sexta-feira, 3 de março de 2023

Bocas roxas de vinho, Ricardo Reis

  

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Bocas roxas de vinho,
Testas brancas sob rosas,
Nus, brancos antebraços
Deixados sobre a mesa:

Tal seja, Lídia, o quadro
Em que fiquemos, mudos,
Eternamente inscritos
Na consciência dos deuses.

Antes isto que a vida
Como os homens a vivem,
Cheia da negra poeira
Que erguem das estradas.

Só os deuses socorrem
Com seu exemplo aqueles
Que nada mais pretendem
Que ir no rio das coisas.

 

Ricardo Reis, Poesia. Lisboa, Assírio & Alvim. 2000

 

Proposta de comentário textual

Elabore um comentário do poema que integre o tratamento dos seguintes tópicos:

- oposição homens / deuses;

- relevância das formas verbais escolhidas;

- recursos estilísticos mais importantes;

- integração no universo poético de Ricardo Reis.

 

Explicitação de cenários de resposta

Oposição homens/deuses

Os homens vivem a vida «Cheia da negra poeira» (v. 11) na sucessão dos dias, ao passo que os deuses têm a eternidade como característica própria. A esta oposição entre temporalidade e intemporalidade liga-se outra, a que se estabelece entre a agitação dos homens e a imobilidade dos deuses.

Por outro lado, o «exemplo» (v. 14) dos deuses funciona, em relação aos homens, como um ideal de vida feliz, procurando estes «ir no rio das coisas» (v. 16), como se esperassem conseguir uma síntese entre o movimento da vida e a imobilidade eterna.

Em suma, é sobre a oposição homens / deuses que se constrói o fundamental do sentido do poema, como se os deuses não fossem senão homens perfeitos e os homens tendessem para assumir eles próprios a qualidade de deuses, num processo que aproxima uns e outros e os torna semelhantes.

 

Relevância das formas verbais escolhidas

Há a presença de um verbo em forma nominal na primeira quadra, «Deixados», o que tem a ver com o seu descritivismo. Depois, o «quadro» descrito é dado a ver na segunda quadra, por intermédio de duas formas do presente do conjuntivo, como uma imagem capaz de simbolizar aquela vida perfeita a que se deve aspirar. O presente do indicativo, que é usado nas restantes duas quadras, aponta para aspetos que justificam o preceito moral que o «quadro» inicialmente apresentado sugere.

 

Recursos estilísticos mais importantes

A primeira quadra constitui uma imagem (ou hipotipose, ou quadro) que assenta na harmonização das cores, o roxo e o branco, que, por sua vez, se opõem ao negro da imagem da terceira quadra. A segunda quadra, por uma oposição simétrica àquela que ocorre entre a primeira e a terceira, vai relacionar-se com a quarta quadra - sendo os deuses, o pólo comum a ambas, testemunhas da quietude feliz (segunda quadra) e mestres do «ir no rio das coisas» (quarta quadra) - numa antítese imobilidade / movimento.

Destacam-se, ainda, os seguintes recursos estilísticos:

- a adjetivação anteposta ao nome, dupla («Nus, brancos antebraços», v. 3) ou simples («negra poeira», v. 11);

- a metáfora («negra poeira», v. 11; «rio das coisas», v. 16);

- a comparação («Antes isto que a vida/ Como os homens a vivem», vv. 9-10);

- …

 

Integração no universo poético de Ricardo Reis

A conceção dos deuses como um ideal do humano é uma das marcas gerais da poesia de Ricardo Reis; outras serão a referência à filosofia epicurista e ao seu mote essencial, carpe diem, e a referência à filosofia estoica e à sua ideia de ataraxia, um tipo de tranquilidade (imobilidade e mudez, neste poema) que consiste na moderação com que se vive o prazer; o tempo é também um tema fulcral, entendido como o ritmo das coisas naturais - e, portanto, um tempo cíclico, o «ir no rio das coisas» - mas também como o instante perfeito que é preciso sentir na sua singularidade frágil e preciosa. De acordo com o seu credo classicista, Ricardo Reis aspira sempre à elevação e à harmonia, quer do ponto de vista estilístico, quer do ponto de vista moral.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 134. 12.º Ano de Escolaridade - Via de Ensino (4.º curso). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, 2002, 1.ª fase, 2.ª chamada

 

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Outra proposta de comentário textual

Elabore um comentário do poema que integre o tratamento dos seguintes tópicos:

- relação entre «nós» (sujeito poético e Lídia) e «os homens»;

- papel desempenhado pelos «deuses»;

- aspetos formais e recursos estilísticos relevantes;

- presença de traços da poética de Ricardo Reis.

 

Observação:

Relativamente ao terceiro tópico, são exigidos dois aspetos formais e dois recursos estilísticos.

 

Comentário escrito de um texto literário - explicitação dos critérios de classificação

O comentário de um texto literário orientado por tópicos de análise visa avaliar as competências de compreensão e de expressão escritas.

Ao classificar o comentário elaborado pelo examinando, o professor deverá observar o domínio das seguintes capacidades:

- compreensão do sentido global do texto;

- interpretação do texto através da identificação e da relacionação dos elementos textuais produtores de sentido, na base de informação explícita e de inferências;

- seleção diversificada de elementos textuais pertinentes e adequados ao desenvolvimento dos tópicos enunciados;

- identificação de processos retóricos/estilísticos e de aspetos formais, com avaliação dos efeitos de sentido produzidos;

- relacionação do objeto em análise com o seu contexto;

- construção de um texto estruturado, a partir da articulação dos vários aspetos analisados;

- produção de um discurso correto nos planos lexical, morfológico, sintático e ortográfico.

 

Explicitação de cenários de resposta

Relação entre «nós» (sujeito poético e Lídia) e «Os homenu

Existe uma relação de oposição na medida em que o «nós» é representado:

- com uma atitude de torpor, de ausência de movimento («antebraços/ Deixados sobre a mesa», «Tal seja, Lídia, o quadro/ Em que fiquemos» - vv. 3-4 e 5-6), que contrasta com «a vida/ Como os homens a vivem» (vv. 9-10);

- com tonalidades coloridas («roxas», «brancas», «rosas» - vv. 1-2), que se opõem à imagem cromática associada aos «homens»: o negro da «poeira / Que erguem das estradas» (vv. 11-12);

- com atitudes de imobilidade, de contemplação, de mutismo, de quietude tranquila e até de abandono, que, aproximando o «nós» dos «deuses», o afastam do movimento da vida dos «homens», da dor provocada pela agitação e pelo conflito («Cheia da negra poeira/ Que erguem das estradas» -vv. 11-12);

- …

 

Papel desempenhado pelos «deuses»

Tendo como características específicas a eternidade e a intemporalidade, os «deuses» funcionam como um «exemplo», um ideal para os homens. Porém, as divindades apenas ajudam {«Só [...] socorrem») «aqueles» cuja quietude feliz testemunharam e que, cautelosos, <<nada mais pretendem» que fruir o instante, deixando-se «Ir no rio das coisas», ou seja. aceitando calmamente o Fatum. Assim, «aqueles» vivem serenamente, de forma similar à dos deuses - seguindo o seu «exemplo» -, pelo que ficam «Eternamente inscritos/ Na [sua] consciência» (vv.7-8).

 

Aspetos formais e recursos estilísticos relevantes

De entre os recursos estilísticos, destacam-se os seguintes:

- a adjetivação simples, por posposição ao nome («Bocas roxas», «Testas brancas» - vv. 1-2), e a adjetivação dupla e simples, por anteposição ao nome («Nus, brancos antebraços», «negra poeira» - vv. 3 e 11 ), contribuindo para a descrição dos elementos que compõem o «quadro»;

- a imagem (ou hipotipose, ou «quadro», como é sintetizado no verso 5) presente na primeira quadra, representando o «nós» num ambiente belo e harmonioso nas cores;

- a comparação («Antes isto que a vida/ Como os homens a vivem» - vv. 9-10), estabelecendo a oposição entre «nós» e «os homens» quanto ao modo de viver;

- as metáforas («a vida [...] Cheia da negra poeira», «rio das coisas» - vv. 9, 11 e 16), evidenciando o carácter negativo da existência e o fluir inevitável do tempo;

- as formas verbais no presente do conjuntivo (segunda quadra), modo de representação do desejo e do hipotético, indicando a vida perfeita a que se deve aspirar; no presente do indicativo (terceira e quarta quadras), modo de expressão do real, salientando traços da existência humana e da atitude divina que fundamentam a opção tomada anteriormente pelo sujeito poético (primeira quadra);

- o recurso aos dois pontos no fim da primeira quadra, sublinhando uma intenção explicativa;

- o hipérbato (cf. vv. 13-16), que marca a relação de identificação entre os «deuses» e «aqueles»;

- …

Quanto aos aspetos formais, temos:

- esquema estrófico regular, constituído por quatro quadras;

- ausência de rima;

- presença de encavalgamentos (enjambements)-w. 3-4, 7-8; 11-12, 14-15-16;

- …

Nota - Para a atribuição da cotação referente ao conteúdo deste tópico, é considerada suficiente a apresentação de quatro elementos, sendo obrigatoriamente indicados dois recursos estilísticos e dois aspetos formais. […]

 

Presença de traços da poética de Ricardo Reis

O poema evidencia alguns traços representativos da poética de Ricardo Reis. Assim:

- a defesa de uma filosofia estoico-epicurista, postuladora de tranquilidade e de ataraxia, do gozo moderado do prazer, tendo como mote o carpe diem; Reis evita o sofrimento que decorre do excesso das emoções, contentando-se em fruir o instante, gozando assim a margem de felicidade passivei (cf. vv. 1-8);

- a recusa da dor inerente à luta do homem contra as limitações próprias da condição humana e terrena (cf. vv. 9-12) e a aceitação do carácter inexorável do tempo (cf. v. 16);

- a conceção dos deuses como um ideal do humano, apontando o caminho da elevação e da harmonia estética e moral (cf. vv. 13-16);

- …

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 138. 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Curso Geral - Agrupamento 4. Prova Escrita de Português A. Portugal, GAVE – Gabinete de Avaliação Educacional, 2005, 1.ª fase


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Questionário sobre o poema “Bocas roxas de vinho”, de Ricardo Reis.

1. Caracterize a relação que o sujeito poético estabelece com o destinatário do poema, Lídia. Comprove as suas afirmações com citações.

2. Explicite o valor simbólico da referência à “negra poeira” que os homens “erguem das estradas”.

3. Indique os versos que apontam para a relação do sujeito poético com o tempo e defina-a.

4. Refira o valor semântico do vocabulário empregue nas duas primeiras quadras, relacionando as expressões “bocas roxas”, “Testas brancas”, “Nus, brancos antebraços” com as formas verbais “deixados” e “fiquemos”.

5. Sintetize a filosofia de vida expressa no poema.

 

Chave de correção:

1. Lídia, a companheira de “viagem” de Reis, é a destinatária deste poema, a quem o sujeito poético ensina a conter qualquer atitude emotiva (“fiquemos, mudos”). Assim, a relação que Reis estabelece com Lídia é marcada pela contenção, pela aceitação do destino inexorável (“Eternamente inscritos/Na consciência dos deuses.”), deixando-se “ir no rio das coisas”, ou seja, demitindo-se de (recusando) qualquer esforço para alterar o curso natural da vida (passividade). Reis preconiza uma vivência horaciana, próxima do “carpe diem” expressa em toda a primeira estrofe, num quadro que ele pinta com as “tintas” dos deuses.

2. A metáfora “negra poeira” encerra um sentido duplamente negativo: “negra”, enquanto dolorosa, e “poeira”, enquanto resíduo inútil. Deste modo, a “negra poeira” que os homens “erguem das estradas” simboliza a inutilidade de qualquer esforço humano no seu percurso existencial.

3. Na poética de Reis, a relação com o tempo é definida pela consciência da precariedade e fugacidade da vida, o que o leva a deixar-se “ir no rio das coisas.” (v. 16) (passividade), sem nada mais exigir, seguindo o exemplo de “aqueles/Que nada mais pretendem” (vv. 14-15).

4. O vocabulário empregue nessas duas quadras apela claramente às sensações — “bocas roxas”, “Testas brancas”, “Nus, brancos antebraços” — num convite a viver o momento como um “quadro” mudo, em que ambos se abandonam ao prazer comedido (contido); esta ideia de abandono e contenção é expressa pelas formas verbais “deixados”e “fiquemos”.

5. Retomando tudo o que anteriormente foi referido, este poema é exemplo de uma filosofia de vida epicurista eivada de estoicismo: Reis convida Lídia a gozar suavemente o presente — o Momento — sem nada mais exigir que a sua fruição.

 

Fonte: Testes de Avaliação, Português 12.ºAno, Livro do Professor – Abordagens, Zaida Braga, Auxília Ramos, Elvira Pardinhas. Porto Editora, 2005, pp. 10 e 24


quinta-feira, 2 de março de 2023

A palidez do dia é levemente dourada. (Ricardo Reis)

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A palidez do dia é levemente dourada.
O sol de inverno faz luzir como orvalho as curvas
                Dos troncos de ramos secos.
                O frio leve treme.

Desterrado da pátria antiquíssima da minha
Crença, consolado só por pensar nos deuses
                Aqueço-me trémulo
                A outro sol do que este –

O sol que havia sobre o Pártenon1 e a Acrópole2
O que alumiava os passos lentos e graves
                De Aristóteles3 falando.
                Mas Epicuro4 melhor

Me fala, com a sua cariciosa voz terrestre
Tendo para os deuses uma atitude também de deus,
               Sereno e vendo a vida
               À distância a que está.

 

19-6-1914

Ricardo Reis, Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000


_________

1 Pártenon: templo da deusa Atena, erguido na acrópole da cidade de Atenas no século V a.C.

2 Acrópole: parte mais alta das antigas cidades gregas, em Atenas consagrada à deusa Atena; recinto sagrado onde se situavam os templos dos deuses protetores da cidade.

3 Aristóteles: filósofo grego (384-322 a.C.).

4 Epicuro: filósofo grego (341-270 a.C.).

 

 

Elabore um comentário do poema que integre o tratamento dos seguintes tópicos:

- modos de representação da natureza;

- importância simbólica do «outro sol»;

- aspetos formais e recursos estilísticos relevantes;

- traços caracterizadores do sujeito poético.

 

O comentário de um texto literário orientado por tópicos de análise visa avaliar as competências de compreensão e de expressão escritas.

Ao classificar o comentário elaborado pelo examinando, o professor deverá observar o domínio das seguintes capacidades:

- compreensão do sentido global do texto;

- interpretação do texto através da identificação e da relacionação dos elementos textuais produtores de sentido, na base de informação explícita e de inferências;

- seleção diversificada de elementos textuais pertinentes e adequados ao desenvolvimento dos tópicos enunciados;

- identificação de processos retóricos/estilísticos e de aspetos formais, com avaliação dos efeitos de sentido produzidos;

- relacionação do objeto em análise com o seu contexto;

- construção de um texto estruturado, a partir da articulação dos vários aspetos analisados;

- produção de um discurso correto nos planos lexical, morfológico, sintático e ortográfico.

 

 

Explicitação de cenários de resposta

Os cenários de resposta que a seguir se apresentam consideram-se orientações gerais, tendo em vista uma indispensável aferição de critérios. Não deve, por isso, ser desvalorizada qualquer interpretação que, não coincidindo com as linhas de leitura apresentadas, seja julgada válida pelo professor.

 

Modos de representação da natureza

A natureza é representada do seguinte modo:

- um dia de inverno de tonalidade clara («A palidez do dia»), ténue e doce, mas que, matizado pela luz ainda assim brilhante («levemente dourada») do «sol», sugere uma temperatura amena que, todavia, não o é («O frio leve treme.» - v. 4); trata-se, pois, de um bonito dia de Inverno cuja qualidade luminosa não anula o «frio» ambiente, mas em que sobressai a vibração da luz;

- uma vegetação despida de folhagem, própria da estação, que parece revivificar-se quando sobre ela incidem os raios solares («O sol [...] faz luzir como orvalho as curvas / Dos troncos de ramos secos.» - w. 2-3);

- …

 

Importância simbólica do «outro sol»

A importância simbólica do «outro sol» tem a ver com:

- a sua natureza mítica, uma vez que simboliza a cultura da Grécia Antiga por ele iluminada. (cf. w. 8-11: «o Pártenon e a Acrópole»; «alumiava os passos lentos e graves / De Aristóteles»);

- o facto de representar os valores da Grécia Antiga, tornando-se, assim, uma imagem tranquilizadora a que o «eu» se acolhe, rejeitando o desconforto de um presente cujo «sol» não aquece («Aqueço-me trémulo / A outro sol do que este» - w. 7-8);

- a presença viva de um passado habitado pelos deuses e por filósofos, sobretudo Epicuro, que aos deuses se compara na serenidade;

- …

 

Aspetos formais e recursos estilísticos relevantes

Quanto aos recursos estilísticos, salientam-se, entre outros, os seguintes:

- a adjetivação profusa, simples («dourada», «secos», «leve», «Desterrado», «antiquíssima», «consolado», «trémulo», «sereno») e dupla («lentos e graves», «cariciosa voz terrestre» - recorrendo, neste caso, à anteposição e posposição do adjetivo), caracterizando expressivamente o espaço, o tempo, as emoções do «eu» e as atitudes dos filósofos;

- a personificação («A palidez do dia», «O frio leve treme»), pondo em evidência a qualidade da luz e do frio;

- a comparação («O sol de inverno faz luzir como orvalho as curvas / Dos troncos de ramos secos.»), dando relevo ao efeito de metamorfose criado pela luz solar;

- o uso predominante de formas verbais do presente do indicativo (<<é», «faz», «treme», «Aqueço-me», «Me fala», «está»), marcando claramente o tempo da enunciação como atual (nas duas primeiras estrofes) e apontando para uma fusão do tempo passado no presente (cf. última estrofe); o recurso ao imperfeito do indicativo («havia», «alumiava») como forma de presentificação do passado; e as formas gerundivas («falando», «Tendo», «vendo»), expressando as acções enquanto elas decorrem;

- a metáfora «outro sol», convocando a cultura helénica como um tempo/lugar distante («pátria antiquíssima»);

- …

 

Quanto aos aspetos formais, temos:

- esquema estrófico regular, constituído por quatro quadras;

- oscilação métrica, mas mantendo a regularidade da alternância entre versos longos (os dois primeiros de cada estrofe) e versos curtos (os dois últimos da estrofe);

- encavalgamentos (enjambements) - vv. 2-3, 5-6, 10-11, 12-13;

- …

Nota - Para a atribuição da totalidade da cotação (2 + 13) referente ao conteúdo deste tópico do comentário, é considerada suficiente a apresentação de quatro elementos, distribuindo-se obrigatoriamente pelas duas categorias, recursos estilísticos e aspetos formais.

 

Traços caracterizadores do sujeito poético

O sujeito poético autocaracteriza-se como alguém que:

- se encontra exilado, separado do mundo e do tempo nos quais imperaram os valores por si respeitados («Desterrado da pátria antiquíssima da minha / Crença» - vv. 5-6);

- se refugia no pensamento pagão para superar a privação da «pátria antiquíssima» («consolado só por pensar nos deuses»): encara, assim, o «outro sol» como um elemento reconfortante, tranquilizador e protetor («Aqueço-me trémulo»);

- é conhecedor e admirador da cultura da Grécia Antiga, salientando locais sagrados emblemáticos (de Atenas) e filósofos como Aristóteles e Epicuro;

- segue a «cariciosa voz terrestre» de Epicuro, que «melhor» lhe «faia» que a de Aristóteles, valorizando a sua atitude humana mas também a sua impassibilidade divina (cf. vv. 13-14), o seu estar «Sereno» e a capacidade de ir «vendo a vida / À distância a que está»;

- é, em suma, um epicurista que, como tal, valoriza a vivência calma e distanciada do presente;

- …

 

(Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário. 12.º Ano de Escolaridade (Dec.-Lei nº 286/89, de 29 de agosto). Curso Geral – Agrupamento 4. Prova Escrita de Português A nº 138 - Recurso. Portugal, GAVE [IAVE], 2003)

 

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Texto de apoio 

O Misérrimo Desterro 

Tal como a impossibilidade de obter a calma e a liberdade de antigamente o força a buscar a ilusão de cada uma dessas coisas, a impossibilidade de buscar a felicidade há de certamente conduzi-lo a buscar a ilusão disso. Em certo sentido, é isso que é tentado através da consolação de pensar nos deuses de que dá conta a ode “A pallidez do dia é levemente dourada” (BNP 51-10r), uma ode escrita logo a 19 de junho de 1914.

A modernidade em que Reis nasceu é aqui associada ao frio e à palidez de um dia iluminado por um “sol de inverno”, por contraste com o dia mais quente e mais brilhante que caracteriza a “patria antiquissima” de que está desterrado. Sendo a felicidade que não pode alcançar equiparada, portanto, ao calor e à claridade do Verão, a ilusão da felicidade, que é tudo o que pode buscar nas condições presentes, deve poder ser obtida por qualquer fonte de calor ou claridade que se crie artificialmente. Tal artifício não é, pelo menos nesta ode, idêntico àquele de que falei no capítulo anterior. Não obstante o calor providenciado pela proximidade do fogo, o prazer de ficar à lareira relacionava-se, nesse caso, sobretudo com as histórias antigas que nessas condições se contariam. Não é, de todo, o que está aqui a ser insinuado, até porque o tópico da ode não é, como nesse caso, a relação entre a liberdade e a inconsciência da juventude, mas a relação entre a felicidade e as condições propiciadas pela pátria antiga para que ela se pudesse buscar. Neste sentido, é importante verificar a afinidade entre o consolo facultado pela estratégia de pensar nos deuses, apresentado como solução para o desterro logo no segundo verso da segunda estrofe, e o que é dito no resto da ode, sobretudo a respeito do comportamento divino com que a serenidade de Epicuro é descrita.

Tal como o frio em que consiste viver “desterrado da patria antiquissima da minha /crença” requer o calor do consolo de “pensar nos deuses”, não viver sob um sol que o aqueça requer a criação de um que o faça. O sol que Ricardo Reis assim cria é “o sol que havia sobre o Parthenon e a Acropole”, o mesmo sol que “alumiava os passos lentos e graves / de Aristoteles fallando”. Não é decerto casual que Reis lembre Aristóteles, dado que o assunto em análise é o da felicidade. A referência a Aristóteles, no entanto, tão depressa aparece como desaparece: Reis sabe que a proposta aristotélica não lhe interessa e que, na verdade, fora pela noção de felicidade epicurista que invocara o sol antigo. Epicuro fala-lhe melhor do que Aristóteles, como o afirma na transição da penúltima para a última estrofe, precisamente porque a sua voz lhe é mais “cariciosa” e “terrestre” (RR 101), isto é, porque o consolo que há na serenidade e na indiferença proposta por Epicuro não dispensa um certo tipo de prazer. Enquanto epicurista, Reis pretende extrair prazer do sol que cria para se aquecer; a ilusão da felicidade assim criada não serve apenas para suportar o conhecimento tenebroso de que não é possível ser feliz.

Há no consolo de “pensar nos deuses”, por isso, um comprazimento idêntico ao consolo providenciado pela serenidade e pela indiferença epicurista. Pensar nos deuses é criar o sol que o aquece porque, de acordo com a doutrina epicurista, pensar nos deuses sem outra intenção que não seja pensar neles é ter “para os deuses uma atitude tambem de deus”, exatamente aquilo que, na última estrofe, Reis afirma sobressair quer da serenidade exibida por Epicuro ao falar, quer da indiferença com que vê “a vida / á distancia a que está”. Mais uma vez, parece existir uma coincidência entre a ética estoica e a ética epicurista. Se o desterro e o frio da época em que Reis vive lhe impõem a atitude estoica de se consolar pensando nos deuses, a ataraxia em que essa atitude consiste aproxima-o dos deuses, como Epicuro, permitindo-lhe assim comprazer-se na ilusão do regresso à pátria e do calor com que se aqueça142. Não é por acaso, de resto, que o esforço de criação de um sol alternativo é dado pela antítese “aqueço-me trémulo” (RR 101): sendo esse sol a que se aquece criado por si, Reis aquece-se continuando, porém, a tremer de frio; sendo essa felicidade meramente ilusória, alcança-a continuando, porém, a saber que é infeliz.

Enquanto velho lúcido, Reis possui a lucidez necessária com que recordar a lucidez da juventude. Não podendo voltar a ser jovem, dado o desterro em que se encontra, e não podendo, por isso, buscar a felicidade que buscaria noutras circunstâncias, Reis preserva, todavia, a lucidez da juventude. Apesar de não lhe permitir reaver a juventude, tal lucidez autoriza-o, pelo menos, a recriá-la artificialmente e a fingir, por conseguinte, a felicidade que a ela se associa. Que essa juventude seja recriada, a julgar pela ode ainda agora analisada, através do truque de pensar em deuses que o consolem, e que a felicidade inerente à juventude possa de algum modo ser fingida através da criação de um sol com o qual se possa aquecer, dá à estratégia uma vaga carga erótica.

 

Nuno Amado, Ricardo Reis, 1887-1936. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2016

__________

142 É este comprazimento, sempre presente em Reis, que me faz discordar da ideia de Luís de Oliveira e Silva de que “Reis é possuído pelo ‘horror de morrer’ que o Fausto de Pessoa encarna, pelo timor mortis causado pela angustiosa impossibilidade da presciência humana” (Silva, 1985: 107).

 

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quarta-feira, 1 de março de 2023

Lisboa com suas casas de várias cores (Álvaro de Campos)

 



Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores...
À força de diferente, isto é monótono,
Como à força de sentir, fico só a pensar.

Se, de noite, deitado mas desperto
Na lucidez inútil de não poder dormir,
Quero imaginar qualquer coisa
E surge sempre outra (porque há sono,
E, porque há sono, um bocado de sonho),
Quero alongar a vista com que imagino
Por grandes palmares fantásticos,
Mas não vejo mais,
Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras,
Que Lisboa com suas casas
De várias cores.

Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.
À força de monótono, é diferente.
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.

Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa com suas casas
De várias cores.

11/5/1934

Álvaro de Campos, Poesia, edição de Teresa Rita Lopes, Lisboa, Assírio & Alvim, 2002, pp. 491-492.

 

Questionário sobre o poema “Lisboa com suas casas”, de Álvaro de Campos

1. Relacione o conteúdo do verso 7 com o dos primeiros seis versos do poema.

2. Na segunda estrofe, o sujeito poético manifesta o desejo de sonhar algo diferente da realidade.

Explicite o contexto em que ocorre a manifestação desse desejo, bem como a razão pela qual o sujeito poético não o consegue concretizar.

3. Tanto no verso 8 como no verso 22, são enunciados processos de transformação no sujeito poético, ambos associados a uma ideia de intensificação.

Explicite esses processos de transformação.

4. Selecione a opção de resposta adequada para completar a afirmação.

De entre os vários processos que contribuem para imprimir ritmo ao poema, destaca-se a presença, em simultâneo,

(A) de um esquema rimático fixo em todas as estrofes e da repetição de palavras em final de verso.

(B) da alternância entre versos longos e versos curtos e de anástrofes frequentes.

(C) de um esquema rimático fixo em todas as estrofes e de anástrofes frequentes.

(D) da alternância entre versos longos e versos curtos e da repetição de palavras em final de verso.

 

Critérios específicos de classificação

1. Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

− a repetição, quase obsessiva, da representação de Lisboa com as suas casas de várias cores (vv. 1 a 6) leva o sujeito poético a associar o adjetivo «diferente» (v. 7) à paisagem que perceciona;

− a constância/persistência dessa regularidade conduz, todavia, à ideia expressa pelo adjetivo «monótono» (v. 7), evidenciando um sentimento de tédio.

2. Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

− o desejo do sujeito poético ocorre na solidão insone da noite, momento de lucidez propício ao pensamento e ao devaneio/sonho;

− o sujeito poético não consegue concretizar o seu desejo, pois a realidade prevalece sobre o sonho, como se a imagem de «Lisboa com suas casas/De várias cores» estivesse gravada no seu íntimo («Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras» v. 17).

3. Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

− no verso 8, a intensificação das emoções («À força de sentir») conduz ao pensamento / à intelectualização das emoções / à racionalização;

− no verso 22, a intensificação da consciência («à força de ser eu») conduz à inconsciência / à não consciência de si / à anulação do «eu».

4. Chave: (D)

 

Fonte: Exame Final Nacional de Português n.º 639 – 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho | Decreto-Lei n.º 27-B/2022, de 23 de março). Portugal, IAVE– Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2022, Época Especial

 

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terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Trapo: O dia deu em chuvoso (Álvaro de Campos)

 


TRAPO

 

O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.
Antecipação? tristeza? coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Bem sei: a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser suscetível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Deem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros – isso tenho eu em mim.
Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? afetos? São memórias…
É preciso ser-se criança para os ter…
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer…
Quando foi isso? Não sei…
No azul da manhã…

O dia deu em chuvoso.

 

Álvaro de Campos, Poesia, edição de Teresa Rita Lopes, Lisboa, Assírio & Alvim, 2002

 

Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Relacione o estado de espírito do sujeito poético com as condições meteorológicas referidas na primeira estrofe.

2. Interprete o sentido dos versos 8 a 13.

3. Explique a importância da referência às memórias da infância nos versos 20 a 27.

4. Indique quatro dos processos que contribuem para marcar o ritmo do poema, fundamentando a resposta com elementos do texto.

 

Explicitação de cenários de resposta.

(As respostas podem contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.)

 

1. Na primeira estrofe do poema, a relação entre o estado de espírito do sujeito poético e as condições meteorológicas evolui de uma relação de contraste para uma relação de semelhança:

– no início do dia, o estado de espírito do sujeito poético é de alguma tristeza (v. 4), mas o céu azul indicia alegria (v. 2);

– no decurso do dia, há uma evolução das condições meteorológicas («O dia deu em chuvoso» – vv. 1, 3 e 7), tornando-se mais parecidas com o estado de tristeza do sujeito poético.

2. Nos versos 8 a 13, o sujeito poético assume uma opinião que diverge da opinião dos outros relativamente ao conceito de elegância associado ao estado do tempo:

– os outros consideram que o tempo chuvoso é elegante e o sol vulgar e desagradável;

– o sujeito poético é indiferente a essa ideia de elegância, preferindo inequivocamente o sol e o céu azul, já que para tempo chuvoso basta o do seu mundo interior.

3. A referência às memórias da infância permite realçar o contraste entre um passado feliz e um presente infeliz.

A impossibilidade de recuperar o bem perdido da infância, metaforizada em «madrugada perdida» e «céu azul verdadeiro» (v. 22), acentua a infelicidade sentida no momento presente. De facto, os afetos, que fazem parte das memórias da infância do sujeito poético, contrastam dolorosamente com um presente opaco e triste, que se associa metaforicamente ao dia chuvoso.

4. A resposta pode contemplar os aspetos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.

O ritmo do poema é marcado pela utilização de processos como:

– a repetição do verso «O dia deu em chuvoso» (vv. 1, 3, 7, 19, 23 e 28), que funciona como um refrão;

– a anáfora (vv. 8-10);

– a enumeração (vv. 5, 13 e 20);

– as repetições lexicais em final de verso (vv. 4 e 6; 8-11; 14 e 16);

– a irregularidade métrica;

– a alternância entre frases longas e frases curtas;

– as pausas no interior dos versos.

 

Fonte: Exame Nacional de Português n.º 639 - 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Portugal, IAVE– Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2013, Época Especial





Texto de apoio: O significado de verso do poema Trapo (Álvaro de Campos)

 

No poema “Trapo”, de Álvaro de Campos, qual o significado do verso «Até amaria o lar, desde que o não tivesse»?

Questão colocada por Sónia Martins  Estudante  Lisboa, Portugal

Resposta:

Importa lembrar que não se pode isolar um excerto, ou mesmo uma só palavra, de um texto literário, porque o seu sentido está intimamente ligado à totalidade do discurso poético.

Fazendo parte do 7.º verso da 2.ª estrofe — «Hoje quero só sossego. Até amaria o lar, desde que o não tivesse» — do poema Trapo, a frase «Amaria o lar, desde que não o tivesse» parece, à primeira vista, absurda, insólita, o que nos pode levar a considerá-la um paradoxo ou, usando a terminologia literária, um oxímoro. E talvez se deva à estranheza que tal frase provoca em qualquer leitor a dificuldade que a consulente sente em a interpretar.

Temos, em primeiro lugar, de ter em conta a forma como é iniciado o verso em que essa frase está inserida — «Hoje quero só sossego» —, uma frase assertiva, em que o sujeito poético evidencia claramente o seu desejo, que se resume a uma única vontade, o que está explícito pelo advérbio restritor só: sossego. Ora, essa atitude de «sossego» pressupõe a total ausência de inquietação, perturbação, ansiedade, ou seja, o não envolvimento em qualquer tipo de situação diferente da habitual. Aí está nitidamente expresso o desejo de entrega a uma passividade absoluta, a um estado tal de quietude  e de anulação de reacção que o leva(ria) a aceitar, a fazer concessões em relação a todo o tipo de situações, mesmo as mais improváveis, como é o caso da de «amar o lar».

E, para realçar a ideia de excecionalidade da concessão, o sujeito poético introduz essa frase com o advérbio até, preocupando-se em marcar bem a ideia de que «amar o lar» se encontraria no domínio do hipotético, de algo não real, pois utiliza a forma do condicional amaria, sem deixar de evidenciar que a existência de tal sentimento estaria intimamente ligada à certeza da impossibilidade da sua concretização.

Este jogo entre a verbalização de uma concessão e a sua anulação imediata — «desde que não o tivesse» — transparece a atitude irónica com que este sujeito poético encara o leitor e, naturalmente, a sociedade. Porque ele tem consciência do desconcerto que esta frase provoca no outro que a lê. Mas é precisamente essa a intenção deste sujeito poético: a de se afirmar como diferente, a de ostentar o seu desprezo pelas condutas e pelos códigos sociais, a de negar a sua identificação com os demais. Assim, o que para os outros é natural e desejável — ter um lar e amá-lo —, para ele, é algo desnecessário, inútil e, até mesmo, marca de infantilidade, de imaturidade.

Se analisarmos a estrofe seguinte, apercebemo-nos de que ele associa o carinho e o afeto às crianças, relegando a afetividade para o plano da imaturidade, da ingenuidade, de algo que não deseja para si e que despreza.

Eunice Marta, 10-02-2010

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/o-significado-de-verso-do-poema-trapo-alvaro-de-campos/27648 [consultado em 24-02-2023]


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