quinta-feira, 16 de março de 2023

Estes sítios! (Almeida Garrett)

 


     ESTES SÍTIOS! 





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Olha bem estes sítios queridos,
Vê-os bem neste olhar derradeiro...
Ai! o negro dos montes erguidos,
Ai! o verde do triste pinheiro!
Que saudades que deles teremos...
Que saudade! ai, amor, que saudade!
Pois não sentes, neste ar que bebemos,
No acre1 cheiro da agreste ramagem,
Estar-se alma a tragar liberdade
E a crescer de inocência e vigor!
Oh! aqui, aqui só se engrinalda
Da pureza da rosa selvagem,
E contente aqui só vive Amor2.
O ar queimado das salas lhe escalda
De suas asas o níveo3 candor4,
E na frente arrugada lhe cresta5
A inocência infantil do pudor.
E oh! deixar tais delícias como esta!
E trocar este céu de ventura
Pelo inferno da escrava cidade!
Vender alma e razão à impostura,
Ir saudar a mentira em sua corte,
Ajoelhar em seu trono à vaidade,
Ter de rir nas angústias da morte,
Chamar vida ao terror da verdade...
Ai! não, não... nossa vida acabou,
Nossa vida aqui toda ficou.
Diz-lhe adeus neste olhar derradeiro,
Dize à sombra dos montes erguidos,
Dize-o ao verde do triste pinheiro,
Dize-o a todos os sítios queridos
Desta rude, feroz soledade,
Paraíso onde livres vivemos,
Oh! saudades que dele teremos,
Que saudade! ai, amor, que saudade!

Flores sem Fruto e Folhas Caídas de Almeida Garrett, edição de Paula Morão, 3.ª ed., Lisboa, Editorial Comunicação, 1984, pp. 112-113.

 

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1 acre (verso 8) – que produz uma forte impressão olfativa; que tem sabor ácido, amargo.

2 Amor (verso 13) – divindade representada sob a forma de uma criança, geralmente alada.

3 níveo (verso 15) – que é relativo à neve ou próprio dela; que é da cor da neve.

4 candor (verso 15) – brancura extrema; qualidade do que é puro, inocente.

5 cresta (verso 16) – queima superficialmente.

 

Questionário sobre o poema “Estes sítios”, de Almeida Garrett.

1. Explique a importância de olhar «estes sítios queridos», tendo em conta os versos 1 a 6.

2. O sujeito poético exprime uma visão subjetiva do espaço campestre.

Explicite dois aspetos significativos que comprovem esta afirmação.

3. Caracterize a «cidade» (verso 20) representada no poema, fundamentando a resposta com citações relevantes.

4. Analise dois efeitos expressivos do adjetivo «triste», que, nos versos 4 e 30, qualifica o «pinheiro».

5. Apresente, por palavras suas, as ideias expostas por Almeida Garrett no excerto seguinte da «Advertência» a Folhas Caídas.

«As presentes Folhas Caídas representam o estado de alma do poeta nas variadas, incertas e vacilantes oscilações do espírito, que, tendendo ao seu fim único, a posse do Ideal, ora pensa tê-lo alcançado, ora estar a ponto de chegar a ele – ora ri amargamente porque reconhece o seu engano – ora se desespera de raiva impotente por sua credulidade vã.»

Flores sem Fruto e Folhas Caídas de Almeida Garrett, edição de Paula Morão, 3.ª ed., Lisboa, Editorial Comunicação, 1984, p. 81.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Para explicar a importância de olhar «estes sítios queridos», tendo em conta os versos 1 a 6, devem ser desenvolvidos três dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

− a forte relação emotiva criada com esse espaço;

− a circunstância da despedida, que confere ao apelo do sujeito poético um tom de lamento («neste olhar derradeiro…» – v. 2; «Ai! O verde do triste pinheiro!» – v. 4);

− a antecipação de um sentimento de saudade partilhado («que saudades que deles teremos…» – v. 5; «Que saudade! ai, amor, que saudade!» – v. 6);

− a tentativa de reter na memória um espaço ligado a um tempo de felicidade («Olha bem» – v. 1; «Vê-os bem» – v. 2).

2. Para explicitar dois aspetos significativos que comprovam a afirmação, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

− a intensidade de sensações que provoca, como os cheiros e as cores (vv. 3, 4 e 8);

− o horizonte aberto, que serve uma vida de liberdade (vv. 9 e 33);

− a possibilidade de contacto com a natureza pura, que a «rosa selvagem» (v. 12) simboliza;

− o ambiente natural propício à alegria (v. 13).

3. Para caracterizar a cidade representada no poema, devem ser desenvolvidos os três tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

− um cativeiro em que se perde a liberdade («inferno da escrava cidade», v. 20);

− um lugar insalubre em que se vive no «ar queimado das salas» (v. 14);

− um lugar que proporciona uma experiência moralmente repugnante, porque obriga à «impostura» (v. 21), à «mentira» (v. 22), à «vaidade» (v. 23) e à hipocrisia («Ter de rir nas angústias da morte» – v. 24; «chamar vida ao terror da verdade» – v. 25).

4. Para analisar dois efeitos expressivos do adjetivo «triste», que, nos versos 4 e 30, qualifica o «pinheiro», devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

− sugere que o sujeito poético atribui um valor sentimental a essa árvore;

− mostra de que modo a tristeza do olhar se reflete e se amplifica na própria paisagem;

− revela a profunda ligação entre os que partem e aqueles «sítios queridos» (vv. 1 e 31).

5. Para apresentar as ideias expostas por Almeida Garrett no excerto transcrito, deve ser produzida uma paráfrase. O texto seguinte constitui apenas um exemplo.

O poeta afirma que as Folhas Caídas representam as emoções que acompanham a busca do seu espírito pelo «Ideal». Esse objetivo, porém, nunca é alcançado, apesar de, por vezes, o poeta ter a ilusão disso. Por consequência, troça de si mesmo, vendo o seu equívoco, ou lamenta-se pela sua ingenuidade e pela sua pretensão.

 

Fonte: Exame Final Nacional de Literatura Portuguesa. Prova 734 | 1.ª Fase | Ensino Secundário | 2018 | 11.º Ano de Escolaridade | Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho. República Portuguesa – Educação / IAVE-Instituto de Avaliação Educativa, I.P.

 

 


CARREIRO, José. “Estes sítios! (Almeida Garrett)”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 16-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/estes-sitios-almeida-garrett.html


quarta-feira, 15 de março de 2023

Destino: Quem disse à estrela o caminho (Almeida Garrett)


 

 

DESTINO

 





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Quem disse à estrela o caminho
Que ela há de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta – «Floresce!» –
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?

 


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Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai! não mo disse ninguém.

 




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Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.

Flores sem Fruto e Folhas Caídas de Almeida Garrett, edição de Paula Morão, 3.ª ed., Lisboa, Comunicação, 1984

 

Apresente, de forma estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Desde o início do poema até ao verso 12, repete-se um mesmo processo estilístico: a pergunta retórica.

     Refira o efeito de sentido que esse processo estilístico produz.

2. Comente a importância das referências a elementos da natureza feitas ao longo do poema.

3. Indique os traços principais do «tu» a que o sujeito lírico diretamente se dirige, fundamentando a resposta em elementos do texto.

4. Explicite as relações que se podem estabelecer entre o título e o conteúdo do poema.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Refere, adequadamente, o efeito de sentido que o processo estilístico indicado produz.

A pergunta retórica, que, portanto, não é para ser respondida, produz, pela sua insistência (vv. 1 a 12), um efeito de convicção: a resposta às sucessivas interrogações, que seria, por exemplo, «ninguém» (v. 16), sublinha a predestinação que parece conduzir todas as coisas e todos os seres, e cuja força é revelada pelo «instinto» (v. 20).

2. Comenta, adequadamente, a importância das referências a elementos da natureza feitas ao longo do poema.

As referências a elementos da natureza, isto é, à «estrela» (v. 1), à «ave» (v. 4), à «planta» (v. 5), ao «verme» (v. 6), à «abelha» (v. 9), ao «prado» (v. 10), à «flor» (v. 11) e aos seus movimentos ou modos de vida funcionam como a demonstração de uma capacidade, intrínseca a todos os seres, de serem fiéis ao seu destino. Através destas referências, pretende-se transmitir a ideia de espontaneidade e de inevitabilidade do amor que o «eu» sente, como se esse amor fosse uma força da natureza, independente da sua vontade.

3. Indica, adequadamente, os traços principais do «tu» a que o sujeito lírico diretamente se dirige, fundamentando a resposta em elementos do poema.

O «tu» é o objeto do amor apaixonado do «eu», num sentido que parece indicar a total identificação entre ambos. Do «tu» é destacado um elemento concreto, os «olhos» (v. 14), que são o que melhor pode caracterizar a intensidade dessa identificação. Além disso, o adjetivo que marca a expressão «no teu seio divino» (v. 21) é um traço da qualidade única e sagrada de que o «tu» se reveste aos olhos do «eu»

4. Explicita, adequadamente, as relações que se podem estabelecer entre o título e o conteúdo do poema.

O título do poema, «Destino», palavra que depois é repetida no verso 22, desta vez associada ao amor que o «eu» sente, é a resposta às perguntas retóricas colocadas na primeira parte do poema, resposta reforçada pela palavra «instinto» (v. 20), extensiva a «todo o ente» (v. 19). Sentido essencial do poema, o «Destino» marca uma visão romântica da natureza, animada por uma ordem perfeita e predeterminada, e do amor humano como parte dessa harmonia.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 10.º e 11.º Anos de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, Portugal, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2011, 1.ª Fase

 



 

II - Após uma leitura atenta do poema, faça a sua análise referindo-se, nomeadamente, aos seguintes aspetos:

- estrutura do poema;

- conceção de existência;

- destinatário e sua caracterização;

- recursos estético-estilísticos e seu valor expressivo;

pontuação;

- características que permitem enquadrar o poema no Romantismo.

 

Tópicos de correção:

ESTRUTURA INTERNA DO POEMA:

3 oitavas com a seguinte estrutura rimática:

a b a b – rima cruzada

c c – rima emparelhada

d d – rima emparelhada

 

ESTRUTURA EXTERNA DO POEMA:

1. Questões retóricas (vv. 1-12): a natureza segue o seu próprio caminho.

2. Também ele, naturalmente, se encaminha para a sua amada (vv. 13-16).

3. Reiteração dos dois momentos anteriores, através de uma comparação:

1.º termo da comparação (igual ao 1º momento): vv. 17-20;

2.º termo da comparação (igual ao 2º momento): vv. 21-24.

 

CONCEÇÃO DE EXISTÊNCIA:

A vida está programada por uma força superior, a que se pode designar de «destino».

 

DESTINATÁRIO E SUA CARACTERIZAÇÃO:

Mulher com a qualidade divina de amar (cf. v. 21) e de atrair o sujeito apaixonado.

 

RECURSOS ESTÉTICO-ESTILÍSTICOS E SEU VALOR EXPRESSIVO:

- Perguntas retóricas;

- Elipse (catálise) entre o 1.º e 2.º momentos;

- Comparação;

- Anáfora;

- Sinédoque: «seio divino», v. 21 designa a condição da mulher.

 

PONTUAÇÃO:

- Perguntas retóricas;

- Exclamação (dá vivacidade ao texto);

- Reticências (usadas junto de termos abstratos e incomensuráveis: «bem», «destino»).

 

CARACTERÍSTICAS QUE PERMITEM ENQUADRAR O POEMA NO ROMANTISMO:

- Sentimento;

- Mulher-anjo;

- Amor instintivo;

- Paisagem natural, livre, ao serviço do estado de alma;

- Linguagem acessível;

- Hibridismo de géneros: lírico e dramático (parateatralidade).

 

 

 


CARREIRO, José. “Destino: Quem disse à estrela o caminho (Almeida Garrett)”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 15-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/destino-quem-disse-estrela-o-caminho.html


terça-feira, 14 de março de 2023

Não és tu, Almeida Garrett

 



                NÃO ÉS TU





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Era assim, tinha esse olhar,
A mesma graça, o mesmo ar,
Corava da mesma cor,
Aquela visão que eu vi
Quando eu sonhava de amor,
Quando em sonhos me perdi.

Toda assim; o porte altivo,
O semblante pensativo,
E uma suave tristeza
Que por toda ela descia
Como um véu que lhe envolvia,
Que lhe adoçava a beleza.

Era assim; o seu falar,
Ingénuo e quase vulgar,
Tinha o poder da razão
Que penetra, não seduz;
Não era fogo, era luz
Que mandava ao coração.

Nos olhos tinha esse lume,
No seio o mesmo perfume,
Um cheiro a rosas celestes,
Rosas brancas, puras, finas,
Viçosas como boninas,
Singelas sem ser agrestes.

Mas não és tu... ai! não és:
Toda a ilusão se desfez.
Não és aquela que eu vi,
Não és a mesma visão,
Que essa tinha coração,
Tinha, que eu bem lho senti.

 

Flores sem Fruto e Folhas Caídas de Almeida Garrett, edição de Paula Morão, 3.ª ed., Lisboa, Comunicação, 1984, pp. 116-117

 

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1 semblante (verso 8) – rosto.

2 boninas (verso 23) – florzinhas campestres.

3 Singelas (verso 24) – simples.

 

I - Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Na primeira estrofe do poema, o «eu» começa a desenvolver uma comparação entre a imagem feminina dos sonhos e a mulher real.

Explicite os aspetos que evidenciam essa comparação, tendo em conta a estrofe referida.

2. Indique um dos efeitos de sentido produzidos pela anáfora presente nos versos 5 e 6.

3. Refira quatro das características da figura que surge na «visão» do sujeito poético.

4. Analise a relação que a última estrofe do texto estabelece com as anteriores.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. Explicita, adequadamente, os aspetos que evidenciam a comparação estabelecida na primeira estrofe do poem.

A imagem que constitui o sonho do sujeito poético, e que começa a ser descrita na primeira estrofe, é a de uma mulher que lembra a figura da amada devido às semelhanças existentes entre ambas, como se constata pela ocorrência das palavras «mesma» (vv. 2-3) e «mesmo» (v. 2). Assim, a imagem feminina vista no sonho apresenta o modo de «olhar» (v. 1) particular da mulher amada, uma atitude graciosa similar («A mesma graça, o mesmo ar» – v. 2), bem como timidez e recato idênticos («Corava da mesma cor» – v. 3).

2. Indica, adequadamente, um dos efeitos de sentido produzidos pela anáfora presente nos versos 5 e 6.

Sendo uma figura de repetição, a anáfora reforça o sentido dos versos, enfatizando-o. Neste caso, em particular, produz os seguintes efeitos de sentido:

− marca o tempo do sonho (passado), quando o «eu» teve a «visão» (v. 4);

− salienta o efeito da figura feminina sobre o «eu»;

− sublinha o enamoramento do sujeito poético pela mulher com que sonhou;

− reitera a importância do amor vivido «em sonhos», conferindo um eco melódico aos versos.

3. Refere, adequadamente, quatro das características da figura que surge na «visão» do sujeito poético.

A imagem feminina que surgia nos sonhos do sujeito poético caracteriza-se por ser:

− graciosa («graça» – v. 2);

− recatada («Corava» – v. 3);

− altiva («porte altivo» – v. 7);

− meditativa («semblante pensativo» – v. 8);

− melancólica («suave tristeza» – v. 9);

− delicada («Que lhe adoçava a beleza» – v. 12);

− ingénua, com discurso simples («o seu falar, / Ingénuo e quase vulgar» – vv. 3-14);

− racional («poder da razão» – v. 15), capaz de persuadir, mais que de seduzir («Que penetra, não seduz» – v. 16);

− celestial («luz» – v. 17; «rosas celestes / Rosas brancas, puras, finas» – vv. 21-22);

− esplendorosa («Viçosas» – v. 23);

− simples, como as flores campestres, sem ser rude («Singelas sem ser agrestes» – v. 24);

− sensível ao amor do sujeito poético («tinha coração» – v. 29).

4. Analisa, adequadamente, a relação que a última estrofe do texto estabelece com as anteriores.

A relação que a última estrofe do poema estabelece com as anteriores é de oposição, introduzida pela conjunção coordenativa adversativa «Mas» (v. 25), colocada no início da sextilha. Essa conjunção e as expressões de negação, sucessivamente repetidas (vv. 25, 27 e 28), remetem para o fim do sonho, constatando o sujeito poético que o «Tu» não é a mulher idealizada no passado. Enquanto esta tem «coração» (v. 29), tal não acontece com a mulher real («Não és aquela que eu vi, / Não és a mesma visão» – vv. 27-28). Assim, o sonho do sujeito transformou-se numa realidade decetiva («Não és a mesma visão, / Que essa tinha coração» – vv. 28-29), acentuando-se a oposição sonho/realidade.

 

Fonte: Exame Final Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 11.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Prova Escrita de Literatura Portuguesa. Portugal, IAVE-Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2014, 2.ª Fase

 




II - Elabore um comentário do poema que integre o tratamento dos seguintes tópicos:

- partes lógicas constitutivas do texto;

- caracterização física e psicológica do «tu»;

- recursos estilísticos relevantes;

- traços característicos do Romantismo.

 

Explicitação de cenários de resposta

 

Partes lógicas constitutivas do texto

O poema estrutura-se em duas partes, correspondendo a primeira aos versos 1-24 e a segunda aos versos 25-30, separadas pela conjunção adversativa «Mas», que marca uma mudança no discurso.

Ao longo da primeira parte, a sujeito poético desenvolve uma comparação entre a imagem resplandecente da figura feminina vislumbrada «em sonhos» «de amor» e o «tu» que, aparentemente, possui os mesmos atributos e provoca os mesmos efeitos da «visão». Na segunda parte, a contraposição da positividade dessa «visão» à negatividade da presença real do «tu» torna irremediável a confissão de um profundo desencanto, de uma desilusão sentida.

 

Caracterização física e psicológica do «tu»

A figura central consiste numa mulher possuidora de uma beleza assinalável («graça», «porte altivo») e dotada de um forte magnetismo (vv. 13-18). Certos traços psicológicos, que denunciam retraimento e introversão («Corava da mesma cor», «O semblante pensativo, / E uma suave tristeza / Que por toda ela descia»), combinam-se com uma imagem física mais vívida e sensorial («o seu falar, / Ingénuo e quase vulgar», «No seio o mesmo perfume, / Um cheiro a rosas celestes, / Rosas brancas, puras, finas»), embora não menos espiritualizada. Assim, nas quatro primeiras estrofes, os processos utilizados na caracterização resultam numa vibrante exaltação da figura feminina, elevando-a ao nível celeste de anjo.

Mas a verdadeira natureza do «tu» revela-se na última estrofe do poema: à aparência angelical exterior, intensificada no passado pelo carácter velado da representação do «tu» («um véu que lhe envolvia, / Que lhe adoçava a beleza»), opõe-se, no presente, uma imagem indelevelmente marcada pela ausência de sentimentos, de «coração».

 

Recursos estilísticos relevantes

Exemplos de recursos estilísticos:

- adjetivação – «porte altivo», «semblante pensativo», «suave tristeza», «Ingénuo e quase vulgar», «rosas celestes, / Rosas brancas, puras, finas, / Viçosas»;

- comparação – «Como um véu que lhe envolvia, / Que lhe adoçava a beleza», «Viçosas como boninas»;

- metáfora - «Não era fogo, era luz / Que mandava ao coração», «Nos olhos tinha esse lume»;

- anáfora - «Quando eu sonhava de amor, / Quando em sonhos me perdi», «Não és aquela que eu vi, / Não és a mesma visão»;

- …

 

Traços característicos do Romantismo

Destacam-se, entre outros, os seguintes traços:

- imagem dúplice da mulher (angelical/demoníaca);

- sentimento de perdição provocado pelo amor;

- confessionalismo;

- tom melancólico;

- …

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 637. Curso Complementar Licear Nocturno. Prova Escrita de Português (Índole Literária). Portugal, 1999, Militares

 

 


CARREIRO, José. “Não és tu, Almeida Garrett”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 14-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/nao-es-tu-almeida-garrett.html