AS FADAS
As fadas… eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar…
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar…
Algumas em fonte fria
Escondem-se, enquanto é dia,
Saem só ao escurecer…
Outras, debaixo da terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder…
O vestir… são tais riquezas,
Que rainhas, nem princesas
Nenhuma assim se vestiu!
Porque as riquezas das fadas
São sabidas, celebradas
Por toda a gente que as viu…
Quando a noite é clara e amena
E a lua vai mais serena,
Qualquer as pode espreitar,
Fazendo roda, ocupadas
Em dobar suas meadas
De ouro e de prata, ao luar.
O luar é os seus amores!
Sentadinhas entre as flores
Ficam-se horas sem fim,
Cantando suas cantigas,
Fiando suas estrigas,
Em roca de oiro e marfim.
Eu sei os nomes de algumas:
Viviana ama as espumas
Das ondas nos areais,
Vive junto ao mar, sozinha,
Mas costuma ser madrinha
Nos batizados reais.
Morgana é muito enganosa;
Às vezes, moça e formosa,
E outras, velha, a rir, a rir…
Ora festiva, ora grave,
E voa como uma ave,
Se a gente lhe quer bulir.
Que direi de Melusina?
De Titânia, a pequenina,
Que dorme sobre um jasmim?
De cem outras, cuja glória
Enche as páginas da história
Dos reinos de el-rei Merlim?
Umas têm mando nos ares;
Outras, na terra, nos mares;
E todas trazem na mão
Aquela vara famosa,
A vara maravilhosa,
A varinha de condão.
O que elas querem, num pronto,
Fez-se ali! parece um conto…
Mesmo de fadas… eu sei!
São condões, que dão à gente
Ou dinheiro reluzente
Ou joias, que nem um rei!
A mais pobre criancinha
Se quis ser sua madrinha,
Uma fada… ai, que feliz!
São palácios, num momento…
Beleza, que é um portento…
Riqueza, que nem se diz…
Ou então, prendas, talento,
Ciência, discernimento,
Graças, chiste, discrição…
Vê-se o pobre inocentinho
Feito um sábio, um adivinho,
Que aos mais sábios vai à mão!
Mas, com tudo isto, as fadas
São muito desconfiadas;
Quem as vê não há de rir,
Querem elas que as respeitem,
E não gostam que as espreitem,
Nem se lhes há de mentir.
Quem as ofende cautela!
A mais risonha, a mais bela,
Torna-se logo tão má,
Tão cruel, tão vingativa!
É inimiga agressiva,
É serpente que ali está!
E têm vinganças terríveis!
Semeiam coisas horríveis,
Que nascem logo no chão…
Línguas de fogo, que estalam!
Sapos com asas, que falam!
Um anão preto! um dragão!
Ou deitam sortes na gente…
O nariz faz-se serpente,
A dar pulos, a crescer…
É-se morcego ou veado…
E anda-se assim encantado,
Enquanto a fada quiser!
Por isso quem por estradas
For, de noite, e vir as fadas
Nos altos, mirando o céu,
Deve com jeito falar-lhes,
Muito cortês e tirar-lhes
Até ao chão o chapéu.
Porque a fortuna da gente
Está às vezes somente
Numa palavra que diz.
Por uma palavra, engraça
Uma fada com quem passa
E torna-o logo feliz.
Quantas vezes já deitado,
Mas sem sono, inda acordado
Me ponho a considerar
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar…
O que seria? Um tesoiro?
Um reino? Um vestido de oiro?
Ou um leito de marfim?
¿Ou um palácio encantado,
Com seu lago prateado
E com pavões no jardim?
Ou podia, se eu quisesse,
Pedir também que me desse
Um condão, para falar
A língua dos passarinhos,
Que conversam nos seus ninhos…
Ou então, saber voar!
Oh, se esta noite, sonhando,
Alguma fada, engraçando
Comigo (podia ser?)
Me tocasse co’a varinha
E fosse minha madrinha,
Mesmo a dormir, sem a ver…
E que amanhã acordasse
E me achasse… eu sei! me achasse
Feito um príncipe, um emir!…
Até já, imaginando,
Se estão meus olhos fechando…
Deixa-me já, já dormir!
Outras, na terra, nos mares;
E todas trazem na mão
Aquela vara famosa,
A vara maravilhosa,
A varinha de condão.
O que elas querem, num pronto,
Fez-se ali! parece um conto…
Mesmo de fadas… eu sei!
São condões, que dão à gente
Ou dinheiro reluzente
Ou joias, que nem um rei!
A mais pobre criancinha
Se quis ser sua madrinha,
Uma fada… ai, que feliz!
São palácios, num momento…
Beleza, que é um portento…
Riqueza, que nem se diz…
Ou então, prendas, talento,
Ciência, discernimento,
Graças, chiste, discrição…
Vê-se o pobre inocentinho
Feito um sábio, um adivinho,
Que aos mais sábios vai à mão!
Mas, com tudo isto, as fadas
São muito desconfiadas;
Quem as vê não há de rir,
Querem elas que as respeitem,
E não gostam que as espreitem,
Nem se lhes há de mentir.
Quem as ofende cautela!
A mais risonha, a mais bela,
Torna-se logo tão má,
Tão cruel, tão vingativa!
É inimiga agressiva,
É serpente que ali está!
E têm vinganças terríveis!
Semeiam coisas horríveis,
Que nascem logo no chão…
Línguas de fogo, que estalam!
Sapos com asas, que falam!
Um anão preto! um dragão!
Ou deitam sortes na gente…
O nariz faz-se serpente,
A dar pulos, a crescer…
É-se morcego ou veado…
E anda-se assim encantado,
Enquanto a fada quiser!
Por isso quem por estradas
For, de noite, e vir as fadas
Nos altos, mirando o céu,
Deve com jeito falar-lhes,
Muito cortês e tirar-lhes
Até ao chão o chapéu.
Porque a fortuna da gente
Está às vezes somente
Numa palavra que diz.
Por uma palavra, engraça
Uma fada com quem passa
E torna-o logo feliz.
Quantas vezes já deitado,
Mas sem sono, inda acordado
Me ponho a considerar
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar…
O que seria? Um tesoiro?
Um reino? Um vestido de oiro?
Ou um leito de marfim?
¿Ou um palácio encantado,
Com seu lago prateado
E com pavões no jardim?
Ou podia, se eu quisesse,
Pedir também que me desse
Um condão, para falar
A língua dos passarinhos,
Que conversam nos seus ninhos…
Ou então, saber voar!
Oh, se esta noite, sonhando,
Alguma fada, engraçando
Comigo (podia ser?)
Me tocasse co’a varinha
E fosse minha madrinha,
Mesmo a dormir, sem a ver…
E que amanhã acordasse
E me achasse… eu sei! me achasse
Feito um príncipe, um emir!…
Até já, imaginando,
Se estão meus olhos fechando…
Deixa-me já, já dormir!
Antero de Quental
VOCABULÁRIO:
Bulir: mexer.
Chiste: piada.
Discernimento: inteligência.
Discrição: prudência.
Estriga: porção de linho, formando uma pequena meada, que se põe de cada vez na roca, para se fiar.
Jasmim: nome de uma flor.
Meada: porção de fios enrolados na dobadoura; há meadas de algodão, de lã, de linho, de seda.
Portento: maravilha.
Chiste: piada.
Discernimento: inteligência.
Discrição: prudência.
Estriga: porção de linho, formando uma pequena meada, que se põe de cada vez na roca, para se fiar.
Jasmim: nome de uma flor.
Meada: porção de fios enrolados na dobadoura; há meadas de algodão, de lã, de linho, de seda.
Portento: maravilha.
TEXTOS DE APOIO
Revela-nos
o poema segredos só conhecidos de poucos adultos, apenas daqueles que ainda
sabem que a Cinderela casa mesmo com o Príncipe e acreditam que: “a fortuna da
gente / Está às vezes somente / Numa palavra que diz; / Por uma palavra,
engraça / Uma fada com quem passa, / E torna-o logo feliz.”
Mas
cuidado, pois as fadas quando se zangam: “têm vinganças terríveis! /Semeiam
coisas horríveis, / Que nascem logo no chão… / Línguas de fogo que estalam! /
Sapos com asas que falam! / Um anão preto! Um dragão!
Ou
deitam sortes na gente… / O nariz faz-se serpente, / A dar pulos, a crescer… /
É-se morcego ou veado… / E anda-se assim encantado, / Enquanto a fada quiser!”
Carlos Fernandes, vicio de poesia, 2011-08-12
http://viciodapoesia.com/2011/08/12/as-fadas-%E2%80%93-poema-de-antero-de-quental-1842-1891/
http://viciodapoesia.com/2011/08/12/as-fadas-%E2%80%93-poema-de-antero-de-quental-1842-1891/
*
É de 1883 a edição do Tesouro Poético da Infância, organizado e prefaciado por Antero, uma espécie de «lira infantil», colhida nos Romanceiros e Cancioneiros e nos poetas do século, com especial relevo para João de Deus, não se esquecendo igualmente de introduzir alguns poetas brasileiros como Castro Alves, Casimiro de Abreu e sobretudo Junqueira Freire cuja poesia o entusiasma a ponto de o considerar um dos primeiros poetas do seu século se não tivesse morrido aos 24 anos. Para este livro, Antero escreveu um encantador poema de 23 sextilhas As Fadas, o que para ele, «poeta do género apocalíptico, teria constituído um verdadeiro tour de force».
O essencial sobre Antero de Quental, Ana Maria Almeida Martins,
Lisboa, Lisboa Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1985, p. 33.
*
Há quem defenda que a literatura infanto-juvenil se inicia nos séculos XVII e XVIII com os contos de fadas, fábulas e adaptações de obras de aventuras (Perrault, La Fontaine, Fénelon, Swift) com o objectivo de educar, moralmente, jovens e crianças.
Mas foi nos séculos XIX e XX que a literatura infantil desabrochou, como afirma José António Gomes (Para uma história da literatura portuguesa para a infância e a juventude.Lisboa: Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, 1998, p. 69): “é no século XIX que assistimos à verdadeira génese de uma literatura para a infância em Portugal. Muitos investigadores defendem que a literatura infantil surgiu em Portugal no século XIX com a geração de Antero de Quental, Eça de Queirós e Guerra Junqueiro. Todavia, outros contradizem essa asserção”.
Ana Maria Pereira Vieira Barbosa, Análise das Representações de género e seus valores na Literatura Infanto-Juvenil e na Formação da Criança, tese de mestrado apresentada à Universidade do Minho, 2009, p. 21
LEITURA ORIENTADA DO POEMA “AS FADAS”
1. Preenche a coluna B, de maneira a responderes aos elementos da coluna A, de acordo com os versos 1 a 70 do poema “As fadas”:
A
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B
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• Onde vivem as fadas
| |
• Um exemplo de rima, neste poema
| |
• Como ocupam as fadas o seu tempo
| |
• Uma comparação
| |
• Número de estrofes do poema
|
2. As fadas têm grandes poderes.
Copia do texto palavras/expressões onde se diz o que as fadas dão às crianças, para as tornar:
• ricas;
• sábias.
• sábias.
3. “as riquezas das fadas / São sabidas, celebradas / Por toda a gente que as viu…” (versos 16-18). Diz a que riquezas se referem o poeta nesta expressão.
4. Imagina como se sentiria um menino que visse a sua fada madrinha e escreve duas palavras que descrevam o seu estado de espírito.
5. Escreve duas quadras sobre fadas, considerando os seguintes aspetos:
• compara-as a alguma coisa (objeto, elemento da natureza, pessoa, animal, cor, …);
• usa uma onomatopeia (por exemplo, em relação à varinha de condão);
• expressa os teus sentimentos sobre esses seres imaginários;
• escreve os versos a rimar.
• usa uma onomatopeia (por exemplo, em relação à varinha de condão);
• expressa os teus sentimentos sobre esses seres imaginários;
• escreve os versos a rimar.
Etapas 5. Língua Portuguesa 5º Ano. Livro de Testes,
Madalena Relvão, Graça Trindade e Mª de Lourdes Santos. Edições Asa, 2011.
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► Apresentação
crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de textos de Antero
de Quental, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da
língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/04/06/fadas.aspx]
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