Busto de João Teixeira de Medeiros em Heritage State Park, Fall River. |
MONÓLOGO
DO RELÓGIO
Não
há no meu tic tac
Vislumbres,
hipocrisia
Cada
tic traz um tac
Cada
tac uma agonia
Tudo
a tempo se renova
Nos
movimentos que exerço.
Cada
tic abre uma cova
Cada
tac traz um berço.
Num
tic nasce uma mágoa
Num
tac morre um prazer.
Cada
tic é gota de água
Sobre
uma face a correr.
Por
cada tic agitado
Por
cada tac abatido
Há
sempre mais um pecado
a
nascer e a ser vivido.
Tic
tac é a minha lida
Tic
tac é a minha sorte.
Num
tic mete-se a vida
Num
tac se encontra a morte.
Com
tão cruel tic tac
Com
tão funesta medida
Vou
roubando ao almanaque
Todos
os anos da vida.
Vou
medindo em horas cheias
O
tempo que não tem fim.
Tenho
o coração e as veias
Do
tempo dentro de mim.
E
nesta pressa ruim
De
mágoas e de agonias
Chegam
sempre ao triste fim
Vidas,
minutos e dias.
João Teixeira
de Medeiros
"Monólogodo relógio" - poema do dia dito por Fátima Sousa e comentários de Marta
Costa e Urbano Bettencourt. Carregado a 21/12/2011.
João Teixeira de Medeiros nasceu em Fall River, no dia 16 de Novembro de 1901, mas com
apenas 9 anos idade “emigrou” para a Pedreira do Nordeste, na ilha de São
Miguel, acompanhando os pais.
Depois, aos 29 anos, regressou a Fall
River, onde era conhecido como “o teixeirinha de Nordeste”.
Fazia quadras sobre os mais variados temas
e tem uma poesia popular publicada, depois de ter sido descoberta por Onésimo
Almeida, que o ajudou a publicar dois livros: Do tempo e de mim e Ilha em
Terra.
O poeta já foi alvo de várias
homenagens, quer nos EUA, quer em Nordeste.
Embora residindo nos EUA nunca esqueceu
a sua ilha, até morrer, em 25 de Julho de 1995.
Sobre S. Miguel, deixou estas duas quadras:
Se
fosses ó ilha bela,
Flor
que eu pudesse colher,
Pendurava-te
à lapela,
Pra
todo o mundo te ver!
Saudade
é filha da dor,
Que
a triste ausência me deu.
Pai
da saudade é o amor,
Escravo
dela sou eu.
Diário dos
Açores, Ano 146º, Nº 40.701, 2015-06-05
DO TEMPO E DE MIM, João Teixeira de Medeiros
Seleção, organização e prefácio de
Onésimo Teotónio Almeida. Gávea-Brown, Providence, Rhode
Island, 1982.
Chega-nos da LUSAlândia um apaixonante livro de versos de um açoriano (por
direito de cultura), americano (por direito de nascimento e de uma longa vida
de trabalho). Aos 82 anos, esse homem nascido em Fall River, Mass., com parte
da infância, a adolescência e a juventude passada em S. Miguel, na sua Pedreira
do Nordeste, dá-nos um pouco da sua alma, dessa alma portuguesa, para sempre
ligada à terra dos seus pais. Porque Teixeira de Medeiros ficou culturalmente
sempre nos Açores; só emigrou o homo
faber. A aproximação com António Aleixo (e o organizador disso se apercebe)
impõe-se logo no primeiro folhear: a preferência pelo nosso género nacional – a
quadra –; a satirização do mundo da hipocrisia, onde o falso oiro brilha como o
autêntico («Os Neros do séc. XX», «Sátira», «Mentiras»); a evocação dos quadros
bucólicos e aldeãos («Guitarra», «Cravo vermelho», «Fada do moinho»,
«Lavadeira»). E a mulher portuguesa idealizada ou quedada num passado
mitificado, numa idade de Oiro situada no S. Miguel dos princípios do século
(«Mulheres», «A graça do teu olhar», «Feira de Beijos», etc.). E o testemunho
do jovem que vê, pela primeira vez, um automóvel na sua aldeia («Satanás em
quatro rodas») e acaba, muito portuguesmente, com um prognóstico-participação:
«Ouvi meus avós falar / Que antes do mundo acabar, / Deus mandaria sinais… /
Vou para casa, vou-me embora, / Rezar a nossa Senhora / E a outras santinhas
mais»?
Como escolher, como citar tanto verso
que nos toca, a nós portugueses sempre insulares, porque habitantes de um
recanto isolado que foi a nossa infância e cujo caminho para sempre perdemos? Só
podemos dizer: leiam o pequeno livro que em boa hora, com carinho filial,
Onésimo T. Almeida lança a este mundo tantas vezes adverso à poesia, porque
ocupado nas «contas da vida».
Graça Silva Dias, "[Recensão crítica a 'Do Tempo e de Mim',
de João Teixeira de Medeiros]" in: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º
76, Nov.
1983, p. 82.
Nesta cova onde se vaza
Minha estória até ao fim,
Uma simples pedra rasa
Tanto basta para mim.
Minha estória até ao fim,
Uma simples pedra rasa
Tanto basta para mim.
O peso já não me assusta,
Já me não inspira medo;
Depois de morto não custa
Uma areia ou um penedo.
Aqui nesta cova jaz
O filho dum português;
O nome ficou atrás,
O corpo foi-se de vez.
Aqui nesta cova jaz
Um velho l(usa)landês
Nesta mesma se desfaz
Quanto foi e quanto fez.
*
O dinheiro é um truão,
Quando se quer divertir,
Arrasta o pobre no chão
E faz o rico subir.
Quando se quer divertir,
Arrasta o pobre no chão
E faz o rico subir.
É um demónio, um traidor,
Um rufia, um vendilhão!
Troca ódios, compra amor,
Vende quem lhe der a mão.
Um rufia, um vendilhão!
Troca ódios, compra amor,
Vende quem lhe der a mão.
*
A beleza só é
beleza
Para quem na beleza crê
A beleza é só certeza
Conforma a vista que a vê
Para quem na beleza crê
A beleza é só certeza
Conforma a vista que a vê
João
Teixeira de Medeiros
Em
memória de João Teixeira de Medeiros
(profeta
da simplicidade poética)
(Nov. 16, 1901 – Julho 25, 1995)
Creio
que o ser humano-poeta é portador de memórias tecidas pelo tempo no tear da sua
existência. Estou a reviver o episódio daquela manhã de Julho de 1995, quando o
Sol fizera questão de se “levanta”’ cedo para não falhar a tarefa de aquecer o
silencioso chão de St. Patrick’s Cemetery, em Fall River. Já se passaram 20
anos: naquela manhã procurei caminhar (sem trocar o passo) na longa fileira
d’Amizade, rumo à “derradeira” morada terrestre do saudoso poeta João Teixeira
de Medeiros – ou seja, ficámos bem pertinho do pedaço de chão que iria ser a
testemunha silenciosa do sua existência física (1901-1995).
Apesar
da provecta idade que tinha quando nos deixou, o seu testemunho poético não
receia sugerir que a morte teimou em interromper a sua juventude
artístico-emocional. Seja-me permitido recordar a quadra que lhe dediquei aquando
da celebração dos seus 90 anos:
Nenhum poeta merece
Ter uma vida
esquecida:
Poeta não envelhece
Jamais se cansa da
vida…
Sabemos
(por experiência própria) que o latejar das ausências nem sempre faz o poeta
esquecer a sua condição de “remendo cerzido no pano da utopia”… Confirmo: ainda
sinto a falta das nossas frequentes conversas ao telefone (amistosos
comentários alusivos ao conteúdo do memorandum). Mais: desde há muito que o
carteiro parou de nos brindar com a entrega dos postais cíclicos escritos na linguagem
poética afinada pela simplicidade. Jamais esquecerei o convívio proporcionado
pelas amigáveis tarefas de chauffeur nas frequentes viagens, de pendor
cultural, rumo aos vários centros culturais da Comunidade Luso-Americana,
sediados na costa leste dos EUA.
Através
da medida exacta das suas quadras, o poeta Teixeira de Medeiros foi capaz de
enfrentar o ‘bom-combate’ das ideias, sem usar rimas de agressividade gratuita.
Embora não familiarizados (academicamente falando) com a densa doutrina do
filósofo canadiano, Marshall Mcluhan, atrevo-me a recordar que, por várias
vezes, fomos surpreendidos a citar frases do citado filósofo, como esta, por
exemplo: “Segredos! Segredos! Insignificantes segredos só precisam de protecção;
grandes Descobertas são protegidas pela incredulidade (e ignorância) pública”.
Alguns
episódios que (para muitos) pareciam ‘sinais do fim do mundo’, para o nosso
poeta, tais sinais eram apenas o princípio dum Novo mundo! O poeta João
Teixeira de Medeiros era apreciador entusiasta das conhecidas frases de sabor
anteriano, como por exemplo: “a humanidade é mais ignorante do que má”. De
certa feita, o nosso Poeta ficou deveras ‘impressionado’ com a virilidade
psico-cultural dos “dizeres” do saudoso filósofo, Agostinho da Silva (falecido
há 21 anos), como esta, por exemplo: “… o grande defeito dos intelectuais
portugueses tem sido sempre o só lidarem com intelectuais. Vão para o povo.
Vejam o povo. Vejam como eles reflectem, como eles gostariam que a vida fosse
para eles…”
…/…
Seja-me permitido repetir que, naquela manhã de 25 de Julho
(1995), cerca de meia centena de familiares e amig@s caminharam em silêncio pelas
alamedas do St. Patrick’s Cemetery. Não houve despedidas: apenas o habitual
‘até mais ver, querido Poeta’! De repente, senti a memória despertada pelo
conteúdo duma das cartas arquivadas no arquivo emocional, que regista o
seguinte: “… terá o meu bom amigo, após a minha morte, uma pequena lembrança do
velhinho que nasceu para ser poeta, mas que não chegou ao topo da escada”…
Está bem visto! Cá temos mais uma quadra do valoroso profeta
da simplicidade poética a tentar esconder o tamanho real da sua estatura
artística atrás da ‘pequenez’ da silhueta física:
Achar um amigo certo
Neste mundo de
alvoroço
É como achar num
deserto
Um diamante num poço…
João-Luís
de Medeiros, Rancho Mirage, CA
Correio dos Açores, Ano 96, n.º 30691,
2015-07-29.
CARREIRO, José. “João Teixeira de Medeiros (poeta popular)”.
Portugal, Folha de Poesia, 05-06-2015. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2015/06/joao-teixeira-de-medeiros-poeta-popular.html
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