Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
Fernando
Pessoa, 23-07-1930
Fonte:
“O Pastor Amoroso”. Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando
Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa:
Presença, 1994, p. 108.
No poema “Agora que sinto
amor”, vemos como o amor faz desaprender “a aprendizagem de desaprender”, isto
é, faz “aprender” novamente. A perceção toma, então, o lugar da visão clara da
existência das coisas, e o perfume, a cor, sobrepõem-se às coisas em si. O amor
faz o interesse voltar-se ao perfume, do campo da perceção, em detrimento do
objeto. Isto é que é “novo” para o sujeito. Mais que isso, se antes a sensação
era sentida no aqui-agora; agora o que importa é a que está na memória
dos sentidos (“a respiração da parte de trás da cabeça”) – ele sente antes de
ver.
A visão perdeu a
preponderância sobre os outros sentidos. O olfato, sentido mais simples (e o
paladar, seu congênere), ligado ao irracional e ao animal (sexual, instintivo)
é que assume o papel principal.
Pedro dos Santos, Do
signo, do olhar e do funcionamento da linguagem poética de Alberto Caeiro,
heterônimo de Fernando Pessoa. Porto Alegre, UFRGS, 2013
PESSOA, Fernando, 1888-1935
Agora que sinto amor : [1º v.] /
[Alberto Caeiro].- 1930 Jul. 23.- 1 p. ; 27,3 x 21,3 cm
Nota(s):
Dactiloscrito a azul, com acrescentos autógrafos a tinta preta, incluindo no
final, dactiloscrito a vermelho, a menção "(examine very carefully)."
. - Parte do poema, muito emendado, está envolvido por traço a lápis que
culmina na indicação não autógrafa: "Retirar?", alterada depois para
"Retirado"; o mesmo lápis cancelou a composição precedente; no canto
superior direito, numeração não autógrafa a lápis vermelho "15"; na
margem esquerda "p. 101", a lápis, por A. Cruz . - Inclui, na parte
superior da página, dactiloscritos a azul, "Mother Paula - a applicação
local da Cruz de Guerra" : [inc.] e "E tudo é bello porque tu és
bella / (And all looks lovely in thy loveliness)", último verso do soneto
"Love's Blindness" de Austin (v. nota em "Poesia", Alberto
Caeiro, ed. lit. F. Cabral Martins e R. Zenith, Assírio e Alvim, 2001, p. 214),
cancelados a lápis; na metade inferior da página, dactiloscrito a vermelho,
"Todos os dias agora acordo com alegria e pena." : [1º v.]; e, no
final, um terceto autógrafo: "Quem ama é differente de quem é," : [1º
v.] . - Fragmento de folha de papel, com vincos de dobra in 4º, muito
deteriorada . - Publicado, sob o título geral "O Pastor Amoroso", em
"Poemas Completos de Alberto Caeiro", ed. lit. T. Sobral Cunha,
Presença, 1994, p. 108, incluindo em epígrafe "E tudo é bello porque tu és
bella".
BN
Esp. E3/67-67r
Disponível em: https://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/obras/bn-acpc-e-e3/bn-acpc-e-e3_item250/index.html
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- Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da
obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro. In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição) e Folha de
Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
CARREIRO, José. “Agora que sinto amor, Alberto Caeiro”. Portugal, Folha de Poesia, 30-10-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/10/agora-que-sinto-amor-alberto-caeiro.html
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