Tyler Miles Lockett, The Story of Orpheus and Eurydice |
DESCIDA AOS INFERNOS
Desço aos infernos,
a descer em mim.
Mas agora o meu canto não perfura
O coração da morte,
À procura
Da sombra
Dum amor perdido.
Agora
É o repetido
Aceno
Do próprio abismo
Que me seduz.
É ele, embriaguez noturna
da vontade,
Que me obriga
a sair da claridade
E a caminhar sem luz.
Ergo a voz e mergulho
Dentro do poço,
Neste moço heroísmo
Dos poetas,
Que enfrentam confiantes
O interdito
Guardado por gigantes,
Cães vigilantes
Aos portões do mito.
E entro finalmente
No reino tenebroso
Das minhas trevas.
Quebra-se a lira,
Cessa a melodia;
E um medo triste, de vergonha e assombro,
Gela-me o sangue, rio sem nascente,
Onde o céu, lá do alto, se reflete,
Inútil como a paz que me
promete.
Miguel Torga, Orfeu Rebelde (1958)
I - Para responder a cada item, selecione
a opção correta, de acordo com o sentido do texto.
1. No poema, o
verso «Desço
aos infernos, a descer em mim.» (v. 1), significa que
(a) o sujeito de enunciação está a passar
por uma fase
da sua vida difícil de suportar.
(b) o
sujeito poético iniciou uma viagem exploratória ao caos de si mesmo.
(c) o "eu” poético pretende aprofundar o conhecimento que tem de si próprio.
(d) o "eu” lírico, no momento da enunciação, se predispõe a iniciar um processo de
introspeção que lhe será doloroso.
2. O advérbio "agora" (v. 2) traduz
(a) a ancoragem da descida num tempo único.
(b) a
iteração do processo
de descida,
embora em circunstâncias distintas.
(c) a continuação de um processo de descida iniciado anteriormente.
(d) a simultaneidade de processos de descida.
3. A palavra
"canto" (v. 2) significa
(a) dor.
(b) voz.
(c) desejo.
(d) poesia.
4. No tempo presente,
(a) o sujeito lírico, compelido por uma vontade taciturna, é inexoravelmente atraído para o abismo de si mesmo.
(b) o sujeito lírico assiste a uma peleja entre o lado solar e o lado lunar de si mesmo.
(c) o sujeito lírico, inebriado, caminha inconscientemente por abismos
obscuros.
(d) o sujeito lírico é atraído pela sedução do desconhecido.
5. Na segunda estrofe,
(a) o “eu” poético imerge
nas profundezas de si mesmo, temerário face ao interdito.
(b) o "eu' poético, no alvor da mocidade, enfrenta o interdito.
(c) o "eu" poético mergulha num poço guardado por gigantes e cães vigilantes.
(d) o "eu" poético, ao mergulhar no poço, fica aprisionado no mito.
6. No final do poema, a contemplação do eu
interior
(a) é impedida pelo medo, pela vergonha e pelo assombro.
(b) dá lugar ao
vazio do som e ao entorpecimento.
(c) espelha a imagem do "eu" lírico no céu.
(d) promete uma paz inútil ao sujeito de enunciação.
7. O estado de espírito do sujeito lírico não é realçado
(a) pelo contraste luz-sombra expresso no vocabulário.
(b) pela divisão tripartida do poema.
(c) pelo recurso à métrica irregular.
(d) pela utilização recorrente do cavalgamento ("enjambement") e da aliteração.
8. Nos
versos 12-13 «É ele, embriaguez noturna da vontade, / Que me obriga a sair da claridade», o constituinte sublinhado exerce a função sintática de
(a) complemento do nome.
(b) modificador restritivo.
(c) modificador apositivo.
(d) vocativo.
9. Em «(...) mergulho / Dentro do poço,» (w .15-16), o sujeito de enunciação recorre a
(a) uma hipérbole.
(b) um paradoxo.
(c) um oxímoro.
(d) um pleonasmo.
10. No
verso 33 «Inútil como a paz que me promete.», o antecedente da palavra sublinhada é
(a) paz.
(b) alto.
(c) céu.
(d) rio.
Chave de correção: 1.d; 2.b; 3.d; 4.a; 5.a; 6.b; 7.b;
8.c; 9.d; 10.c.
Tyler Miles Lockett, The Story of Orpheus and Eurydice |
II - Leia os excertos que abaixo se transcrevem.
«Há outro paradoxo no amor: ele deve ser uma união, com a condição de cada um
preservar a própria integridade. Faz com
que dois seres
estejam unidos e, contudo, permaneçam separados.»
Maria Lúcia Arruda
et alii, Filosofando, Editora
Moderna, 1986
Descida aos Infernos
Desço aos infernos, a descer em
mim.
Mas agora o meu canto não perfura
O coração da morte,
À procura
Da sombra
Dum amor perdido.
Miguel Torga, Orpneu Rebelde
Partindo dos excertos apresentados, elabore uma reflexão
sobre a vivência do Amor pelo ser humano. Escreva um
texto devidamente estruturado, de duzentas a trezentas palavras.
Deve
abordar pelo menos três dos seguintes
tópicos:
- o amor face à separação temporária e à separação definitiva do objeto amado;
- o amor face à separação devida a fatores alheios ao
indivíduo;
- o amor como fator de desenvolvimento pessoal;
- o amor fruto de uma
visão subjetiva do objeto amado;
- o amor como processo simbiótico entre
dois seres;
- cruzamentos entre amor e amizade.
(Fonte: Olimpíadas da
Língua Portuguesa Ensino Secundário 2.ª Fase 2014. Portugal, Direção-Geral da
Educação, https://www.dge.mec.pt/olimpiadas-da-lingua-portuguesa)
CARREIRO,
José. “Descida aos Infernos, Miguel Torga”. Portugal, Folha de Poesia,
29-09-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/09/descida-aos-infernos-miguel-torga.html
Sem comentários:
Enviar um comentário