carreiro

1973

Poesia

José Afonso

Venham mais cinco

Venham mais cinco

1973

Poesia

José Carlos Ary Dos Santos

Tourada

Não importa sol ou sombra

1973

Poesia

Ruy Belo

Peregrino e hóspede sobre a terra

Meu único país é sempre onde estou bem

1974

Poesia

José Niza

E depois do adeus

Quis saber quem sou

1974

Cartoon

João Abel Manta

A Metamorfose, 24-04-1974 / 24-08-1974

 

1974

Poesia

Sérgio Godinho

Liberdade

Viemos com o peso do passado e da semente

1974-1975

Poesia

Sophia de Mello Breyner Andresen

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava

1975

Poesia

José Carlos Ary Dos Santos

As portas que Abril abriu

Era uma vez um país

1975

Poesia

José Mário Branco

A cantiga é uma arma

A cantiga é uma arma

1976

Poesia

Sérgio Godinho

Os demónios de Alcácer Quibir

O D. Sebastião foi para Alcácer Quibir

1977

Poesia

José Carlos Ary Dos Santos

Um homem na cidade

Agarro a madrugada

1978

Poesia

José Carlos Ary Dos Santos

O Futuro

Isto vai meus amigos isto vai

1979

Poesia

José Mário Branco

Eu vim de longe, eu vou p’ra longe

Quando o avião aqui chegou

1981

Poesia

Manuel Alegre

Crónica de Abril (segundo Fernão Lopes)

A rosa a espada o Tempo a lua cheia

1982

Poesia

Fausto Bordalo Dias

O barco vai de saída

O barco vai de saída

1982

Romance

Olga Gonçalves

Ora esguardae

Falaria do júbilo

1982

Poesia

José Mário Branco

Inquietação

A contas com o bem que tu me fazes

1983

Poesia

Vitorino

Queda do Império

Perguntei ao vento

1990-93

Poesia

Natália Correia

Nesta praia, amigas, de onde p’rás cruzadas

Nesta praia, amigas, de onde p’rás cruzadas

 

1990-93

Poesia

Natália Correia

Pelos campos primaveris

Pelos campos primaveris

 

 

 

 

 



A literatura portuguesa da segunda metade do século XX


Se olharmos a literatura portuguesa notamos que é frequente a história dar as mãos ao universo literário criado pelo escritor. Por isso, julgamos que é possível encontrar na segunda metade do século XX uma nova fase importante da nossa literatura com outra postura e filosofia dos escritores e intelectuais portugueses. O regime ditatorial, a Segunda Grande Guerra (1939-1945), a emigração, a geração de 60, a guerra colonial, das imagens saudosistas e nostálgicas de África, a transição para a democracia são temas constantes que se apresentam como dado histórico, mas que em muitos autores constituiu luta e anseio. Há uma literatura com uma mensagem de consciência.


E se muitos são temas de intervenção comprometida, continuamos a encontrar uma poesia e uma prosa da vida contra a morte, da busca do sagrado, da procura da identidade, dum certo messianismo e utopia, de máscaras, de aniquilamento e de vazio. A literatura portuguesa, tal como a literatura contemporânea do Ocidente, apresenta-se, como a arte, num certo caminho do absurdo, talvez porque o Homem, com tantas descobertas científicas e avanços tecnológicos, não encontrou ainda uma explicação para a vida.


A nossa identidade é uma constante da poesia que, embora abordando muitos temas universais, está atenta às questões que se colocam ao homem e à mulher portugueses. Encontramos a poesia-combate e a que exprime ternura e o amor, a que denuncia e a que reflete sobre a condição humana ou a que alerta para o mundo em que vivemos e a que nos dá a consciência de Povo e de País.

 

V. Moreira e H. Pimenta, Dimensão Comunicativa 10, Porto Editora, 1997


 


Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavras


Ao longo de cerca de quarenta anos, o regime ditatorial português procurou implementar uma imagem ideológica do país que funcionasse como um meio de congregar toda a população, na medida em que cada português se identificaria com esse retrato. Se a partir de meados do século XIX se criou a consciência de que cada povo teria traços identitários que os distinguiriam de todos os outros, emergindo as chamadas identidades nacionais, no Portugal salazarista vai implementar-se a construção de discursos sobre o país e os seus habitantes que vão privilegiar um conjunto de características reveladas nos portugueses de épocas anteriores, mais concretamente a dos Descobrimentos. Recuperando uma imagem de Portugal que, desde sempre, tem acompanhado o percurso evolutivo deste país, o Estado Novo difunde-o como algo novo e impossível de ser questionado ou refutado uma vez que esse construto emana dos detentores do poder e, por isso mesmo, ele é visto como legítimo. Com o intuito de salvaguardar esses discursos sobre um Portugal heroico, com um destino a cumprir, protegido por Deus desde os primórdios e que deve depositar no Estado a confiança absoluta, dado que só este tem a capacidade para comandar e decidir pelos portugueses; o aparelho de Estado usou como meio de controlo a censura que se num primeiro momento só amputava ou silenciava discursos de carácter político, posteriormente adquiriu competências de tal forma latas e parciais que todo o tipo de discurso era alvo da sua atuação.

É nesse ambiente castrador, opressivo e nefasto à criação artística que os mais variados autores, independentemente do seu posicionamento ideológico e/ou estético, acabaram por construir um conjunto de subterfúgios que lhes permitiam não só escapar ao braço tentacular da censura como implicar o leitor na completa descodificação dos seus textos uma vez que era a este último que competia compreender a total significação dos símbolos utilizados pelos autores para repreenderem os valores impostos pelo Estado bem como para desconstruírem a imagem de Portugal que o regime tão habilmente (re)montara. Ao longo de quase quarenta anos, os mais diversos escritores optaram por ludibriar a máquina censória recorrendo a diversos artifícios que o seu ofício lhes disponibilizava: a reflexão sobre o seu material de escrita, a sua própria função ou a sua vida pessoal; o recurso a metáforas profundamente visuais como os monstros, o medo, os fantasmas; o reaproveitamente de intertextos clássicos, bíblicos ou da lírica trovadoresca; a descrição do reino da Dinamarca e a manipulação de Hamlet de Shakespeare para, a partir deles, revelarem metamorfoseadamente o que eles consideravam ser o verdadeiro rosto de Portugal ou, pelo menos, o outro-rosto, aquele que o Estado arduamente queria rasurar. Durante este período, várias foram as formas encontradas para impedir que o Estado conseguisse tornar inaudíveis as vozes de repúdio e de contestação e, principalmente ao nível da poesia, intensificou-se essa espécie de “criptotransmissão” que transformou a maioria dos poemas em poesia de intervenção. No fundo, o texto poético procurava implodir uma construção que o regime havia feito e revelar o que nela havia de manipulação e falseamento da história pátria; por isso mesmo, alguns autores vão não só questionar os valores do Estado Novo como utilizar os escritores símbolos da pátria e da sua glória, como Camões e Pessoa, de forma a evidenciar o facto de que as suas imagens de Portugal não correspondem à vivência quotidiana da população, haviam ocultado os lados menos positivos do país e que o tinham aprisionado num tempo inexistente: o Portugal dos Descobrimentos que se pretendia recuperar.

A partir da poesia dessa época torna-se notória a intervenção do poeta na realidade que o cerca não só para a modificar, mas para aceder ao poder simbólico – confinado aos detentores do poder político – de forma a derrubar o regime, libertar as palavras da sua clausura e veicular outros quadros do país, mais conformes com a pátria que desejava para si.

Contudo, após o fim da ditadura, os quadros valorativos e os depreciativos do país continuaram a circular como se não fosse possível descobrir uma imagem una de Portugal, como se os portugueses não conseguissem saber quem são ou o que querem ser. Uma taxonomia identitária foi substituída por outra, a censura foi abolida, porém o país não (re)encontrou o seu rosto próprio dado continuar enclausurado num mito que o Estado Novo tão habilmente difundiu e incutiu no espírito dos portugueses: Portugal é um país predestinado que deve apagar o seu presente para retornar à época em que foi grande e glorioso.

Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavras.

Paula Morais. Universidade do Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, julho de 2005





O papel do canto de intervenção (1960-1974)


Porquê canto e não canção ou música de intervenção?


Porque a segunda hipótese alargaria o objeto de estudo a formas musicais tão diversas que originaria uma dispersão que dificultaria bastante -ou, porventura, inviabilizaria o trabalho nos moldes propostos. A opção pela designação de canção de intervenção levaria necessariamente a considerar, por exemplo, cançonetas muito popularizadas como as interpretadas por Fernando Tordo e Tonicha, respetivamente “Tourada” e “Desfolhada”, premiadas nos Festivais RTP da Canção, nos inícios de 1970, onde a crítica social está subjacente. A opção pela denominação de música de intervenção implicaria a inclusão do jazz, e isto se tivermos em conta que em Novembro de 1971, no Festival “Cascais Jazz”, Charlie Haden dedicou o tema “Song for Che” aos movimentos de libertação da Guiné, Moçambique e Angola, o que lhe valeu um interrogatório de sete horas pela DGS. Em 1973, neste mesmo festival, voltou a haver manifestações contra a guerra colonial. Tendo em conta estes aspetos optámos pela primeira designação.


O Canto de Intervenção concretiza uma postura quer do intérprete –que sendo também autor tomou a designação de “cantautor”‑ quer do autor da letra e do compositor, em que o canto assume um papel, torna-se um veículo, um agente, uma arma lúdica, no caso presente, contra o regime, transmitindo mensagens de contestação e resistência. Porque é canto, o poema adquire especial relevo. Entre nós, na década de sessenta, tomou a forma de trova e de balada, consequência duma evolução originária na viragem que o Canção de Coimbra sofre em meados de cinquenta, e que tem entre os seus protagonistas José Afonso. Mas o canto de intervenção tem uma história com antecedentes de muitos séculos, quer no nosso país, quer no Mundo Mediterrânico.

 

Ler mais: «O canto e o cante, a alma do povo», Eduardo Raposo, 2005.





O canto como instrumento de intervenção social


O canto de intervenção teve as suas origens numa realidade contestada, estigmatizada pela pobreza, pela miséria, pela injustiça social, pela repressão política que imperavam – e que urgia denunciar. O canto ‑ através da música e dos textos poéticos ‑ pretendia provocar a consciência das pessoas e abrir, simultaneamente, novos caminhos para uma mudança que propiciasse substanciais melhorias nas condições de vida das pessoas. […]


A este tipo de canção também se denominou «canção de protesto», «canção de resistência», «canto livre» ou «canção de esquerda». […]


Como alega José Barata Moura, citado por Letria (1999:11), “Falar de canção de intervenção em Portugal é falar também da nossa história, da luta do nosso Povo contra o fascismo e contra o colonialismo, pela consolidação da sociedade democrática na perspetiva do socialismo.”


No canto de intervenção que em Portugal se vem fazendo há já umas dezenas de anos, são, na verdade, os diferentes e variados problemas decorrentes de toda esta ampla movimentação social que multifacetadamente se refletem, segundo perspetivas e compromissos diversos mas no essencial convergente.


Importa destacar em balanço, e em síntese, a nossa memória coletiva partindo da ideia que o canto de intervenção surge como uma das áreas essenciais da Resistência em Portugal. Após proibição do Direito de Reunião e Liberdade de Associação por decreto fascista, a canção abordando temas de carácter económico, social, representava a firma vontade do cantor em resistir às contrariedades dos elementares direitos cívicos dos seus concidadãos. Portugal não foi exceção. Em todo o mundo, o canto reprova a ineficácia e a opressão e valoriza as melhores expectativas com vista à obtenção de uma vida melhor. Os temas surgem dos confrontos existentes entre os trabalhadores e os patrões, muitas vezes, ávidos do poder e do lucro. A miséria e a opressão eram duas forças que mobilizavam os compositores a escrever e a musicar autênticos hinos de revolta.


Numa breve perspetiva diacrónica de oposição a quem representava o poder, podemos salientar o fado de pendor social, por vezes, denominado fado operário ou libertário que surge como forma de concretização até de sublimação das suas naturais ambições das suas lutas, expressão dos seus sentimentos. Raposo (2007:23) refere: “o fado faz então o tratamento lírico de temas sociais como a fome, a miséria, a luta contra os patrões, a fé numa vida melhor no futuro onde a vitória final seria um dado adquirido Um dos primeiros fadistas que se notabilizou neste tipo de fado foi Alfredo Marceneiro. No tema “Cabaré” podemos ouvir: “tinha um filhinho doente quase à morte /e a pobre ganhava a vida, só de fel /cantando a rir tristemente, por má sorte /uma canção de perdida, bem cruel.” Também em “A Janela da Vida” é referido:


“Para ver quanta fé perdida / e quanta miséria sem par /há neste Orbe, atroz ruim. /Pus-me à janela da vida / e alonguei o meu olhar /p´lo vasto mundo sem fim /. Vi dar aos ladrões valores /e sentimentos perdidos /mas que passam por honradas /vi cinismos vencedores /muitos heróis esquecidos / e vaidades medalhadas. / Esse é rico e não tem filhos / que os filhos não dão prazer/a certa gente de bem, /aquele tem duros trilhos /mas é capaz de morrer /p´los filhos que tem.”


O poema de Pedro Homem de Melo apresentado em 1963-“Povo que lavas no Rio”, celebrizado por Amália Rodrigues, também testemunha a importância do fado social – “Povo que lavas no rio /que talhas com o teu machado /as tábuas do meu caixão. /Pode haver quem te defenda /quem compre o teu chão sagrado /mas a tua vida não.”


Assistimos à admiração amorosa confessada, por parte do poeta relativamente ao povo português. Aquele valoriza o seu povo que enfrenta com coragem, com humilde resignação, o sofrimento da pobreza num país fortemente rural vivendo sob o domínio de uma feroz ditadura salazarista. (BELO: 2010, pp. 55-56) […]


O cante alentejano, pelos temas que aborda – o trabalho, a tristeza, a alegria, o sofrimento a miséria, a solidão, a velhice, revela uma determinada resistência ao poder instituído ao longo das gerações. Por norma, são os mais velhos que utilizam esta tão peculiar forma de reagir, porquanto são os portadores das raízes à terra de origem […]


Convém não esquecermos as sucessivas fases da evolução da Música Portuguesa: desde o Fado, dito de Lisboa, passando pelo Cante Alentejano, pelo fado de Coimbra, pela Balada e por diferentes formas musicais do meio urbano, todos contribuíram para o aparecimento de uma raiz genuína. […]


O ano de 1965 e o “cantautor” José Afonso propiciaram o aparecimento da nova forma musical com raiz no fado: a balada. Segundo Manuel Alegre cit. por Raposo (2007:61)


“Tudo mudou. Era um tempo novo, quase vertiginoso. Um ritmo que estava na vida e dentro de nós. Um ritmo que tinha de terá a sua expressão na guitarra, na poesia na canção. Foi então que se deu o encontro da poesia e da música, do poema e da voz. Tudo se transformava em instrumento de luta e de intervenção. A tensão vivida, a energia nova exigiam uma poética nova, uma poética ativa e útil […] A vontade de mudar criava uma nova ética e precisava de uma estética nova. E nasceram as trovas.”


Desta forma, surge a balada. Esta resulta da junção da poesia de carácter mais sentimental, até então, mais elitista com a do género popular adquirindo um cunho sui generis.


A poesia musicada de intervenção teve múltiplos intervenientes quer na poesia quer na música. A nível de poemas musicados notabilizaram-se José Carlos Ary dos Santos, Manuel Alegre, José Jorge Letria, Sophia de Mello Breyner, entre outros. A nível de cantores, podemos salientar Manuel Freire, Francisco Fanhais, Carlos Alberto Moniz, Fausto Bordalo Dias, Janita Salomé, Pedro Barroso entre outros

 

Excertos de A Poesia Musicada de Intervenção em Portugal (1960-1974): a sua aplicabilidade no Ensino Secundário, José Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010



A cantiga era uma arma


Um documentário sobre a chamada música "de intervenção" ou "de protesto" que se seguiu ao 25 de abril de 1974



Título Original: A Cantiga Era uma Arma

Realização: Joaquim Vieira

Produção: Nanook

Autoria: Joaquim Vieira

Ano: 2014

Duração:90 minutos 


Com o 25 de Abril e os meses que se seguiram, a chamada música "de intervenção" ou "de protesto" atingiu o seu apogeu. Músicos e poetas puseram-se ao serviço dos novos tempos revolucionários e meteram-se à estrada, de norte a sul do país, para levar a toda a população a mensagem libertadora anunciada pelos capitães no "dia inicial inteiro e limpo". Mensagem que cada um interpretava à sua maneira, dedicando-se de corpo e alma a difundi-la apesar das condições precárias em que se organizavam os espetáculos musicais. Com autoria e realização de Joaquim Vieira, A Cantiga É uma Arma reconstitui toda essa atmosfera, única e irrepetível, a partir do ponto de vista dos que a viveram, contando com os depoimentos inéditos de Carlos Alberto Moniz, Ermelinda Duarte, Fausto, Fernando Tordo, Francisco Fanhais, José Jorge Letria, José Mário Branco, Luís Cília, Manuel Freire, Maria do Amparo, Paulo de Carvalho, Samuel e Sérgio Godinho, além do registo feito na época, em som e imagem, de cerca de meia centena de canções.

 




O Fascismo em Portugal


1. Da ditadura militar ao Estado Novo

 

Depois da I Guerra Mundial, em que Portugal combateu ao lado dos Aliados (não sem uma forte oposição interna), as classes dominantes do país (grandes latifundiários, banqueiros, oficiais superiores do exército e Igreja) intervieram ativamente para acabar com a República Constitucional, cuja trajetória discorria envolta em sucessivas e insuperáveis contradições. Com o final da Guerra, agravaram-se as questões económicas, financeiras e sociais. Tudo isso alarmou a consciência pequeno-burguesa, base do regime republicano. «Só a ditadura nos pode salvar», começou a ser opinião corrente em 1924. E a ditadura não se fez esperar depois do golpe militar de 28 de maio de 1926, a partir do qual o poder central e local ficou inteiramente em mãos militares.


Contudo, a ditadura militar sofreu alguns reveses, pois nesta altura o aparelho de estado estava completamente desorganizado. Este facto foi causado pela sucessiva mudança de chefes do Executivo, pela impreparação técnica dos chefes da ditadura o que resultou no aumento do défice orçamental, e, por fim, pelo desaparecimento da adesão entusiástica dos primeiros tempos.


A obra da primeira República tem apreciações várias. Para uns, foi um período negativo, que substituiu a autoridade pela demagogia, desorganizou o aparelho de Estado e empobreceu o País. Para outros, não passou de uma época em que se experimentou a governação democrática e que interessou o país pela política.


A 25 de Abril de 1928, Carmona foi eleito Presidente e o Professor Oliveira Salazar ficou encarregado do ministério das finanças, devido à sua perspicácia financeira. Com Salazar o País tomou um novo rumo, tendo mesmo apresentado saldo positivo. A teoria de Salazar era: “Nada contra a Nação, tudo pela Nação.”


Em julho de 1932, Salazar foi nomeado para a chefia do estado, facto que foi aceite da melhor forma.


Em 1933, uma nova constituição com o nome de Estado Novo mudaria a designação militar da ditadura pela civil. Os partidos políticos foram proibidos e instaurou-se uma férrea, mas não invulnerável, censura à imprensa. A maior parte dos intelectuais permaneceram à margem do regime, uma parte em oposição complacente, e outra parte em contestação aberta que, mais tarde, se iria intensificar quando as circunstâncias externas, depois da II Guerra Mundial, foram menos favoráveis ao desenvolvimento do regime, simpatizante da Alemanha derrotada.


Terminada a II Guerra Mundial, Salazar tinha conseguido debelar a crise financeira da nação; contudo, não se instaurou nenhum processo de que pudessem sentir-se beneficiárias as classes mais oprimidas, especialmente os trabalhadores do campo. A guerra fizera emergir, cruamente, as realidades fundamentais até então escamoteadas: a pobreza crónica, a servidão, os poderes corruptos. As massas rebelavam-se, tomavam a iniciativa, ou eram instigadas nesse sentido.

 

 

2. A construção do Estado Novo, um estado antiliberal, conservador, nacionalista, corporativo, autoritário e colonial.

 

O Estado novo teve como base as seguintes organizações:

 

  • a União Nacional;
  • o Ato Colonial;
  • a Constituição de 1933;
  • o Estatuto de Trabalho Nacional;
  • a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa.

 

Tal como o fascismo, do ponto de vista ideológico, o Estado Novo era caracteristicamente: Antiliberal, antidemocrático e antiparlamentar.

 

 

Conservador: valorizava os conceitos morais tradicionais (Deus, Pátria, Família, Autoridade, Paz Social, Hierarquia, Moralidade, Austeridade). O princípio da autoridade era a base daquele sistema que pretendia formar mentalidade prontas a obedecer e a servir.

 

De forma a servir os interesses nacionais o Estado Novo:

  • consagrou a ruralidade como centro de todas as virtudes;
  • deu privilégio à igreja católica;
  • reduziu a mulher a um papel passivo a todos os níveis;
  • louvou e comemorou os heróis e o passado glorioso;
  • utilizou as escolas oficiais como meio de formar consciências;
  • valorizou as produções culturais portuguesas.

 

 

Nacionalista: procurou organizar um original quadro institucional que conseguisse o apoio da Nação. Assim, a União Nacional encarnaria o espírito da Nação. Salazar considerava a União Nacional, a solução política verdadeiramente nacional, que não partilhava nem dos ideais democráticos nem das experiências democráticas.

 

 

Corporativo: era constituído por organizações representativas da Nação, onde se debatiam os interesses dos indivíduos.


A função da família era eleger as chamadas juntas de freguesia e a esta cabia o dever de eleger os municípios. As corporações morais, culturais e económicas incluíam desde instituições de assistência e caridade até Sindicatos Nacionais: Estes últimos concorriam para a eleição de municípios e estavam representados na Câmara Corporativa (sede genuína da representação orgânica).


O Estatuto do Trabalho Nacional teve por base a Carta do Trabalho italiana do Trabalho O Estatuto do Trabalho Nacional defendia que os trabalhadores deviam se organizar em Sindicatos Nacionais de acordo com a profissão de cada um.

 

 

Autoritário e dirigista: a valorização do poder executivo refletia o autoritarismo do Estado Novo. Um dos objetivos de Salazar era devolver “independência, estabilidade, prestígio e força” ao poder executivo. Na Constituição de 1933 foi reconhecida a autoridade do Presidente da República como o primeiro poder dentro do Estado. Por seu turno, o Presidente do Conselho de Ministros tinha funções várias: superintender, legislar, propor nomeações e exonerações, referendar os atos do Presidente da República.


A “ditadura do poder executivo evidenciou-se através da subalternidade do poder legislativo. Neste período a Assembleia estava limitada à discussão de propostas que o governo submetia à sua aprovação.


O Estado Novo, além de forte e autoritário foi também intervencionista. Salazar defendia que o progresso económico devia ser conduzido pelo governo.

 

 

Colonial: o Ato Colonial de 1930 definiu a política colonial do Estado Novo:

  • deu novo ânimo à missão histórica civilizadora dos Portugueses nos territórios ultramarinos;

  • escolheu a integração política e económica das colónias.

 

 

3. A adoção do modelo fascista italiano

 

Apesar de condenar o totalitarismo dos estados fascistas contemporâneos, o Estado Novo criou um projeto totalizante, recorrendo para esse fim a processos e estruturas político-institucionais próprias dos modelos fascistas, especialmente do italiano.


Deste modo, o Estado Novo:


  • monopolizou a vida política à volta de um só partido;

  • incluiu as atividades sociais, económicas e culturais numa organização corporativa;

  • instituiu um aparelho repressivo que atuava sobretudo através da censura, e, que possuía um corpo policial político - Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE);

  • obrigava o funcionalismo público a repudiar o comunismo e todas as ideias subversivas;

  • possuía um organismo estadual (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho - FNAT) que tinha a função de controlar os tempos livres dos trabalhadores;

  • criou duas organizações milicianas - a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa - com a finalidade de enquadrar as massas;

  • controlou o ensino através da adoção de um livro único que transmitia os valores do Estado Novo;

  • garantiu uma orientação oficial à cultura e às artes,

  • impôs um poder político personalizado na figura do Chefe.



Adaptado de: LASO, J.L.Gavilanes, Vergílio Ferreira - Espaço Simbólico e Metafísico. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989. PINTO, Ana Lídia et alii, Temas de História 12, vol.1. Porto, Porto Editora, 1995. SARAIVA, José Hermano, História Concisa de Portugal. Mem Martins, Publicações Europa-América, 1986 (10ª ed.) [1ª ed. 1978]


PCP, 1971

 

A PIDE existiu. E torturou.


    A 25 de Abril de 1994, comemoraram-se os 20 anos do derrube dos 48 anos de ditadura fascista em Portugal. Como comemoração dessa data importante, levaram à televisão um ex-pide, para dar o seu testemunho. Durante o debate o ex-pide defendeu-se tão naturalmente que encobriu todos os maus tratos executados pela PIDE, contradizendo, assim, a declaração de alguns indivíduos que noutras alturas tinham confirmado as terríveis torturas.  Sobre esta polémica, leia o texto de Diana Andringa publicado no jornal Público, de 16-04-1994.


Os cortes dos serviços de censura portugueses, durante o Estado Novo


A censura é um instrumento usado por regimes totalitários para impedir que a imprensa e outros meios de difusão de mensagens, incluindo as criativas, como as da arte (pintura, escultura, música, teatro, cinema...) possam pôr em causa a ideologia vigente e fomentar a consciencialização para qualquer revolta contra o regime.

A censura fez parte integrante da nossa História, imperou em muitos períodos, constituiu uma arma de defesa da Igreja e do Estado.

Em junho de 1926, na sequência do golpe militar de 28 de maio, é instituído um regime de censura prévia. Em 1933, a censura é legalmente instituída através da Constituição e do decreto-lei nº22469. Mais tarde, a Lei nº150/72 prevê que os artigos para publicação tenham uma das seguintes anotações: "autorizado", "autorizado com cortes", "suspenso", "demorado", ou "proibido".

Durante o Estado Novo, a censura esteve sempre ativíssima em todas as vertentes culturais. Na imprensa periódica (onde ficou conhecida por "lápis azul") suprimia, alterava, cortava palavras, expressões ou parágrafos inteiros, adiava ou impedia a saída de notícias?

A Comissão do Livro Negro do Fascismo afirmou, em 1984, que durante o regime Salazar/Caetano foram proibidas cerca de 3300 obras.

Escondidos e vendidos apenas a clientes de confiança, em determinadas livrarias era possível adquirir os livros proibidos, numa espécie de jogo do polícia e ladrão.

A luta contra a censura foi feita através da Imprensa escrita, em suplementos literários ou juvenis, nas tertúlias, na imprensa clandestina? mas só a Revolução de abril de 1974 pôs fim à censura em Portugal.


 censura”. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-12-08].



O Estado utilizou a censura para controlar a palavra dos mais diversos autores que tinham uma visão do país oposta à do regime. A  mera referência a «aspetos económicos e sociais, capazes de refletirem uma sociedade subdesenvolvida, ou de evidenciarem a realidade da difícil vida quotidiana do operariado e dos trabalhadores do campo, ou a luta de classes e o sindicalismo, eram obviamente suscetíveis de conduzir à proibição de uma obra, ou à imposição de cortes mais ou menos extensos no respetivo texto, mesmo quando aquela se reportasse a tempos mais antigos.» (cf. Mutiladas e Proibidas: Para a história da censura literária em Portugal nos tempos do Estado Novo, Cândido Azevedo. Lisboa: Editorial Caminho, 1997, pp. 121-122.)

 

Durante este período não eram só as palavras dos escritores e/ou dos opositores ao regime que eram violadas e esquartejadas. Mesmo em situações mais quotidianas, como a correspondência de cada português, era notória a interferência da censura já que havia uma primeira leitura que não era a do seu destinatário. Devassada a intimidade de cada pessoa, perdida qualquer possibilidade de compartilhar pontos de vista diferentes, mais não restava do que solicitar ao correio que não matasse as cartas, que não truncasse as palavras que pertenciam a quem as escreveu e não ao censor:


 

SONETO AO SENHOR CORREIO


Senhor Correio, Senhor Dom Correio,

por favor, por favor, Vossa Excelência

não abra as minhas cartas porque é feio

e tudo o que for feio falta à decência.


Eu leio as suas cartas? Não, não leio.

Se suas cartas lesse era demência.

Senhor Correio, veja se há um meio

de ter um pouco menos de inclemência.


Porque enfim o que escrevo a mim o devo,

Senhor Correio, é meu tudo o que escrevo,

e a tinta expressando as minhas falas.


É qualquer coisa mais que intimidade.

Senhor Correio, sabe que é verdade,

violar minhas cartas é matá-las.

           

Sidónio Muralha, “Poemas de Abril” (1974)

in Obras Completas do Poeta,

Lisboa: Universitária Editora, 2002, pág. 253.

 

 

Miguel Torga (in A Criação do Mundo, 1937-1981) considera, neste contexto, que a monstruosidade acontecera e que ela se perpetuava; a pior tragédia era aquela que convertera os portugueses em exilados dentro da sua própria nação porque “Todo aquele que erguia nela a voz discordante, pertencia à seita maldita”. Nessa pátria encarada como “chão sagrado de amor e de prova”, o ambiente político coercivo e castrador asfixiava todas as vontades que queriam emitir um parecer discordante e “transformara a nação num espaço de terror, onde o silêncio tomava corpo no carimbo da censura, e os inconformados arquejavam sob o pesadelo latente da polícia secreta.”

 

Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavras.

Paula Morais. Universidade do Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, julho de 2005 
   
 
Auto de proibição pela Censura no tempo do salazarismo
Auto de proibição pela Censura no tempo do salazarismo
   

 
 
 
Leia os seguintes fragmentos da imprensa portuguesa onde se verificaram intervenções dos Serviços de Censura portugueses e faça uma análise de cada um dos casos de modo a justificar os cortes:
 
 
 
[Censura.jpg]
 
 

A relação da comunicação social portuguesa com o poder político, antes e depois do 25 de Abril de 1974


Os textos que se seguem permitem-nos conhecer, por um lado, a relação dos órgãos de comunicação social portuguesa do século XX com as forças políticas e, por outro, o papel dos mesmos na divulgação dos valores democráticos.



TEXTO 1: 

“Situação da indústria dos media e do jornalismo”


Capítulo do Estudo elaborado para a Representação da Comissão Europeia em Portugal: “Situação do Ensino e da Formação Profissional na área do Jornalismo”, 1996-97.

Autores: Mário Mesquita e Cristina Ponte.

   


TEXTO 2: 

“O fim da Censura em Portugal: consequências na sociedade de informação”


Capítulo do estudo “Portugal: do 25 de Abril de 1974 aos nossos dias”.

Autora: Ana Rita Faleiro.

Universidade de Santiago de Compostela, 2006.



TEXTO 3:

“A grande expansão da televisão”

 

Artigo  da revista trimestral do Curso de Comunicação Social - ISPV - ESEV: Forum Media nº 5.

Autoras: Ana Lourenço, Elisabete Costa e Teresa Teixeira.



TEXTO 4: 

“A Comunicação Social em Portugal no Século XX - Fragmentos para a História de um Servidor de dois Amos”

 

Artigo publicado em Panorama da Cultura Portuguesa, Coord: Fernando Pernes, Porto, Afrontamento, 2002.

Autor: Francisco Rui Cádima.

Disponível no sítio [IRREAL TV], 27.2.08.



    


Aferição de conhecimentos sobre a literatura comprometida do século XX, em Portugal



1. Tendo por base os excertos a seguir transcritos, sistematize a informação recolhida referente:


  • à conjuntura sociopolítica da época;


  • às características da produção literária.



TEXTO A

 Depois da I Guerra Mundial, em que Portugal combateu ao lado dos Aliados (não sem uma forte oposição interna), as classes dominantes do país (grandes latifundiários, banqueiros, oficiais superiores do exército e Igreja) intervieram activamente para acabar com a República Constitucional, cuja trajectória discorria envolta em sucessivas e insuperáveis contradições. Com o final da Guerra, agravaram-se as questões económicas, financeiras e sociais. Tudo isso alarmou a consciência pequeno-burguesa, base do regime republicano. «Só a ditadura nos pode salvar», começou a ser opinião corrente em 1924. E a ditadura não se fez esperar depois do golpe militar de 1926, a partir do qual o poder central e local ficou inteiramente em mãos militares. A classe militar viu-se, porém, rapidamente incapaz de resolver os problemas técnicos e financeiros do país à beira da bancarrota, optando por recorrer, em 1928, a um catedrático de Economia da Universidade de Coimbra, o Prof. Oliveira Salazar, que em pouco tempo conseguiu equilibrar a economia, estabilizar a moeda e disciplinar a administração financeira. Em 1933, uma nova constituição com o nome de Estado Novo mudaria a designação militar da ditadura pela civil. Os partidos políticos foram proibidos e instaurou-se uma férrea, mas não invulnerável, censura à imprensa. A maior parte dos intelectuais permaneceram à margem do regime, uma parte em oposição complacente, e outra parte em contestação aberta que, mais tarde, se iria intensificar quando as circunstâncias externas, depois da II Guerra Mundial, foram menos favoráveis ao desenvolvimento do regime, simpatizante da Alemanha derrotada […]. A guerra fizera emergir, cruamente, as realidades fundamentais até então escamoteadas: a pobreza crónica, a servidão, os poderes corruptos. As massas rebelavam-se, tomavam a iniciativa, ou eram instigadas nesse sentido; era necessário minar os muros de indiferença dos poderosos, com os quais o artista costumava pactuar como resíduo dos tempos do mecenato. Frente a essa arte decadente, os neo-realistas mudaram radicalmente o rumo, deixando de publicar jogos verbais e paradoxos, apara passar a publicar a tragédia do homem contemporâneo, embora numa dimensão ligada exclusivamente ao colectivo na sua vertente económica e social, excluindo, ou olhando com desconfiança e receio, a tragédia metafísica do homem como ser que existe.

 J.L. Gavilanes Laso, Vergílio Ferreira, Espaço Simbólico e Metafísico, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989


TEXTO B

 O neo-realismo foi a fórmula literária e ideológica em que assentou o projecto inter-pessoal de uma geração que considerou, como primeiro dever, intervir mediante o procedimento que nesse momento lhe era possível, acelerar o pro-cesso histórico de redenção da classe oprimida.
Outras coisas que contribuíram para a articulação deste movimento literário foram: a Guerra Civil Espanhola, o franquismo e o salazarismo peninsulares; as tensões ideológicas,, em que o marxismo é introduzido, pela primeira vez, como base doutrinal.[…]
A sua aspiração política, implícita e explícita, era de intervenção contra o fascismo reinante. 

J.L. Gavilanes Laso, Vergílio Ferreira, Espaço Simbólico e Metafísico. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989


TEXTO C

 Por se sentir ameaçado na sua capacidade de resistir ao desvio à mentalidade tradicional, o Estado Novo fez da censura aos livros e aos autores uma longa cruzada contra a liberdade de expressão.
 No momento em que o advogado Duarte Teives protestava pelo facto de os agentes da PIDE terem levado da sua biblioteca as obras completas de Racine, recebeu uma firme e inabalável resposta: «Lenine, Estaline, Racine é tudo a mesma coisa». Quão caricata era a censura imposta pelo Estado Novo…
E caricata porquê? Pela inexistência de critérios coerentes (chegaram apreender-se livros pelo título, como foi caso de O Vermelho e O Negro, de Stendhal) e pela facilidade com que se adquiriam obras em livrarias como a Barata ou a 111, onde os intelectuais tinham à sua disposição, embora encapotadamente, as novidades de Sartre, Beckett ou Vailland.
Não poderá, porém, deixar de se referir a sua eficácia, em alguns casos contundente, no combate à liberdade de expressão, tendo em conta que a censura se inseria num sistema educativo condicionado por directrizes orientadas no sentido da promoção de uma mentalidade considerada «adequada», que excluía o insubmisso, o concorrente ou o «herege». 
Ana Gastão, Diário de Notícias, 05/04/1994


TEXTO D 

As livrarias eram locais de perdição, e os livros o próprio pecado original. Para a censura fascista e o seu braço executante, a PIDE, o importante era policiar o pensamento. O que os olhos não lêem, nem o coração nem a inteligência o sentem. Por isso, editar, distribuir ou vender livros em Portugal era tarefa aparentemente inglória – mas digna de despertar um feroz empenho de uns quantos Quixotes, que não receavam avançar contra moinhos de vento da ignorância. 
Barata, Público, 11/06/1994


TEXTO E 

 

Para a maioria dos portugueses, o 25 de Abril foi algo difícil de descrever. Nuns casos porque se viveu tão intensamente que não se tem ainda a capacidade de distanciação, noutros porque ainda não se tinha idade para compreender o que era a ditadura que acabou naquela data.
Antes do 25 de Abril era viver com medo, suspeitar de um vizinho ou de um colega, ver as prepotências e o que estava mal, recear uma polícia política, poder estar preso sem julgamento ou sem culpa formada, só por pensar de maneira diferente, ter de gastar quatro anos da juventude numa guerra injusta. 

 

Joaquim Letria, Textos na Agenda 90/94, Câmara Municipal de Lisboa


     TEXTO F 

 

Insistindo, pois, no «conteúdo», considerando a escrita como «forma» e desprezando a pesquisa sobre a linguagem como «formalista», os neo-realistas criaram para si próprios uma insustentável ortodoxia que, principalmente os poetas, foram quebrando lentamente à medida que mais intimamente se iam reconhecendo mais como Poetas  que como sociólogos e à  medida que a escrita se tornava um meio autónomo de comunicação e de luta, e não só um «veículo para», ao «serviço de». É o caso paradigmático de Carlos de Oliveira que reescreve vezes sem conta os seus textos e os torna cada vez mais autónomos, criativos, inquietantes e abstractos, mais carregados de temperatura informativa e por isso mais duradoiros e actuantes. No caso da poesia de Carlos de Oliveira note-se a supressão de pontos de exclamação, de interjeições e reticências, como factores da intervenção textual que este poeta sobre a sua própria obra realiza, recriando-a assim. […] Esta re-escrita tardia reflecte um novo estado de espírito do autor, que fica ilustrado pela alteração de 

 

«Aos que virão depois de mim
caiba em sorte outra
esperança:
e sejam estes versos
achas no lume da esperança!»
 
para
«Aos que virão depois de mim
caiba em sorte outra esperança:
o oiro depositado
Nas margens da lembrança.»
(Poema «Elegia de Coimbra»)


 In As Vanguardas na Poesia Portuguesa do Séc. XX, E. Castro.



TEXTO G 

 

Sophia vê o seu país como um país ocupado, que não poderá seguir a sua própria lei – condição para manter vivo. É ocupado pela violência social e política que tudo proíbe, tudo impede, só encontrando silêncio, solidão, monstruosidade e fome. […]
A problemática do tempo, na poesia de Sophia, associa-se predominantemente à cidade, à experiência de duas guerras mundiais e da guerra colonial dos anos 60. 

 

Helena Santos, Sophia de Mello Breyner – Uma Leitura de Grades


TEXTO H

 

 Mas Mário Dionísio era, na memória de amigos e colegas, o escritor socialmente empenhado, o intelectual ligado ao Partido Comunista, o teórico do neo-realismo e ainda o combatente anti-fascista que sempre havia lutado contra o regime de Salazar. 
Eduardo Prado Coelho, Público, 27/11/1993



TEXTO I

 

 Jorge de Sena participara, com efeito, num golpe revolucionário abortado, que teve lugar em 12 de Março de 1959. Houve prisões e ninguém sabia ao certo se algum dos presos teria indicado nomes, o que deixava os ainda livres num estado de natural nervosismo. […] Ia começar o seu longo exílio que só terminaria com a sua morte. Nele iria ganhar uma experiência mais vasta e também mais dolorosa e alguma coisa iria perder, pelo caminho: uma pátria – um lugar: mesmo pequeno –, uma nacionalidade, uma inserção.
Portugal ficava para trás, como um espinho, um pretexto permanente de meditação dolorosa, uma punição imerecida… 

Eugénio Lisboa, Jorge de Sena. Lisboa, Editorial Presença, [1983?]






CHAVE DE CORREÇÃO
  
1. Sistematização da informação sobre A CONJUNTURA SÓCIO-POLÍTICA
 
TEXTO A:
Envolvimento na I Guerra Mundial: problemas sócio-económicos.
Golpe militar dá origem a uma ditadura militar a que se segue uma ditadura civil (Estado Novo; Salazar) com muitas proibições e censuras.
 
TEXTO B:
A intervenção pública do movimento neo-realista teve como causas:
  •  a classe social desfavorecida
  • a guerra civil espanhola
  • franquismo
  • salazarismo
  • migração interna
  • tensões ideológicas (marxismo)
 
TEXTOS C, D, E, G ,H, I :
O Estado Novo de modo a policiar o pensamento fez censura aos livros e aos autores e promoveu um sistema educativo que excluía o insubmisso.
    Antes do 25 de Abril era viver com medo, suspeitar de um vizinho ou de um colega, ver as prepotências e o que estava mal, recear uma polícia política, poder estar preso sem julgamento ou sem culpa formada, só por pensar de maneira diferente, ter de gastar quatro anos da juventude na guerra com as províncias ultramarinas.
  

Sistematização da informação sobre as CARACTERÍSTICAS DA PRODUÇÃO LITERÁRIA:
 
O Neo-Realismo1 foi uma fase transitória para muitos poetas e escritores:




 temática: luta de classes;
 combate: pela sociedade nova (sem classes);
 resistência: ao fascismo.
 
A literatura neo-realista é denominada comprometida politicamente e de intervenção, no sentido de ser um «veículo para», estar «ao serviço de».
 
Fases do Neo-Realismo:




1ª fase (1940-50) - «A Poesia é só uma!»
Preferência pelo conteúdo em prejuízo da forma, não havendo, por isso, no princípio, grandes preocupações de índole estética.
 
2ª fase (1950-60)  - Poesia como «meio» autónomo de comunicação e de luta.
 
___________________________
(1) Realismo do séc. XIX: critica a vida e as preocupações da burguesia citadina (usura, adultério, educação, ambição, etc);
Novo Realismo da década de quarenta do século XX: interessa-lhe a classe social desfavorecida (conflito social, consciência de classe, decadência e corrupção dos estratos dominantes, etc).

2. Elabore uma exposição sobre o tema “o 25 de Abril de 1974 e a sociedade em mudança”, em que considere os seguintes aspetos:


  • Reconheça que com o 25 de Abril de 1974 houve uma evolução da sociedade portuguesa e identifique os fatores de mudança.


  • Refira a importância deste acontecimento para a consolidação da democracia na Europa e para a independência das ex-colónias.


  • Demonstre qual o papel da comunicação social na divulgação dos novos valores democráticos e a sua relação com o poder político.


  • Refira o nome e o contributo de personalidades ligadas à cultura (poesia, música, teatro...) que intervieram ativamente na luta pela instauração da democracia em Portugal.


  • Faça a interpretação de uma obra artística em que se verifique esse empenhamento sociopolítico.


 



ligações externas
         


1980

Breve historia da censura literária em Portugal. Graça Almeida Rodrigues. Lisboa, Ministério da Educação e Ciência, Instituto de cultura e língua portuguesa, Coleção Biblioteca Breve, 1980.

 

1996

Atrocidades da Guerra Colonial. As fotografias censuradas”, Notícias Magazine nº 199, 17-03-1996. Suplemento de: Jornal de Notícias nº290/108, Diário de Notícias nº 460484 e Diário de Notícias (Madeira) nº 49569.

 

1998

Papel sociocultural e político do canto de intervenção na oposição ao Estado Novo (1960-1874), Eduardo M. Raposo. Universidade Nova de Lisboa, 1998.

 

1998

Percursos Africanos: A Guerra Colonial na Literatura Pós-25 de Abril”. Margarida Calafate Ribeiro. Portuguese Literary & Cultural Studies 1, 1998, pp. 125 -152.

 

1999

"O 25 de Abril na Poesia Portuguesa", Fernando J. B. Martinho, in, Revista Camões nº5, 1999.

 

2000

No Plaino abandonado um Poeta Cercado: a guerra colonial na poesia de Fernando Assis Pacheco”. Margarida Calafate Ribeiro. Actas do VI do Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, Rio de Janeiro, UFRJ/ UFF, 2000.

 

2001

O salazarismo e o homem novo: ensaio sobre o Estado Novo e a questão do totalitarismo. Fernando Rosas. Análise Social n°157, vol. XXXV, 2001, pp. 1031-1054.

 

2002

A Comunicação Social em Portugal no Século XX - Fragmentos para a História de um Servidor de dois Amos” in Panorama da Cultura Portuguesa, Francisco Rui Cádima, Coord: Fernando Pernes, Porto, Afrontamento, 2002.

 

2003

A memória literária da ditadura: autoridade, identidade, liberdade”, Clara Rocha. Ipotesi – Revista de Estudos Literários. Juiz de Fora: Programa de Pós- Graduação em Letras da UFJF, V. 7, n. 2, 2003, p. 29-39.

 

2003

Fantasmas e Fantasias Imperiais no Imaginário Português Contemporâneo. Margarida Calafate Ribeiro e Ana Paula Ferreira (orgs.) Porto, Campo das Letras, 2003.

 

2005-04-25

O canto e o cante, a alma do povo”, Eduardo Raposo. Este estudo faz parte da tese de mestrado publicada em 2ª edição, revista e aumentada, em 2005-04-25 (Público, Lisboa)

 

2005-07

Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavras. Paula Fernanda da Silva Morais. Universidade do Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, julho de 2005.

 

2006

A metamorfose da censura em liberdade de expressão. Joana Isabel Costa Ferreira. Universiteir Utrecht, Faculty of Humanities Theses, 2006.

 

2006

O 25 de Abril na Literatura para Crianças e Jovens, Maria Augusta da Fonseca Pires Figueiredo. Lisboa, Universidade Aberta, 2006.

 

2007

A emergência das Mulheres repórteres nas décadas de 60 e 70, Isabel Ventura, Universidade Aberta, 2007.

 

2007

Poesia da guerra colonial – uma ontologia do ‘eu’ estilhaçado. Projeto do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, 2007-2009.

 

2008

Caminhos da memória. Redação: Artur Pinto, Diana Andringa, Helena Pato, Joana Lopes, João Tunes, Maria Manuela Cruzeiro, Miguel Cardina, Raimundo Narciso e Rui Bebiano, 2008-2010.

 

2008

“já não se fazem revoluções assim” ‑ A Imagem Documental na Construção da Memória do 25 de Abril de 1974, Manuel Alfredo da Silva Lourenço Brázio. Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, 2008.

 

2009

Culturas de protesto em Portugal na imprensa periódica (1968-1970). Paulo Rodrigues Ferreira. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2009.

 

2009

O Movimento dos Capitães, o MFA e o 25 de Abril: do marcelismo à queda do Estado Novo, Luís Pedro Melo de Carvalho, Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2009.

 

2010

A Poesia Musicada de Intervenção em Portugal (1960-1974): a sua aplicabilidade no Ensino Secundário, José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010.

 

2010-08-20

Fado, Folclore e Canção de Protesto em Portugal: repolitização e (con)sentimento estético em contextos de ditadura e democracia”, Susana Sardo. Artigo resultante de uma conferência proferida na Universidade do Rio de Janeiro, em 2010-08-20.

 

2012

Arquivo eletrónico de textos do Centro de Documentação 25 de Abril.

 

2012

Sobre a escrita e a leitura: a sedução autorreferencial em Ora esguardae e A costa dos murmúrios”, Sílvio Renato Jorge. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Palavra e imagem n.º 44, p. 381-391, 2012.

 

2012-04

O paraíso pode esperar: a geração sem memória em Olga Gonçalves”, Sandra Guerreiro Dias. Impossibilia nº3, abril de 2012, págs. 164-182.

 

2012-11

Versos e gritos: memória poética da guerra colonial”, Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi. Abril - Revista do Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF, Vol. 5, n° 9, novembro de 2012.

 

2013-07

Para um estudo da memória e identidade portuguesas com António Lobo Antunes, Jorge Manuel de Almeida Gomes da Costa. Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Letras - Centro Regional das Beiras, julho de 2013.

 

2013-09

A simbologia das palavras: os sentidos implícitos nas canções de Zeca Afonso e a revolução silenciosa”, Albano Viseu. In: Revista 3 do CEPHIS (Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social de Trás-os-Montes e Alto Douro), setembro de 2013. Coimbra, Terra Ocre edições/Palimage.

 

2014

Análise do filme Natal de 71de Margarida Cardoso”, Heloíse Inês Guesser. FCSH/UNL [2014-01-31]

 

2014-04

Revista Crítica de Ciências Sociais 68. Número temático: “As mulheres e a guerra colonial”:

África no feminino: As mulheres portuguesas e a Guerra Colonial”, Margarida Calafate Ribeiro

Amor em tempo de guerra: Guerra Colonial, a (in)comunicabilidade (im)possível”, Helena Neves

As mulheres e a Guerra Colonial: Um silêncio demasiado ruidoso”, Maria Manuela Cruzeiro

Até ao fim do mundo: Amor, rancor e guerra em Hélia Correia, Maria Manuel Lisboa

Dois depoimentos sobre a presença e a participação femininas na Guerra Colonial”, Margarida Calafate Ribeiro

Dois olhares e uma guerra”, Laura Cavalcante Padilha

Incoincidências de autoras: Fragmentos de um discurso não só amoroso na literatura da Guerra Colonial”, Roberto Vecchi

Re-escrevendo a História: A Costa dos Murmúrios de Lídia Jorge e L’Amour, la fantasia de Assia Djebar”, Ana de Medeiros

2014-04-01

"40 anos do 25 de Abril, 40 documentos", Arquivo Distrital do Porto.

 

2014-04-12

"25 de Abril. 40 anos" (volume 1), EXPRESSO REVISTA nº 2163.

 

2014-04-18

"25 de Abril. 40 anos" (volume 2), EXPRESSO REVISTA nº 2164.

 

2014-04-25

"25 de Abril. Quando a PIDE foi surpreendida", EXPRESSO REVISTA nº 2165.

 

2020-09-30

O canto alentejano: formas de resistência e horizontes de expetativa”, Dulce Simões. Revista Memória em Rede, Pelotas, v.13, n.24, Jan/Jul.2021 – ISSN- 2177-4129




Fonte: LUSOFONIA - PLATAFORMA DE APOIO AO ESTUDO A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

Projeto concebido por José Carreiro

1.ª edição: http://lusofonia.com.sapo.pt/literatura_portuguesa/literatura_engajada_PTsecXX.htm, 2011-12-08

2.ª edição: http://lusofonia.x10.mx/literatura_portuguesa/literatura_engajada_PTsecXX.htm, 2016

domingo, 24 de abril de 2016

Lembrando o 25 de Abril


  
 João Sardinha, poeta popular.


P’ra quem não era nascido
Até ao mais esquecido
O dia vai ser contado
Feriado em Portugal
Amanhã não há Jornal
Pois vai hoje recordado

Foi setenta e quatro, o ano
E Abril um mês amado
Se ao fascismo caiu pano
Foi Portugal libertado

Um bom grupo de soldados
Mais Capitães por sinal
Todos ali bem armados
Lá mudaram Portugal

E assim Abril chegou
Nem passava p’la memória
O que se ali passou
Gravado está na história

Abril e a Revolução
À política ajudou
E aos presos da prisão
Até estes libertou

Veio 25 de Abril
Com Revolução dos Cravos
Só que um toque subtil
Acabaram-se os escravos

Depois da Revolução
Pois veio santa liberdade
Com ela a ambição
Com direitos de igualdade

Havia necessidade
Após a Revolução
Que houvesse liberdade
Liberdade de expressão

Depois de Abril chegar
Sem mágoa até ofensa
Logo tomou seu lugar
A liberdade de imprensa

Depois da Revolução
P’ra governar Portugal
Veio a Junta de Salvação
De Salvação Nacional

E se a junta acabou
Com Guerra do Ultramar
25 D’Abril chegou
P’ra Portugal festejar

25 D’Abril chegou
Há quarenta e dois anos
Só mais tarde festejou
Com festa os Açorianos


João Sardinha, Diário dos Açores, 2016-04-24




Gosto tanto do 25 de Abril. É um dia que me reconcilia com Portugal. Penso sempre nele quando passo em Lisboa na Rua da Alfândega à frente da Igreja da Conceição Velha, que, segundo o letreiro lá colocado pela Câmara Municipal de Lisboa, ocupa o lugar de uma sinagoga desactivada e depois reconvertida em templo cristão pela rainha D. Leonor (mulher de D. João II). Que passado o nosso: séculos de perseguição, de tortura e de execução de judeus. Que bom termos em contrapartida o 25 de Abril.
Penso também sempre no 25 de Abril quando países do mundo ocidental com cadastro de esclavagistas e negreiros reconhecem e enfrentam esse passado. Não faz muito o nosso género, pois somos um país de brandos costumes e, normalmente, estamos mais atentos à culpa alheia. Mas sim, fomos negreiros. Que bom termos em contrapartida o 25 de Abril.
Tivemos 48 anos de fascismo, é certo. Fomos um país onde não havia liberdade de expressão e onde, em pleno pós 1945, nas prisões se praticava a tortura. Mas que bom termos em contrapartida o 25 de Abril.
Fomos um país que tem na consciência uma Guerra Colonial, que tudo temos feito para esquecer e enterrar. Mas que bom termos em contrapartida o 25 de Abril.
Somos um país em que o Estado e a Igreja Católica nunca tiveram uma relação saudável. O casamento entre Catolicismo e Estado Novo foi uma vergonha. Tivemos a Inquisição e levámo-la para os territórios que lusitanizámos na sequência da nossa Expansão imperialista (a que gostamos de chamar “Descobrimentos”). Mas que bom termos em contrapartida o 25 de Abril.
Hoje, olhamos para Lisboa, a capital do nosso país, como uma cidade que voltou à sua matriz mais funda de “Jerusalém Lusitana”: uma cidade de cristãos, de judeus e de muçulmanos, cujas religiões coexistem em paz. E onde com elas coexistem em paz hindus e budistas. Já para não falar de ateus e agnósticos.
Que bom termos o Portugal que temos hoje, graças ao 25 de Abril.
Frederico Lourenço, página pessoal do Facebook, 25 de Abril de 2016

sábado, 23 de abril de 2016

Literaturas Comparadas: A Lírica de David, Mickael e Tony




Ricardo Araújo Pereira, “Literaturas Comparadas: A Lírica de David, Mickael e Tony”, in Mixórdia de Temáticas, programa emitido pela Rádio Comercial em 2012-04-10

[…] creio ser possível identificar certas constantes, motivos e argumentos recorrentes que reemergem sistematicamente, e acabam por definir o modo como falamos de poesia. O problema que me suscita os exemplos iniciais decorre da percepção de uma identidade comum àquele discurso e a uma certa tradição do discurso crítico-literário. Uma tradição fortemente marcada pelo tom descritivista, ao qual não será porventura alheia a “heresia da paráfrase”, mas cuja negação do poder de actualização do poético vai muito para além disso: o gesto crítico volve-se num exercício taxonómico, numa pulsão classificativa que se enreda sobre si mesma e se ocupa do jogo infinito de fazer e desfazer a sua própria trama, à imagem de Penélope.
Creio que, em tempos recentes, ninguém conseguiu captar tão bem o fundo irónico desta tendência quanto Ricardo Araújo Pereira, na rábula “Literaturas Comparadas”, integrada no espaço radiofónico Mixórdia de Temáticas. Ricardo Araújo Pereira propõe-se fazer uma análise comparativa de três autores de música popular portuguesa, e fá-lo nos termos mais familiares ao discurso crítico (onde pode incluir-se o académico) dos nossos dias. Com o devido indulto que exigem os coloquialismos e impropérios, vale a pena citar o diálogo, já que nele ficam evidenciados de modo lapidar alguns destes “tiques” mais persistentes na produção crítico-interpretativa, hoje:
- Bom, em primeiro lugar, é importante distinguir estes três trovadores: Tony é um cantor romântico, Micael propõe romance também, mas em ritmos latinos, com especial atenção às sonoridades do caribe, e David opera uma mistura única entre o pop, a dance music, o hip-hop e as grandes baladas R&B - estou a citar o site oficial do poeta.

- Mas olha, Ricardo, eles podem ser enquadrados nessas categorias ou extravasam os seus limites? É que a minha sensação é que eles extravasam esses limites...
- Ó Vasco, vejo que tens formação em literatura. De facto, extravasam e de que maneira. Talvez as pessoas se surpreendam se souberem que Tony Carreira, por exemplo, além de incurável romântico, sabe ser também um atrevido maroto. É um dos aspectos mais interessantes da lírica toniniana, aliás, e está presente, por exemplo, no poema “Eu quero Nanana”:
(...)
Repara, Vasco, como o poeta, marotamente, substitui aquilo que se adivinha ser obsceno pela expressão “nanana”. Agora: fá-lo por pudor, ou porque tem dificuldade em usar a língua portuguesa para se exprimir? É a dúvida que acrescenta mistério ao poema.
- Mistério ao poema. Mas, por outro lado, David Carreira é mais moderno... Como é que se faz sentir na poesia essa modernidade do David?
- Olha, Vasco, através da introdução subtil de vocábulos em inglês: David Carreira usa termos em estrangeiro, logo, é moderno.
(...)
Não sei se reparaste que, um poeta menos moderno, limitar-se-ia a festejar. David vai mais longe, e festeja in the club, yeah. Designadamente, no dance floor.
- Notável, notável. E quanto ao Micael? Ao que julgo saber, a poesia do Micael distingue-se por uma certa, como hei-de dizer, idealização da mulher?
- É, sim, sim, sobretudo na medida em que a mulher, enquanto ideal de pureza, consegue, ainda assim, abanar o pandeiro, portanto, o nalguedo, a pandeireta, vá. Mas é uma pandeireta idealizada, ela também. Repara no poema “Mexe bem demais”:
(...)
Vê, Vasco, como a mulher ideal de Micael Carreira tem calor latino, que é dos melhores calores que se pode ter, e, não satisfeita com o facto de ter tudo aquilo com que o poeta sonha, ela ainda mexe bem demais. Podia limitar-se a estar sossegada, ou a mexer relativamente bem. Mas não: ela mexe bem demais. Ora bom, nisto de mexer, pergunto eu, haverá demasiado bem? A partir de que momento é que mexer bem se torna mexer bem demais? São questões extremamente interessantes, Vasco.
- Que vão ter de ficar para outra vez, Ricardo, porque já excedemos o nosso tempo.
- Já, olha, é sempre a mesma coisa, nunca há tempo para a poesia. Mas enfim...

O registo irónico não retira à caricatura o poder de penetração num certo modo bastante disseminado de falar sobre poesia: um misto de formalismo com um sentimentalismo deliquescente, concentrado quase exclusivamente em explicar o como, mas pouco ou nada preocupado com o porquê, e menos ainda o para quê da poesia, numa justificação fática do poético, quase sempre aliada a uma reivindicação sem profundidade nem fundamento da sua necessidade: “nunca há tempo para a poesia. Mas enfim...”.
Tudo isto configura um quadro de sintomas que se integram naquilo que Slavoj Žižek, em For they know not what they do. Enjoyment as a political factor, caracteriza como os efeitos da crise desencadeada pela perda do elo entre a referência e a coisa, entre o discurso e as suas consequências. Esse “elo perdido”, afirma, que o estruturalismo vincou com determinação ao afirmar o princípio da “prioridade da sincronia sobre a diacronia”, reemerge no discurso contemporâneo como um “sujeito” espectral, a apontar o vazio que precede e sucede à linguagem, numa ordem circular e auto-referencial, que apenas declara a impossibilidade de comunicação entre o discurso e um lugar que lhe seja exterior. O poético, lido como lugar sem fora, no entendimento que lhe é dado nos problemas que convoquei inicialmente, corresponde a esta tipificação:
All of a sudden, by means of a miraculous leap, we find ourselves within a closed synchronous order which does not allow of any external support since it turns in its own vicious circle. This lack of support because of which language ultimately refers only to itself – in other words: this void that language encircles in its self-referring – is the subject as “missing link”. The “autonomy of the signifier” is strictly correlative to the “subjectivization” of the signifying chain: “subjects” are not the “effective” presence of “flesh-and-blood” agents that make use of language as part of their social life-practice, filling out the abstract language schemes with actual content; “subject” is, on the contrary, the very abyss that forever separates language from the substantial life-process. (Žižek 2008: 201)

Talvez seja este o (pesado) legado dos projectos formalistas e estruturalistas para a forma como lemos poesia: acreditando que estamos a celebrar a autonomia do significante, não deixamos de contribuir para o ciclo vicioso da reificação de um “sujeito” idealisticamente concebido, que se manifesta na cisão, no próprio abismo entre a ordem do simbólico e a estrutura real dos processos da vida quotidiana. A violência da tensão resultante deste duplo impulso revela-se, na caricatura de Ricardo Araújo Pereira, pela acomodação do princípio auto-referencial da leitura comparatista com as interferências de uma linguagem exterior ao código convencionado, colocando em destaque a extrema dificuldade que enfrenta a crítica de poesia no que toca a estabelecer canais de comunicação com o contexto, enquanto realidade actuante.