sábado, 30 de outubro de 2021

Agora que sinto amor, Alberto Caeiro


 


Agora que sinto amor

Tenho interesse no que cheira.

Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.

Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.

Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.

São coisas que se sabem por fora.

Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.

Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.

Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.

 

Fernando Pessoa, 23-07-1930

 

Fonte: “O Pastor Amoroso”. Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994, p. 108.

 

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No poema “Agora que sinto amor”, vemos como o amor faz desaprender “a aprendizagem de desaprender”, isto é, faz “aprender” novamente. A perceção toma, então, o lugar da visão clara da existência das coisas, e o perfume, a cor, sobrepõem-se às coisas em si. O amor faz o interesse voltar-se ao perfume, do campo da perceção, em detrimento do objeto. Isto é que é “novo” para o sujeito. Mais que isso, se antes a sensação era sentida no aqui-agora; agora o que importa é a que está na memória dos sentidos (“a respiração da parte de trás da cabeça”) – ele sente antes de ver.

A visão perdeu a preponderância sobre os outros sentidos. O olfato, sentido mais simples (e o paladar, seu congênere), ligado ao irracional e ao animal (sexual, instintivo) é que assume o papel principal.

 

Pedro dos Santos, Do signo, do olhar e do funcionamento da linguagem poética de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. Porto Alegre, UFRGS, 2013

 

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PESSOA, Fernando, 1888-1935

Agora que sinto amor : [1º v.] / [Alberto Caeiro].- 1930 Jul. 23.- 1 p. ; 27,3 x 21,3 cm

 

Nota(s): Dactiloscrito a azul, com acrescentos autógrafos a tinta preta, incluindo no final, dactiloscrito a vermelho, a menção "(examine very carefully)." . - Parte do poema, muito emendado, está envolvido por traço a lápis que culmina na indicação não autógrafa: "Retirar?", alterada depois para "Retirado"; o mesmo lápis cancelou a composição precedente; no canto superior direito, numeração não autógrafa a lápis vermelho "15"; na margem esquerda "p. 101", a lápis, por A. Cruz . - Inclui, na parte superior da página, dactiloscritos a azul, "Mother Paula - a applicação local da Cruz de Guerra" : [inc.] e "E tudo é bello porque tu és bella / (And all looks lovely in thy loveliness)", último verso do soneto "Love's Blindness" de Austin (v. nota em "Poesia", Alberto Caeiro, ed. lit. F. Cabral Martins e R. Zenith, Assírio e Alvim, 2001, p. 214), cancelados a lápis; na metade inferior da página, dactiloscrito a vermelho, "Todos os dias agora acordo com alegria e pena." : [1º v.]; e, no final, um terceto autógrafo: "Quem ama é differente de quem é," : [1º v.] . - Fragmento de folha de papel, com vincos de dobra in 4º, muito deteriorada . - Publicado, sob o título geral "O Pastor Amoroso", em "Poemas Completos de Alberto Caeiro", ed. lit. T. Sobral Cunha, Presença, 1994, p. 108, incluindo em epígrafe "E tudo é bello porque tu és bella".

 

BN Esp. E3/67-67r

Disponível em: https://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/obras/bn-acpc-e-e3/bn-acpc-e-e3_item250/index.html


 

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Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro. In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição) e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html

 



CARREIRO, José. “Agora que sinto amor, Alberto Caeiro”. Portugal, Folha de Poesia, 30-10-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/10/agora-que-sinto-amor-alberto-caeiro.html


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