quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Descida aos Infernos, Miguel Torga

 

Tyler Miles Lockett, The Story of Orpheus and Eurydice



DESCIDA AOS INFERNOS

 

Desço aos infernos, a descer em mim.

Mas agora o meu canto não perfura

O coração da morte,

À procura

Da sombra

Dum amor perdido.

Agora

É o repetido

Aceno

Do próprio abismo

Que me seduz.

É ele, embriaguez noturna da vontade,

Que me obriga a sair da claridade

E a caminhar sem luz.

 

Ergo a voz e mergulho

Dentro do poço,

Neste moço heroísmo

Dos poetas,

Que enfrentam confiantes

O interdito

Guardado por gigantes,

Cães vigilantes

Aos portões do mito.

 

E entro finalmente

No reino tenebroso

Das minhas trevas.

Quebra-se a lira,

Cessa a melodia;

E um medo triste, de vergonha e assombro,

Gela-me o sangue, rio sem nascente,

Onde o céu, lá do alto, se reflete,

Inútil como a paz que me promete.

Miguel Torga, Orfeu Rebelde (1958)


 


I - Para responder a cada item, selecione a opção correta, de acordo com o sentido do texto.

1. No poema, o verso «Desço aos infernos, a descer em mim.» (v. 1), significa que

(a) o sujeito de enunciação está a passar por uma fase da sua vida difícil de suportar.

(b) o sujeito poético iniciou uma viagem exploratória ao caos de si mesmo.

(c) o "eupoético pretende aprofundar o conhecimento que tem de si próprio.

(d) o "eu” lírico, no momento da enunciação, se predispõe a iniciar um processo de introspeção que lhe sedoloroso.

 

2. O advérbio "agora" (v. 2) traduz

(a) a ancoragem da descida num tempo único.

(b) a iteração do processo de descida, embora em circunstâncias distintas.

(c) a continuação de um processo de descida iniciado anteriormente.

(d) a simultaneidade de processos de descida.

 

3. A palavra "canto" (v. 2) significa

(a) dor.

(b) voz.

(c) desejo.

(d) poesia.

 

4. No tempo presente,

(a) o sujeito rico, compelido por uma vontade taciturna, é inexoravelmente atraído para o abismo de si mesmo.

(b) o sujeito rico assiste a uma peleja entre o lado solar e o lado lunar de si mesmo.

(c) o sujeito lírico, inebriado, caminha inconscientemente por abismos obscuros.

(d) o sujeito rico é atraído pela sedução do desconhecido.

 

5. Na segunda estrofe,

(a) o eupoético imerge nas profundezas de si mesmo, temerário face ao interdito.

(b) o "eu' poético, no alvor da mocidade, enfrenta o interdito.

(c) o "eu" poético mergulha num poço guardado por gigantes e cães vigilantes.

(d) o "eu" poético, ao mergulhar no poço, fica aprisionado no mito.

 

6. No final do poema, a contemplação do eu interior

(a) é impedida pelo medo, pela vergonha e pelo assombro.

(b) lugar ao vazio do som e ao entorpecimento.

(c) espelha a imagem do "eu" rico no u.

(d) promete uma paz itil ao sujeito de enunciação.

 

7. O estado de espírito do sujeito rico não é realçado

(a) pelo contraste luz-sombra expresso no vocabulário.

(b) pela divisão tripartida do poema.

(c) pelo recurso à trica irregular.

(d) pela utilização recorrente do cavalgamento ("enjambement") e da aliteração.

 

8. Nos versos 12-13 «É ele, embriaguez noturna da vontade, / Que me obriga a sair da claridad, o constituinte sublinhado exerce a função sintática de

(a) complemento do nome.

(b) modificador restritivo.

(c) modificador apositivo.

(d) vocativo.

 

9. Em «(...) mergulho / Dentro do poço,» (w .15-16), o sujeito de enunciação recorre a

(a) uma hipérbole.

(b) um paradoxo.

(c) um oxímoro.

(d) um pleonasmo.

 

10. No verso 33 «Inútil como a paz que me promete.», o antecedente da palavra sublinhada é

(a) paz.

(b) alto.

(c) u.

(d) rio.

 

Chave de correção: 1.d; 2.b; 3.d; 4.a; 5.a; 6.b; 7.b; 8.c; 9.d; 10.c.

 

Tyler Miles Lockett, The Story of Orpheus and Eurydice


 

II - Leia os excertos que abaixo se transcrevem.

 

«Há outro paradoxo no amor: ele deve ser uma união, com a condição de cada um preservar a própria integridade. Faz com que dois seres estejam unidos e, contudo, permaneçam separados.»

Maria Lúcia Arruda et alii, Filosofando, Editora Moderna, 1986

 

Descida aos Infernos

Desço aos infernos, a descer em mim.

Mas agora o meu canto não perfura

O coração da morte,

À procura

Da sombra

Dum amor perdido.

Miguel Torga, Orpneu Rebelde

 

Partindo dos excertos apresentados, elabore uma reflexão sobre a vivência do Amor pelo ser humano. Escreva um texto devidamente estruturado, de duzentas a trezentas palavras.

 

Deve abordar pelo menos três dos seguintes tópicos:

  • o amor face à separação temporária e à separação definitiva do objeto amado;
  • o amor face à separação devida a fatores alheios ao indivíduo;
  • o amor como fator de desenvolvimento pessoal;
  • o amor fruto de uma visão subjetiva do objeto amado;
  • o amor como processo simbiótico entre dois seres;
  • cruzamentos entre amor e amizade.

 

(Fonte: Olimpíadas da Língua Portuguesa Ensino Secundário 2.ª Fase 2014. Portugal, Direção-Geral da Educação, https://www.dge.mec.pt/olimpiadas-da-lingua-portuguesa)

 


CARREIRO, José. “Descida aos Infernos, Miguel Torga”. Portugal, Folha de Poesia, 29-09-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/09/descida-aos-infernos-miguel-torga.html



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