quarta-feira, 15 de março de 2023

Destino: Quem disse à estrela o caminho (Almeida Garrett)


 

 

DESTINO

 





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Quem disse à estrela o caminho
Que ela há de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta – «Floresce!» –
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?

 


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Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai! não mo disse ninguém.

 




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Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.

Flores sem Fruto e Folhas Caídas de Almeida Garrett, edição de Paula Morão, 3.ª ed., Lisboa, Comunicação, 1984

 

Apresente, de forma estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Desde o início do poema até ao verso 12, repete-se um mesmo processo estilístico: a pergunta retórica.

     Refira o efeito de sentido que esse processo estilístico produz.

2. Comente a importância das referências a elementos da natureza feitas ao longo do poema.

3. Indique os traços principais do «tu» a que o sujeito lírico diretamente se dirige, fundamentando a resposta em elementos do texto.

4. Explicite as relações que se podem estabelecer entre o título e o conteúdo do poema.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Refere, adequadamente, o efeito de sentido que o processo estilístico indicado produz.

A pergunta retórica, que, portanto, não é para ser respondida, produz, pela sua insistência (vv. 1 a 12), um efeito de convicção: a resposta às sucessivas interrogações, que seria, por exemplo, «ninguém» (v. 16), sublinha a predestinação que parece conduzir todas as coisas e todos os seres, e cuja força é revelada pelo «instinto» (v. 20).

2. Comenta, adequadamente, a importância das referências a elementos da natureza feitas ao longo do poema.

As referências a elementos da natureza, isto é, à «estrela» (v. 1), à «ave» (v. 4), à «planta» (v. 5), ao «verme» (v. 6), à «abelha» (v. 9), ao «prado» (v. 10), à «flor» (v. 11) e aos seus movimentos ou modos de vida funcionam como a demonstração de uma capacidade, intrínseca a todos os seres, de serem fiéis ao seu destino. Através destas referências, pretende-se transmitir a ideia de espontaneidade e de inevitabilidade do amor que o «eu» sente, como se esse amor fosse uma força da natureza, independente da sua vontade.

3. Indica, adequadamente, os traços principais do «tu» a que o sujeito lírico diretamente se dirige, fundamentando a resposta em elementos do poema.

O «tu» é o objeto do amor apaixonado do «eu», num sentido que parece indicar a total identificação entre ambos. Do «tu» é destacado um elemento concreto, os «olhos» (v. 14), que são o que melhor pode caracterizar a intensidade dessa identificação. Além disso, o adjetivo que marca a expressão «no teu seio divino» (v. 21) é um traço da qualidade única e sagrada de que o «tu» se reveste aos olhos do «eu»

4. Explicita, adequadamente, as relações que se podem estabelecer entre o título e o conteúdo do poema.

O título do poema, «Destino», palavra que depois é repetida no verso 22, desta vez associada ao amor que o «eu» sente, é a resposta às perguntas retóricas colocadas na primeira parte do poema, resposta reforçada pela palavra «instinto» (v. 20), extensiva a «todo o ente» (v. 19). Sentido essencial do poema, o «Destino» marca uma visão romântica da natureza, animada por uma ordem perfeita e predeterminada, e do amor humano como parte dessa harmonia.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 10.º e 11.º Anos de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, Portugal, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2011, 1.ª Fase

 



 

II - Após uma leitura atenta do poema, faça a sua análise referindo-se, nomeadamente, aos seguintes aspetos:

- estrutura do poema;

- conceção de existência;

- destinatário e sua caracterização;

- recursos estético-estilísticos e seu valor expressivo;

pontuação;

- características que permitem enquadrar o poema no Romantismo.

 

Tópicos de correção:

ESTRUTURA INTERNA DO POEMA:

3 oitavas com a seguinte estrutura rimática:

a b a b – rima cruzada

c c – rima emparelhada

d d – rima emparelhada

 

ESTRUTURA EXTERNA DO POEMA:

1. Questões retóricas (vv. 1-12): a natureza segue o seu próprio caminho.

2. Também ele, naturalmente, se encaminha para a sua amada (vv. 13-16).

3. Reiteração dos dois momentos anteriores, através de uma comparação:

1.º termo da comparação (igual ao 1º momento): vv. 17-20;

2.º termo da comparação (igual ao 2º momento): vv. 21-24.

 

CONCEÇÃO DE EXISTÊNCIA:

A vida está programada por uma força superior, a que se pode designar de «destino».

 

DESTINATÁRIO E SUA CARACTERIZAÇÃO:

Mulher com a qualidade divina de amar (cf. v. 21) e de atrair o sujeito apaixonado.

 

RECURSOS ESTÉTICO-ESTILÍSTICOS E SEU VALOR EXPRESSIVO:

- Perguntas retóricas;

- Elipse (catálise) entre o 1.º e 2.º momentos;

- Comparação;

- Anáfora;

- Sinédoque: «seio divino», v. 21 designa a condição da mulher.

 

PONTUAÇÃO:

- Perguntas retóricas;

- Exclamação (dá vivacidade ao texto);

- Reticências (usadas junto de termos abstratos e incomensuráveis: «bem», «destino»).

 

CARACTERÍSTICAS QUE PERMITEM ENQUADRAR O POEMA NO ROMANTISMO:

- Sentimento;

- Mulher-anjo;

- Amor instintivo;

- Paisagem natural, livre, ao serviço do estado de alma;

- Linguagem acessível;

- Hibridismo de géneros: lírico e dramático (parateatralidade).

 

 

 


CARREIRO, José. “Destino: Quem disse à estrela o caminho (Almeida Garrett)”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 15-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/destino-quem-disse-estrela-o-caminho.html


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