Gabriel Medina, fotografado por Jerome Brouillet, 29-7-2024 |
O POEMA
O poema vai e vem. E se demora
não quer dizer que seja demorado
mas que tem como tudo a sua hora
e como tudo é sempre inesperado.
Por muito que se espere não se espera.
Por mais que se construa é acaso e sorte.
Às vezes quando vem já foi ou era.
Porque assim é a vida. E assim a morte.
Por isso mesmo quando distraído
ninguém como o poeta é tão atento.
Ele sabe que de súbito há um sentido.
Vem como o vento. E passa como o vento.
07-07-2005
Manuel
Alegre, Doze Naus. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2007
De acordo com a leitura
do poema de Manuel Alegre, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira
ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.
1. O poema afirma que a
criação poética é algo previsível e controlado.
2. Segundo o poema, o poeta
é alguém que se distrai facilmente e, por isso, não percebe quando um poema
surge.
3. O verso "Por mais
que se construa é acaso e sorte" sugere que, apesar do esforço e do planeamento
na criação do poema, o resultado final pode depender de elementos imprevisíveis
e fortuitos.
4. No poema, a morte é
apresentada como um evento previsível, ao contrário da vida
5. O poeta, segundo o
poema, sabe identificar os momentos em que um poema pode surgir, mesmo que
esses momentos sejam súbitos e inesperados.
6. A expressão "O
poema vai e vem" sugere a natureza efémera e transitória da criação
poética.
7. De acordo com o poema, a
espera ativa pelo surgimento do poema é sempre recompensada.
8. O papel do poeta na
construção/criação do poema é estar atento para captar os sentidos que, sem
aviso, podem passar como o vento e aproveitar essas oportunidades.
9. O poeta deve estar
atento e sensível para perceber os momentos de inspiração e dar forma ao poema.
10. Manuel
Alegre escreveu sobre si próprio: "Se soubesse pintar (mas não sei) faria
o meu autorretrato a olhar para ontem, ou para dentro, ou para outro lado.
Distraído-concentrado, presente-ausente, um não sei que." (in http.www.manuelalegre.com). Podemos afirmar que Manuel
Alegre ao descrever-se
como “distraído-concentrado, presente-ausente,” reflete a sensibilidade do
poeta em relação aos sentidos e oportunidades que surgem inesperadamente.
11. A antítese é utilizada
no poema para contrastar a criação poética com a distração do poeta.
CORREÇÃO
1. Falso. O poema diz que o ato da criação poética "é sempre
inesperado."
2. Falso. O poema diz que "ninguém como o poeta é tão
atento" mesmo quando está distraído.
3. Verdadeiro.
4. Falso. A morte é apresentada como sendo tão inesperada quanto
a vida ("Porque assim é a vida. E assim a morte.").
5. Verdadeiro.
6. Verdadeiro.
7. Falso. O poema sugere que "Por muito que se espere não
se espera."
8. Verdadeiro.
9. Verdadeiro.
10. Verdadeiro.
11. Verdadeiro (A antítese é usada para mostrar que "quando
distraído / ninguém como o poeta é tão atento.")
Nazaré, © Jorge Leal |
INTERTEXTUALIDADE
SURF
De pé na frágil tábua
onda a onda ele escrevia
poesia sobre a água.
Era uma escrita tão una
de tão perfeita harmonia
que o que ficava na espuma
não se podia apagar:
era a própria grafia
do poema do mar.
Foz do Arelho, agosto
de 2001
Manuel
Alegre, Doze Naus. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2007
Niterói, Luiz Bhering |
Análise
comparativa entre “Surf” e "O poema", de Manuel Alegre
O poema “Surf” de Manuel
Alegre apresenta a figura do surfista como um criador que, de pé na sua frágil
tábua, escreve poesia sobre a água. Este ato de criar, mesmo que efémero,
resulta em algo harmonioso e perfeito, uma "grafia do poema do mar"
que, apesar de ser escrita na espuma, não se pode apagar.
O poema “Surf” pode ser visto
como o resultado de uma dessas visões inspiradoras que o sujeito poético em “O
poema” descreve: "Por isso mesmo quando distraído / ninguém como o poeta é
tão atento. / Ele sabe que de súbito há um sentido. / Vem como o vento. E passa
como o vento."
Em “O poema”, o sujeito
poético afirma que o poeta está atento ao que o rodeia porque sabe que “de
súbito há um sentido”. Esta atenção ao momento presente e a abertura para a
inspiração repentina é o que permite ao poeta captar e transformar uma visão ou
experiência passageira em arte.
No caso de “Surf”, a visão do
surfista escrevendo poesia sobre a água pode ter sido uma dessas inspirações
súbitas. A imagem do surfista, em perfeita harmonia com o mar, criando algo
belo e efémero, reflete a sensibilidade do poeta em captar e eternizar momentos
fugazes. Assim como o poeta em “O poema” percebe que “de súbito há um sentido”
e que a inspiração vem e passa como o vento, em “Surf” o ato de surfar torna-se
uma metáfora para a criação poética, em que cada movimento na onda é uma linha
de poesia escrita na espuma, uma manifestação momentânea de beleza e
significado que o poeta eterniza em palavras.
Portanto, “Surf” pode ser
entendido como uma concretização da ideia apresentada em “O poema”, onde o poeta,
atento e inspirado por uma visão súbita, captura a essência do momento e a
transforma em poesia.
A relação entre os dois poemas
pode também estar na ideia de atenção e sensibilidade necessárias para captar e
criar algo sublime e transitório. No poema “Surf”, o surfista representa essa
figura atenta que, mesmo num meio instável e passageiro como a água e a espuma,
consegue criar algo que transcende o tempo e o espaço, assim como o poeta em “O
poema”, que está sempre atento, mesmo quando distraído, captando e dando
sentido ao que é passageiro e efémero, como o vento. Neste sentido, ambos os
poemas enfatizam a ideia de que a criação artística, seja na forma de poesia ou
surf, é um ato de sensibilidade e atenção ao momento presente, capturando o
efémero e transformando-o em algo duradouro e significativo. A transitoriedade
do vento no poema “O poema” e a espuma no poema “Surf” simbolizam a natureza
fugaz da inspiração e da criação, que o poeta ou o surfista consegue eternizar
através da sua arte.
Nazaré, © Jorge Leal |