NÃO ÉS TU
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Era
assim, tinha esse olhar, |
Flores sem Fruto e Folhas Caídas de Almeida
Garrett, edição de Paula
Morão, 3.ª ed., Lisboa, Comunicação, 1984, pp. 116-117
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1 semblante (verso 8) – rosto.
2 boninas (verso 23) – florzinhas campestres.
3 Singelas (verso 24) – simples.
I - Apresente,
de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1. Na
primeira estrofe do poema, o «eu» começa a desenvolver uma comparação entre a
imagem feminina dos sonhos e a mulher real.
Explicite os aspetos que evidenciam essa
comparação, tendo em conta a estrofe referida.
2. Indique
um dos efeitos de sentido produzidos pela anáfora presente nos versos 5 e 6.
3. Refira
quatro das características da figura que surge na «visão» do sujeito poético.
4. Analise
a relação que a última estrofe do texto estabelece com as anteriores.
Explicitação de cenários de resposta
1. Explicita, adequadamente, os aspetos que
evidenciam a comparação estabelecida na primeira estrofe do poem.
A imagem que constitui o
sonho do sujeito poético, e que começa a ser descrita na primeira estrofe, é a
de uma mulher que lembra a figura da amada devido às semelhanças existentes
entre ambas, como se constata pela ocorrência das palavras «mesma» (vv. 2-3) e
«mesmo» (v. 2). Assim, a imagem feminina vista no sonho apresenta o modo de
«olhar» (v. 1) particular da mulher amada, uma atitude graciosa similar («A
mesma graça, o mesmo ar» – v. 2), bem como timidez e recato idênticos («Corava
da mesma cor» – v. 3).
2. Indica, adequadamente, um dos efeitos de
sentido produzidos pela anáfora presente nos versos 5 e 6.
Sendo uma figura de
repetição, a anáfora reforça o sentido dos versos, enfatizando-o. Neste caso,
em particular, produz os seguintes efeitos de sentido:
− marca o tempo do sonho
(passado), quando o «eu» teve a «visão» (v. 4);
− salienta o efeito da
figura feminina sobre o «eu»;
− sublinha o enamoramento
do sujeito poético pela mulher com que sonhou;
− reitera a importância do
amor vivido «em sonhos», conferindo um eco melódico aos versos.
3. Refere, adequadamente, quatro das
características da figura que surge na «visão» do sujeito poético.
A imagem feminina que
surgia nos sonhos do sujeito poético caracteriza-se por ser:
− graciosa («graça» – v.
2);
− recatada («Corava» – v.
3);
− altiva («porte altivo» –
v. 7);
− meditativa («semblante
pensativo» – v. 8);
− melancólica («suave
tristeza» – v. 9);
− delicada («Que lhe
adoçava a beleza» – v. 12);
− ingénua, com discurso
simples («o seu falar, / Ingénuo e quase vulgar» – vv. 3-14);
− racional («poder da
razão» – v. 15), capaz de persuadir, mais que de seduzir («Que penetra, não
seduz» – v. 16);
− celestial («luz» – v.
17; «rosas celestes / Rosas brancas, puras, finas» – vv. 21-22);
− esplendorosa («Viçosas»
– v. 23);
− simples, como as flores
campestres, sem ser rude («Singelas sem ser agrestes» – v. 24);
− sensível ao amor do
sujeito poético («tinha coração» – v. 29).
4. Analisa, adequadamente, a relação que a última
estrofe do texto estabelece com as anteriores.
A relação que a última
estrofe do poema estabelece com as anteriores é de oposição, introduzida pela conjunção
coordenativa adversativa «Mas» (v. 25), colocada no início da sextilha. Essa
conjunção e as expressões de negação, sucessivamente repetidas (vv. 25, 27 e
28), remetem para o fim do sonho, constatando o sujeito poético que o «Tu» não
é a mulher idealizada no passado. Enquanto esta tem «coração» (v. 29), tal não
acontece com a mulher real («Não és aquela que eu vi, / Não és a mesma visão» –
vv. 27-28). Assim, o sonho do sujeito transformou-se numa realidade decetiva
(«Não és a mesma visão, / Que essa tinha coração» – vv. 28-29), acentuando-se a
oposição sonho/realidade.
Fonte: Exame Final
Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 11.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei
n.º 139/2012, de 5 de julho). Prova Escrita de Literatura Portuguesa. Portugal,
IAVE-Instituto de
Avaliação Educativa, I.P., 2014, 2.ª Fase
II - Elabore
um comentário do poema que integre o tratamento dos seguintes tópicos:
- partes lógicas
constitutivas do texto;
- caracterização física e
psicológica do «tu»;
- recursos estilísticos
relevantes;
- traços característicos
do Romantismo.
Explicitação
de cenários de resposta
Partes lógicas constitutivas do texto
O poema estrutura-se em
duas partes, correspondendo a primeira aos versos 1-24 e a segunda aos versos
25-30, separadas pela conjunção adversativa «Mas», que marca uma mudança no
discurso.
Ao longo da primeira
parte, a sujeito poético desenvolve uma comparação entre a imagem
resplandecente da figura feminina vislumbrada «em sonhos» «de amor» e o «tu»
que, aparentemente, possui os mesmos atributos e provoca os mesmos efeitos da
«visão». Na segunda parte, a contraposição da positividade dessa «visão» à
negatividade da presença real do «tu» torna irremediável a confissão de um
profundo desencanto, de uma desilusão sentida.
Caracterização física e psicológica do «tu»
A figura central consiste
numa mulher possuidora de uma beleza assinalável («graça», «porte altivo») e dotada
de um forte magnetismo (vv. 13-18). Certos traços psicológicos, que denunciam
retraimento e introversão («Corava da mesma cor», «O semblante pensativo, / E
uma suave tristeza / Que por toda ela descia»), combinam-se com uma imagem
física mais vívida e sensorial («o seu falar, / Ingénuo e quase vulgar», «No
seio o mesmo perfume, / Um cheiro a rosas celestes, / Rosas brancas, puras,
finas»), embora não menos espiritualizada. Assim, nas quatro primeiras
estrofes, os processos utilizados na caracterização resultam numa vibrante
exaltação da figura feminina, elevando-a ao nível celeste de anjo.
Mas a verdadeira natureza
do «tu» revela-se na última estrofe do poema: à aparência angelical exterior,
intensificada no passado pelo carácter velado da representação do «tu» («um véu
que lhe envolvia, / Que lhe adoçava a beleza»), opõe-se, no presente, uma
imagem indelevelmente marcada pela ausência de sentimentos, de «coração».
Recursos estilísticos relevantes
Exemplos de recursos
estilísticos:
- adjetivação – «porte
altivo», «semblante pensativo», «suave tristeza», «Ingénuo e quase vulgar»,
«rosas celestes, / Rosas brancas, puras, finas, / Viçosas»;
- comparação – «Como um
véu que lhe envolvia, / Que lhe adoçava a beleza», «Viçosas como boninas»;
- metáfora - «Não era
fogo, era luz / Que mandava ao coração», «Nos olhos tinha esse lume»;
- anáfora - «Quando eu
sonhava de amor, / Quando em sonhos me perdi», «Não és aquela que eu vi, / Não
és a mesma visão»;
- …
Traços característicos do Romantismo
Destacam-se, entre outros,
os seguintes traços:
- imagem dúplice da mulher
(angelical/demoníaca);
- sentimento de perdição
provocado pelo amor;
- confessionalismo;
- tom melancólico;
- …
CARREIRO, José. “Não és tu, Almeida Garrett”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 14-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/nao-es-tu-almeida-garrett.html
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