A que terra
devemos voltar?
Em que terra
devíamos estar que não aquela que estamos agora?
A quem pertencem
estas terras todas?
Brasil/Galiza/Portugal, Editora Urutau. Organização: Manuella Bezerra de Melo e Wladimir Vaz |
SMOOTHIE
ela
cresceu numa favela de Bagdá
na primeira década deste século.
pelo menos uma vez por semana
era acordada em plena madrugada
pelo som ensurdecedor dos rotores
de um enorme helicóptero americano
dando vôos rasantes sobre sua casa
sem objetivo
para além
da intimidação.
hoje vive num subúrbio sossegado de Lisboa
traduzindo para o árabe novelas brasileiras.
quase morre de susto
toda vez que eu uso o liquidificador.
Luca Argel
nasceu em 1988 no Rio de
Janeiro, e vive desde 2012 em Portugal. É licenciado em música e mestre em
literatura, e tenta equilibrar o seu trabalho entre as duas áreas. Tem 5 livros
e 4 álbuns lançados. É apaixonado por samba.
Não
se vão livrar de mim tão depressa
Estrangeira: nunca.
Cidadã de nenhures
alma de toda a parte
maldita bruxa,
tormento.
Não se vão livrar de mim tão depressa.
**
Non vi libererete di me così in fretta
Straniera: mai.
Cittadina di nessun luogo
anima di ogni dove
maledetta strega, tormento.
Non vi libererete di me così in fretta.
Noemi Alfieri
é investigadora, migrante.
A sua escrita é atravessada pelas preocupações à volta da violência, do género,
do colonialismo, da opressão capitalista, da propaganda e das construções
raciais. Italiana, a viver em Lisboa.
HOMEM DE CÔR
Sou
balanta, sou kimbundo
Sou badio, marronga ou angular
Continental ou insular
Há quem me chame homem de côr
Tenho nome e apelido
Sou do norte, sou do sul
E como tu, gerado no centro
Bendito esse teu ventre Mamãe
Sou exótico p’ra a folia
Sou selvagem quando incomodo
Sou dos teus quando convém
Sou o tal homem de côr
Dizem que sou do terceiro mundo
E, segundo bocas infames
Neste universo sem primeiro
Nem civilizado sou
Sou maconde, sou forro
Sampadjudo, mandjáku, kinkôngo
Operário e intelecto
Mas só me chamam homem de côr
Sou de lá já sou de cá
Vou, não sei p’ra onde
Com o vento que já sopra
Ora p’ra lá, ora p’ra cá
Sou filho disto
Sou filho daquilo…
Sou filho do vento
Sou filho deste mundo.
Costa Neto
Músico compositor,
intérprete e produtor. Natural de Moçambique. Residente em Portugal
https://editoraurutau.com.br/ |
A antologia de poesia VOLTA PRA TUA TERRA reúne as seguintes vozes de migrantes a
residir em Portugal:
Amanda Vital, Ana Luiza Tinoco, Ana Paula Vulcão,
Bruna Carolina Carvalho, Carla Muhlhaus, Carol Braga, Costa Neto, Daniel Cruz,
Danilo Cardoso, Delmar Maia Gonçalves, Duda Las Casas, Dulce Semedo, Elizabeth
Olegario, Ellen Lima, Etivaldo Camala, Flávio Catelli, Francisco Mateus,
Francisco Welligton Barbosa Jr, Gabriela Carvalho, Gahbe, Hilda de Paulo / Mãe
Paulo, Huggo Iora, Irma Estopiñà, Ivan Braz, Jamila Pereira, Jaqueline
Arashida, Jean D. Soares, Jorgette Dumby, Juliano Mattos, Laura Beaujour, Leidy
Rocio Anzola Chaparro, Luca Argel, Luciana Pontes, Luciana Soares, Mai Zenun,
Maria Giulia Pinheiro, Mariana Dorigatti, Marianna Serrano, Monise Martinez,
Murilo B. Lense, Murilo Guimarães, Noemi Alfieri, Ronaldo Cagiano, Salazar
Crioulo, Samara Azevedo, Samara Ribeiro, Sylvia Damiani, Vum-Vum Kamusasadi.
Fonte: “3 poemas de
V̶O̶L̶T̶A̶ PRA TUA TERRA: Uma antologia antirracista/antifascista de poetas
estrangeirxs em Portugal”. Redação shifter.sapo.pt, 22/01/2021.
CARREIRO, José. “Antologia
antirracista e antifascista de poetas estrangeiros em Portugal”. Portugal, Folha
de Poesia, 27-01-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/01/antologia-antirracista-e-antifascista.html
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