Alda Lara
Poetisa angolana, Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque nasceu a 9 de junho de 1930, em Benguela.
Tendo vindo para Portugal muito nova, concluiu em Lisboa o ensino secundário. Distinguiu-se como aluna no Colégio de Paula Frassinetti da cidade de Sá da Bandeira - hoje Lubango - e no Liceu D. Maria Amália Vaz de Carvalho, em Lisboa, onde terminou o 7.º ano.
Começando por frequentar a Faculdade de Medicina de Lisboa, acabou o curso em Coimbra, onde apresentou uma tese sobre "Psiquiatria Infantil". Reconhecida no meio académico, esta tese proporcionou-lhe um convite para se especializar em Paris, para que depois ingressasse num estabelecimento psiquiátrico de Lisboa. Contudo, a sua dedicação e amor à Terra-Mãe impediu-a de responder a esta solicitação.
Irmã do escritor Ernesto Lara Filho,
casou-se com o escritor Orlando de Albuquerque, também médico de profissão, e frequentou, como muitos outros seus conterrâneos, a da Casa dos Estudantes do Império (CEI), onde desenvolveu imensa atividade.
Com uma grande ligação ao mundo literário, Alda Lara era reconhecida pela sua capacidade de declamação, cuja singularidade atraiu, entre outros, os poetas africanos. Assim, fez vários recitais em Lisboa e Coimbra, transformando estes lúdicos momentos em verdadeiros veículos de divulgação da poesia negra, até então ainda muito desconhecida.
Foi colaboradora de alguns jornais e revistas, nomeadamente do Jornal de Benguela, do Jornal de Angola, do ABC e Ciência e da revista Mensagem da CEI, da responsabilidade do Departamento Cultural da Associação dos Naturais de Angola (ANANGOLA). Nesta revista publicou, no número de abril de 1952, o poema "Rumo", dedicado ao falecido estudante e contista moçambicano João Dias.
Integrando a Geração da Mensagem, fortemente influenciada formal e tematicamente pela corrente Modernista de 1922 e pelo Neorrealismo português, a autora vai saciar-se nas origens do seu povo, descaracterizado por imposição da cultura colonial. Neste pretérito ancestral, metaforicamente designado por "Mãe África", a autora, assim como todos os "poetas mensageiros" vai encontrar a Alma da sua produção textual através da qual procura "despir-se" da camisa opressiva da história colonial. O drama dos contratados, a situação da mulher angolana, a repressão exercida sobre o uso das línguas nativas, o desejo de regressar, etc., são, por isso, temas recorrente se abordados de forma avassaladora: " Quando eu voltar/que se alongue sobre o mar/o meu canto ao Criador!/Porque me
deu a vida e o amor,/para voltar? / Ah! Quando eu voltar?/Hão de as acácias rubras,/a sangrar/numa verbena sem fim,/florir só para mim./E o sol esplendoroso e quente,/ o sol ardente,/há de gritar na apoteose do poente,/o meu prazer sem lei?/A minha alegria enorme de poder/enfim dizer:/Voltei!?".
Tendo sido publicada postumamente num volume de poesia e num caderno de contos pelo seu marido, Orlando de Albuquerque, a sua obra figura em diversas antologias, a saber: Antologia de poesias angolanas, Nova
Lisboa,1958; Amostra de poesia in Estudos Ultramarinos, n.º 3, Lisboa, 1959; Antologiada Terra Portuguesa -
Angola, Lisboa, s/d; Poetas Angolanos, Lisboa, 1962;Poetas e Contistas Africanos
, S. Paulo, 1963; Mákua 2, Antologia Poética , Sá da Bandeira, 1963; Contos Portugueses do Ultramar- Angola , 2.º volume, Porto,1969; Livros Póstumos: Poemas , Sá da Bandeira, 1966; Tempo de Chuva, Lobito, 1973.
Com uma atividade diversificada, fez também algumas conferências, uma das quais - "Conferência sobre problemas da Assistência Médica Missionária em África" - se encontra publicada, dada a sua importância e repercussão.
Depois da sua morte, a Câmara Municipal de Sá da Bandeira instituiu o Prémio Alda Lara para poesia.
Faleceu em Cambambe, no Kwanza-Norte, a 30 de janeiro de 1962.
Alda Lara in Artigos de apoio Infopédia [em linha]. Porto: Porto
Editora, 2003-2017. [consult. 2017-08-27]. Disponível na
Internet: https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$alda-lara
A ESCRITA
FEMININA NO PANORAMA
LITERÁRIO AFRICANO
EM LÍNGUA
PORTUGUESA
A produção
literária de autoria feminina ainda
é muito incipiente
nos países
africanos de língua
portuguesa. Isto constitui um paradoxo , já que durante as lutas
libertárias as mulheres desempenharam importante papel político nas organizações
que lutavam contra
o colonialismo . […]
No cenário literário
angolano figura como
precursora na poesia Alda Lara, autora
de Poemas
(1966), Poesia
(1979) e de um livro
de contos intitulado Tempo de Chuva
(1973). A temática da sua obra é a opressão , que assola homens e mulheres
em geral ,
e, apesar de abordar
questões universais
como a fraternidade ,
a solidariedade e a paz ,
seu enfoque
poético está direccionado para as formas de acção feminina
na busca do espaço
sonhado, em especial
nos anos
de 1950-1960, quando se intensificava o
projecto libertário angolano.
Os gritos
perderam-se sem encontrar
eco .
Ospunhos cerrados
e os ódios calados
Dividiram osHomens ,
que se não
reconheceram mais ...
Os
Dividiram os
e os
Trilhando entre o «eu », o
sonho e o povo ,
características que
a aproximam de Alda Lara, Noémia de Sousa direcciona seus
versos para apreender o próprio «eu » como expressão da subjectividade feminina
repleta de imagens
que corporificam os desejos
«espirituais , admirações ,
dores e sensações »
(Inocência Mata ,
Literatura Angolana: silêncios
e falas de uma voz
inquieta, p. 122). […]
Numa leitura intertextual entre
«Negra », de Noémia de Sousa, e «Prelúdio »[1], de Alda Lara,
verifica-se a força da voz poética feminina , que
no dizer de Inocência
Mata , em
Literatura Angolana : silêncios e falas
de uma voz inquieta, se liga à ideia de regresso
e comunhão com
a Terra , com
o Povo e com
a causa colectiva.
As seguintes estrofes
do poema «Prelúdio », de Alda
Lara, ilustram a busca da identificação imagética da situação
a que foram expostas as comunidades africanas de língua
portuguesa, em especial
as mulheres , durante
a colonização:
Mãe-Negra, desce nas
Mãe-Negra tem
nas
Tem
de mansinho, |
Mãe-Negra
Mãe-Negra!...
Os
e esqueceram as
É a tua a
desta de mansinho
Lisboa,
1951
|
As marcas da oralidade
e da História permeiam a poesia de Alda Lara […].
A poética e a prosa
femininas nas comunidades africanas de língua portuguesa colocam o leitor
diante de cenas
e sinais de mulheres
em espera e
acção, em silêncio
e canto , em
cansaço e renovação, metaforizadas por vozes
marcadamente orais que
aproximam os sentidos na reescrita literária , reinventando imageticamente o papel da mulher
nessas comunidades .
[1] Alda Lara, aquando da sua
passagem por
Coimbra, manifesta saudades
não só
das acácias rubras e buganvílias de Benguela como
também das pessoas ,
como a sua
velha ama
negra – Lydia – a quem
dedicou o poema “Prelúdio ”.
(cf. Alda Lara na moderna
poesia angolana, Amândio César).
ALDA LARA NA REVISTA MENSAGEM
A poetisa Alda Lara aparece na antologia [revista Mensagem ]
com alguns
de seus mais
conhecidos poemas .
As características mais
significativas de sua poesia são , sem dúvida , a expressão de um
grande amor
ao seu semelhante
e a acolhida ao sofrimento do outro .
Estas características podem privilegiar visões
contrastantes sobre a beleza
da natureza e o sofrimento do angolano (conforme “Prelúdio ”)
ou declarar um amor intenso a Angola ,
valendo-se da poesia para
descrever as belezas
“das acácias , dos dongos e dos cólios” que marcavam um
forte contraste
com os cenários
europeus . É interessante observar ,
nos poemas
de Alda- Lara, uma preocupação visual que se
concretiza na composição de pequenos quadros
que procuram captar
as belezas de Angola ,
metonimizada pelos “coqueiros
de cabeleiras verdes ”,
e de sol ardente
e pelas “acácias rubras, /salpicando de sangue as avenidas ,
/longas e floridas” (p. 111). Distante
das descrições de cenários
africanos presentes
na chamada “literatura
exótica ” produzida em
vários momentos
do período colonial ou
nas famosas “cartes de visite”, postais
ilustrados com paisagens
e tipos humanos
dos espaços colonizados, produzidos com a intenção
de vender a diferença
exótica aos europeus ,
os cenários poéticos criados com detalhes da natureza
africana produzem outros
significados na poesia
de Alda Lara. A intenção mais evidente em seus poemas é a de expressar um grande amor à terra angolana (“Noites africanas langorosas/esbatidas em luares ..../perdidas
em mistérios …“)[1], exaltar a exuberância
das cores das flores
e os odores dos frutos ,
e, através desses artifícios
de motivação pictórica , denunciar
a opressão sofrida pelos
angolanos, seus irmãos .
Por isso ,
em alguns
poemas , os recursos
picturais utilizados pela poetisa
procuram ressaltar o horror
disseminado por acções humanas, pela opressão intensa sofrida pelo seu povo . Por isso é preciso considerar que , na poesia
de Alda Lara, a descrição do horror e de atrocidades
figura intenções
que vão
além de aspectos
meramente descritivos. As cenas de mutilação ,
tal como
aparecem, por exemplo ,
no belo poema
“Momento ” almejam descrever
sentimentos de compaixão ,
repúdio , mas
também dão à descrição
um peso
que ratifica a denúncia
e inscreve nos versos
a abjecção. Nesse sentido é importante prestar atenção ao uso intencional do gerúndio
que funciona nas estrofes
como uma espécie
de pontuação dos focos
que devem ser
observados pelo leitor /espectador:
Dos
De
Eis!
...
Nas faces dos
fuzilados,
Nassete faces
torcidas
Deespanto ainda ,
e receio ,
sete noivas implorando...
Nas
De
E do ventre
de além-mundo,
Sete crianças
gritando
Naboca dos fuzilados...
Sete crianças
gritando
Ecos de dor
e renúncia
Pelavida que
não veio ...
Na
Pela
Na boca dos
fuzilados
Vermelha de baba
e sangue ,
…sete crianças
gritando!
…
(112-113).
O impacto da cena
descrita, com recursos
visuais explorados com
grande perícia
pela poetisa, fica intensificado na referência à dor
das mães , das noivas e na alusão às crianças ,
que , por
uma estratégia discursiva de grande efeito ,
podem ser visualizadas porque
assim o permitem os significantes
que compõem o primeiro
verso da terceira estrofe :
“e do ventre de além-mundo”, distendendo
o tempo da acção invocada
pelo poema .
No poema “Regresso ”
(pp. 116-118), referentes da terra angolana são empregados para ressaltar as cores vivas e os odores
fortes que
compõem paisagens singulares .
O eu-poético se regista com marcas de intensa
subjectividade e as paisagens lembradas são esmiuçadas para compor cenários em que as cores das casuarinas ,
das acácias rubras e dos cheiros exalados pelo “húmus vivificante” e pelo
desenho do mar que contorna “uma cidade em convulsão” possam construir uma
visão em que o feminino se mostra com intensidade na declaração do amor pela
terra natal.
Conforme se destacou em outro trabalho, a visão e o olfacto são os
sentidos privilegiados para propiciar recortes em que a terra africana é
descrita em toda sua pujança, vista como um lugar paradisíaco, onde é possível
viver o “prazer sem lei” expandido em excesso (cf. FONSECA: 2004). A simbologia
da Mãe-Africa, reiterativa nos poemas de afirmação da identidade africana,
inscreve um outro olhar que procura descrever os cenários da terra aquecida por
um sol “esplendoroso e quente”. Também no poema “Presença [Africana]”
(pp. 114-115), a relação entre o feminino e a terra angolana, entre o corpo da
mulher e o da terra africana, ressalta aspectos que tornam Angola um
micro-cosmo de um continente significado por “coqueiros de cabeleiras verdes! e
corpos arrojados sobre o azul”. Nesse poema, a mulher, literariamente construída
(“E apesar de tudo/ainda sou a mesma!/Livre e esguia”), realça-se com os
atributos da terra africana e, através desse recurso poético, concretiza uma
visão feminina do ideal a ser conquistado. A terra do “dendém”, “das
palmeiras”, das “acácias rubras” é percebida através de atributos que se
relacionam com a função materna (“mãe forte da floresta e do deserto”) ou com
um sujeito que se declara afectivamente irmã (“ainda sou /a irmã-mulher”).
Assim os poemas de Alda Lara, ao cantar o amor pelos irmãos miseráveis ou
construir flagrantes em que a beleza da terra angolana é reiterada, expande o
intimismo e faz da visão um mecanismo hábil à apreensão de cenários em que o
outro (a Mãe-negra, os oprimidos, os companheiros de ideal) é a motivação maior
de uma arte feita com a escrita.
“Mulher-poeta e poetisas em antologias
africanas de língua portuguesa: o feminino como exceção ” por
Maria Nazareth Soares Fonseca
(PUC-Minas, Brasil) in A mulher em
África – Vozes de uma margem sempre presente , org. Inocência
Mata e Laura
Cavalcante Padilha, Lisboa, Edições Colibri , 2007, pp. 498-500.
Alda Lara pertence a um núcleo de alta burguesia comercial , que
dispunha das disponibilidades
necessárias para dar aos filhos cursos superiores nas terras
longes de Portugal. Elemento
este que ,
como é óbvio ,
nos ajuda
a colocar o poeta e a entender melhor a articulação do seu
canto . Em
tal caso
a poesia surge como
uma soma orgânica
de conteúdos humanos
e a poesia sugere a elaboração
de uma atitude coerente
que representa a totalidade
de uma acção humana . Neste aspecto a poesia de
Alda Lara caracteriza não só o ambiente
Benguelense que foi o da sua infância e
de parte substancial
da sua adolescência ,
mas também
o despaisamento, o exílio , como será melhor
dizer , do estudante
angolano nas universidades portuguesas.
A poesia de Alda Lara está incompleta . É, antes
de mais , uma poesia
que vive no mundo
da infância ou
de uma primeira fase
da adolescência . Poesia
duplamente exilada, por
consequência. Toda a vida interior
do poeta se articula em
relação a uma angolanidade que , embora não sendo conjugada
com todos
os elementos do real ,
é no entanto uma força
aglutinadora que não
pode ser descurada, mas
nas palavras entrevemos, implícito ou explícito , o sentimento
do exílio e, algumas vezes , a suspeita
dolorosa de que
a sua angolanidade não
se apoderou dos elementos mais significativos .
Ou , se não
quisermos ir tão
longe , a poesia
sente que não
cuidou de se apoderar de todos os elementos significativos .
É este sentimento
angustioso que leva
Alda Lara a escrever no poema
«Presença africana »,
em que
se promete à sua terra ,
ainda intacta ,
ainda idêntica
a rapariguinha que saiu de Benguela, não para se deixar
destruir nas terras
frias e opacas da Europa, mas sim para regressar viva , senhora de uma sageza
actuante. Eis que
Alda Lara examina os seus mínimos gestos para saber se, realmente , enquanto
anda , bebe, dorme, trabalha ,
passeia , não
se transformou na Outra ,
que poderia
trair , que por certo
trairia, a sua mesma
angolanidade. Problema que , em tal caso , a
obriga a verificar as roldanas
da sua intimidade ,
para acabar , por verificar que , apesar de tudo , é ainda a
mesma (mas
quanta inoculta angústia
aqui se insinua, no receio
de que alguém
possa destruir a afirmação denunciando-lhe os desvios ). Pois é esta forma adversativa que nos importa
reter já que através
dela chegaremos ao cerne de uma poesia desgarrada, por
não lhe
ter sido possível
viver os problemas
na sua imediatidade, pois
eram elementos apenas
sentidos . Não
esqueçamos que lhe
faltam pontos de referência ,
e que a sua
linguagem trabalha
num vácuo que
o poeta não
pode evitar ; deseja
ir ao mais fundo dos problemas ,
mas não
lhe estão próximos ,
sente-os por refracção. E a ordem da sua poesia não é já um lento caminhar através das essências
de uma angolanidade racionalmente
estruturada, mas um
assalto precipitado aos signos , engendrando um
estilo que ,
embora dotado de boas qualidades rítmicas, pretende chegar
depressa . Esta busca
apaixonada da sua própria
raiz , não
aniquila a possibilidade de um estilo , mas
corroe o imo significativo da poesia
transformando-a num elemento ambíguo . Coisa que Alda Lara sente, e que
nos leva
a concluir que
a sua poesia
não chegou a completar-se. Em vez do círculo fechado e total ,
temos o ângulo raso .
Vejamos outro poema
de Alda Lara, em que
é utilizada uma técnica contrapontística
para nos fazer sentir , mais do que
mostrar-nos, a sua angolanidade. É um dos seus poemas mais conhecidos , o «Regresso »,
que assenta ,
em primeiro lugar , na noção
de exílio , fornecida pelo
primeiro verso
(«Quando eu
voltar »). Essa mesma
noção irá depois
estabelecer o contraste
entre os elementos
citadinos , digamos lisboetas
ou coimbrões, e os elementos
ecológicos que
definem a presença de Benguela. Uma presença
em que
distinguimos uma lenta cópula entre o azul ultramarino e o verde
intenso , glauco. É assim
que pressentimos que
o poeta se viu forçado
a fazer o inventário
dos objectos da cidade , estabelecido através de um novelo de sensações
que são
não só
conscientes , mas
também inconscientes
e sub-conscientes. Neste caso ,
recorrendo à psicologia , verificamos que a «doce confusão natal » está
recheada de elementos que , racionalmente ,
o poeta seria incapaz
de expor coerentemente .
E a exarcebação dos sentidos a que a força a cidade (torna-se necessário
reconhecer , não
o esqueçamos, todos os objectos que encontra e,
também , indicar-lhes a função e o lugar
respectivo ; quer
dizer que se trata de estabelecer uma nova hierarquia , tanto para os objectos como para os actos; naturalmente também
para os pensamentos ,
o que , no caso
peculiar de Alda Lara, força a pesquisa
de novos dominadores
para os sentimentos ),
leva-a a evocar os planos
mais calmos
da cidade natal ,
que é não
um elemento
de Angola , mas
sim a sua
Angola . Vejamos mais
de perto o problema
transposto para a poesia :
«não mais
o pregão das varinas, / nem o ar monótono , igual ,
/ do casario plano …»;
o contraponto fornecido pela fímbria costeira aparece imediatamente ,
para devolver o poeta ao seu terreno natal ou seja, a consciência
de um lugar
que lhe
é próprio e cujas peculiaridades
são , por
assim dizer , anteriores ao seu
nascimento. Alda Lara sente-as não já como um elemento geral do meio ambiente , mas sim como coisa que lhe foi previamente destinada e que ,
portanto , não
é obrigada a estudar
e a valorizar ; as coisas
(os objectos e os actos existiam antes
e, por isso ,
a sua identificação
está garantida por uma intimidade que
o poeta não
poderá nunca ter
com os elementos
das cidades portuguesas: «hei-de ver outra vez as casuarinas
/ a debruar o oceano ...».
E, na terceira estrofe
do poema , o plano
dos sentimentos (que
pressupõe um contínuo
recurso aos elementos
do subconsciente e do inconsciente ),
surge com toda
a veemência: «Os meus sentidos , / anseiam pela
paz das noites
tropicais , / em
que o ar
parece mudo / e o silêncio
envolve tudo ... / Tenho sede ... / Sede
dos crepúsculos africanos
/ todos os dias
iguais , / e sempre
belos , / de tons
quase irreais ...».
A última estrofe
do poema é elucidativa
quanto ao sentimento
de ambiguidade que continua a atormentar Alda Lara: «Terra ! / Ainda sou a mesma !
/ Ainda sou / a que
num canto novo ,
/ pura e livre ,
/ me levanto ,
/ ao aceno do teu
Povo !...» Aqui
se prometia a grande viragem na poesia de Alda Lara, pois que o poeta verifica existir como dado funcional
e integral de um
povo , embora
fosse ele sentido
à distância (notemos que não se trata do meu povo , mas antes do povo
da terra angolana, o que
denuncia um afastamento que não podemos
caracterizar agora
e aqui ). Assim
as situações ganham neste poema a sua dureza concreta
e a absurdidade da ordem social pede uma acção que
o poeta ainda
não sabe qual
possa ser (embora
saiba já
que não
basta exercer
a medicina com
justa consciência
profissional para
estar plenamente
justificada). Mas sabe, o que o poema
demonstra, que é necessário
procurar uma posição
em que
o rigor da observação
do concreto , se ligue aos elementos individuais .
A evolução de Alda Lara condu-la,
obrigando-a a percorrer um
caminho sinuoso
e semeado de obstáculos , à verificação de que
a vida social
é essencialmente prática .
Posição esta que
só poderia
encontrar a sua
amplitude natural
se a Alda Lara tivesse sido possível continuar a sua obra na terra áspera e suave de Angola , em
contacto com a sua
humanidade , com
o seu povo .
Este objectivo não
pôde ela cumprir
racionalmente , mas
o seu corpo
o está objectivando, na velha povoação comercial
do Dondo , à sombra
de uma das suas acácias
rubras, símbolo dos poetas
angolanos que procuram fundar
as razões para
promover , sempre
com mais
intensidade , a independência
da sua poesia .
Alfredo Margarido, “Esboço
de interpretação da poesia
de Alda Lara”, in Mensagem ,
1962
(apud Estudos sobre
literaturas das nações
africanas de língua portuguesa, Lisboa,
Regra do Jogo ,
1980, pp. 300-307)
OS
Se, simultaneamente, atentarmos nos
textos escritos
a partir do Centro
e do Sul [de Angola ],
verificaremos ainda que
em alguns
deles perpassa, ora uma tímida consciência
regional , ora
uma procura de diferenciação
face a Luanda. […]
Na apresentação da colecção Bailundo, no livro
de Alexandre Dáskalos, há um manifesto assinado por
Ernesto Lara Filho e Inácio Rebelo de
Andrade, que se localizam no Huambo. A peça afirma claramente
a intenção de “dar
a conhecer os valores
do centro de Angola ,
ao mesmo tempo
que se pretende estender
dois braços —
um para o Norte e outro para o Sul [...] — para
ligar num amplexo
fraterno essas duas correntes
literárias já com
vida própria
[referem-se à colecção Autores
Ultramarinos e à Imbondeiro]. […]
Numa carta sintomática, enviada a Inácio Rebelo de Andrade a partir
de Lisboa e datada de 21 de Janeiro de 1962, Ernesto Lara Filho
garante, a propósito da sequência a dar
à Colecção Bailundo: “Eu creio que a
Alda, [...] depois do Aires e com os «apports» do Alexandre Dáskalos e meu , apesar de pobres , temos muito
ainda que
dizer em Angola , devemos dizê-lo. Acho melhor
sacrificar o resto
da colecção a essa necessidade premente que há imediatamente , de dizer algo , sobre o Centro de Angola ,
literariamente falando, claro . Aliás , autores
ultramarinos acabam de publicar […] os seguintes poetas :
António Jacinto , Agostinho Neto , Alexandre Dáskalos, Manuel Lima ,
etc etc, dando um carácter estritamente político
à coisa . Bailundo
é literatura como
nós combinámos e de «pés fincados na terra ». Assim , eu creio
que ainda
e acima de Imbondeiro e Autores
Ultramarinos, vamos no caminho mais certo que é o moderado, o do centro ,
o do centro de Angola ,
por casualidade.” […]
Numa carta de Alda Lara ao
irmão (parcialmente
copiada por este
naquela a que acabamos de aludir ,
e talvez escrita
em 1961) a identificação
regional da sua
poesia é igualmente
assumida conectando-se com o distanciamento face
à estrita partidarização da Mensagem : “Gostaria
que me
dissesses o que devo fazer
para te enviar uma selecção dos meus
poemas para a
Colecção Bailundo. Creio já ser tempo
de os pôr cá fora , e na verdade gostaria
mais de os vêr «integrados» na Colecção Bailundo do que na dos Autores Ultramarinos. Nem
sequer é por
razões políticas .
Nunca as tive e agora
é que as não
tenho mesmo . A política
e tudo quanto
dela deriva dá-me vómitos, para te falar com franqueza . E apenas
porque situo a minha
poesia mais
próximo da tua ou
da do Aires de Almeida Santos do que da dos outros .
Compreendido? Mais tarde ,
a geração futura
decidirá quais foram os verdadeiros «poetas ». O resto
é nada .”
Francisco Soares ,
Notícia da literatura
angolana, Imprensa Nacional-Casa da Moeda , 2001, pp. 215-218.
ALDA LARA (1930-1962) –
TEMAS DE ESTUDO EM TORNO DA POÉTICA DE ALDA LARA:
- Auto-representação do “eu”.
- A imagética feminina: inconformismo vs destino de mulher.
- Uma educação para os valores: solidariedade, fraternidade, generosidade, evangelismo…
- Representação de África: os lugares de afecto, enfeitiçamento e amor pátrio.
é
um lago fundo e doce …
e
também tu !
Oh belo solitário
é
uma ansiosa e definível
- Interpretação da metáfora contida na 1ª estrofe .
- Dimensão psíquica revelada pela
repetição da 1ª estrofe
na 5ª.
- Importância da última estrofe para a compreensão do
poema – o tempo ansioso .
RESPOSTA: 1.ª estrofe - “fundo” = intocável = solidão. “doce” =
amável, expectante, carente.
Dimensão psíquica: obsessão.
A última estrofe confirma/explicita o que está implícito na primeira.
Na
dança dos dias
Na
dança dos dias
contaram,
bailando
Na
dança dos dias
Na
dança dos meses,
na
dança dos meses
secaram,
chorando
Na
dança dos meses
Na
dança do tempo ,
no
tempo voando...
Dizei-me,
dizei-me,
- O tempo ansioso .
-Relação do conteúdo
do poema e
1) otítulo ;
2) apontuação
expressiva .
- Musicalidade dopoema .
-
1) o
2) a
- Musicalidade do
RESPOSTA: Obsessão nas referências temporais que pressupõem expectação.
Pontuação ao serviço da angústia provocada pela circularidade do
tempo.
Na
outra margem
do rio ,
(e
eu vejo-a!)
há
campos vedes de esperança ,
abandonados
ao calor de um
sol eterno ...
Na
outra margem
do rio ,
há
campos ondulantes de searas maduras.
todas
as fomes do mundo ...
Na
outra margem ,
e
não há dias
passados
E
os homens dão-se as mãos ,
ouvi
as canções que
os seus lábios
entoaram...
há
Amor ...
………………………………………
E
entre mim ,
e a outra margem ,
esta
terrível viagem .
O
rio …
Ah!
barqueiro ...
Espero,
mas desfaleço…
a
outra margem
do rio …
1949
- significado de “rio ” como imagem psíquica
do “eu ”.
- Esperança e
idealidade.
À prostituta mais
nova
Dobairro mais velho e escuro ,
Deixo osmeus brincos ,
lavrados
Em cristal ,
límpido e puro ...
Do
Deixo os
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura ,
Sonhamdoalgures uma lenda ,
Deixo omeu vestido
branco ,
Omeu vestido de noiva ,
Todo tecido
de renda ...
Sonhamdo
Deixo o
O
Ofereço-o
E os livros , rosários
meus
Dascontas de outro
sofrer ,
São para os
homens humildes ,
Que nunca
souberam ler .
Das
Desesperada
Deixo-os a ti,
Vás por essa noite
fora ...
Com passos
feitos de lua ,
Oferecê-los àscrianças
Que encontrares
em cada
rua ...
Oferecê-los às
-
-
-
dos
sete corpos
tombados
de
borco , no chão
impuro ,
…sete mães
soluçando...
Nas
faces dos fuzilados,
nas
sete faces
torcidas
de
espanto ainda ,
e receio ,
…sete noivas implorando…
E
do ventre de além-mundo,
na
boca dos fuzilados...
Na
boca dos fuzilados
…sete crianças
gritando!
1952
-
-
-
dos
verdes olhos
tão belos ,
Sentada
nessa varanda
o
vento aqui te deixou...
Se
tu soubesses menina !...
quantas
varandas quebraram!
quantas
meninas deixaram
e
nunca mais
se tornaram...
Quantas!
Quantas!
E
tu , sentada bordando...
E
tu , sozinha
esperando,
E
tu , sentada, sonhando...
Hão-de
apagar-se as estrelas
há-de
enrugar-se o arvoredo
E
tu , sentada, sonhando
Irás
pela madrugada
Irás
de cabelo solto
e
larga saia
rodada,
irás
de coração livre ,
entoando
uma canção !...
Irás!
E contigo , certo ,
doutra
estrela , noutro céu ,
esta
morte em ti
nasceu!...
1949-1950
- INTERTEXTUALIDADE com o romance
tradicional português “A Bela
Infanta” (versão de Almeida Garrett):
Estava a bela
infanta
Noseu
jardim assentada,
Com
o pente de oiro fino
Seus
cabelos penteava
Deitou osolhos
ao mar
Viuvir uma
nobre armada ;
Capitão
que nela vinha ,
Muito
bem que a governava.
[…]
No
Deitou os
Viu
- Tempo
ansioso .
- Inconformismo
vs destino
de mulher .
E
apesar de tudo ,
Ainda sou a mesma !
Livre e esguia ,
filha eterna
de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe-África!
a Irmã-Mulher
de
A
dos coqueiros ,
decabeleiras verdes
ecorpos arrojados
sobre o azul ...
A do dendém
Nascendo dosbraços das palmeiras ...
de
e
A do dendém
Nascendo dos
A
do sol bom ,
mordendo
ochão das Ingombotas...
A dasacácias rubras,
Salpicando desangue as avenidas ,
longas e floridas...
o
A das
Salpicando de
longas e floridas...
A do
suados e confusos,
(
de
barriga inchada e olhos
fundos ...
de
e
a
a
E
eu revendo ainda ,
e sempre , nela,
aquela
Longa história
inconsequente...
aquela
dos cólios baloiçando,
ao
Benguela, 1953
Num momento em que se pretende, a nível da criação de cânones
nacionais (neste caso angolano) uma poesia que galvanize, que revolte, que incite
a agir, Alda Lara escrevia “Presença Africana”, poema de 1953 que evoca o nome
da revista parisiense cujas páginas deram a conhecer ao mundo os cambiantes do
movimento da Negritude, e onde Alda Lara assume ainda a proximidade em relação
a este movimento.
A evocação de ancestrais culturas africanas é em Alda Lara
substituída pela descrição da paisagem e sublinharia na última estrofe as notas
de consciência social que denunciam os efeitos do colonialismo/capitalismo.
Mas, como diz o crítico angolano Jorge de Macedo em Literatura angolana e Texto
literário (1989), o que se pretendia em 1950 da literatura angolana era algo de
teor mais agressivo: «Em Angola, o nacionalismo, expressamente proclamado pelo
movimento Vamos Descobrir Angola, faz da literatura arma de revolução, com
todas consequências lógicas, tais como a preferência por tematário sobre o
protesto, denúncia, lamento, miserabilismo, a prisão, a tortura, o desejo de
emancipação.» (Jorge de Macedo, 1989: 31).
Fonte: “Alda Lara, figura fundadora na poesia das mulheres angolanas”,
Joana Passos. XIV Colóquio de Outono: Humanidades: novos paradigmas do
conhecimento e da investigação, Universidade do Minho. Centro de
Estudos Humanísticos (CEHUM), 2013
esbatidas
perdidas
Há
..........................................................................
põe
..........................................................................
povoadas de
povoadas das
contavam aos
E os meninos brancos
cresceram,
e esqueceram
ashistórias ...
e esqueceram
as
Endoidadas, tenebrosas, langorosas,
e sulcado de
É que os meninos
brancos ...,
esqueceram ashistórias ,
com que
as amas-secas pretas
os adormeciam,
nas longasnoites africanas...
esqueceram as
os adormeciam,
nas longas
Os meninos-brancos... esqueceram!...
o
a
circundam de
(
do
uma
numa
a
transforma num
……………………………………..
do
Hei-de
a
de uma
destes
os
anseiam
e o
de
do
das calemas traiçoeiras,
das
soando
………………………………………..
tenho de
hei-de
a
a
Ah!
Hão-de as
a
numa
E o
o
há-de
o
A
Voltei!...
1948
RUMO
(ao J.B.Dias
em 1949 à sua
memória em
1951)
É tempo , companheiro !
Caminhemos ...
Longe , a Terra
chama por
nós ,
eninguém resiste à voz
daTerra
...
Caminhemos ...
e
da
Nela,
omesmo sol ardente nos
queimou
amesma lua triste nos
acariciou,
e setu és negro
eeu sou branca ,
amesma Terra nos gerou!
o
a
e se
e
a
Vamos, companheiro …
Étempo !
É
se abra à
e ao
se estendam
as tuas longas
E o
se junte ao
de
Vamos!
que outro
oceano nos
inflama.. .
Ouves?
É aTerra que nos chama ...
Étempo , companheiro !
Caminhemos ...
Ouves?
É a
É
Caminhemos ...
Como se pode ler, o poema contém um apelo para se construir “um
mundo melhor” nesse lugar de pertença de brancos e negros que é Angola. Onde
Alda Lara se afasta de Césaire e Senghor, ou se quisermos, da agenda da
Négritude, é precisamente por não opor brancos e negros, numa união de raças
que poderia ser interpretada como complacência em relação a continuidades
coloniais. Por isso a poesia de Alda Lara foi menos estimada durante o contexto
de guerra (de libertação e civil), porque é uma poesia de paz, não de rotura ou
revolução, embora expresse um sentir coletivo e apoie a construção de uma renovada
Angola pelos “novos”. Esta temática é precisamente a mesma do poema Regresso,
também muito citado e tomado como exemplo emblemático da obra da autora.
Fonte: “Alda Lara, figura fundadora na poesia das mulheres angolanas”,
Joana Passos. XIV Colóquio de Outono: Humanidades: novos paradigmas do
conhecimento e da investigação, Universidade do Minho. Centro de
Estudos Humanísticos (CEHUM), 2013
—
pois que
chorem moreninha...
—
pois que
esperem moreninha...
e
pensamentos riscados ,
e
braços longos ,
nervosos ,
e
perdoar ...
(Há
milénios que sofremos...
Mãe-burguesa
era mulher .
Enterrou-se
no caminho
Nesse
tempo era
pequena .
a
palmeira cresceu...
Mãe-burguesa
não sou eu !
Burguesa
não .
ao
som da minha
canção ?...
e
é grande a minha
canção !
1949/50
do
ventre belo
e fecundo ,
da
hora doce
e sublime ,
da
espera silenciosa
Pelas
mãos que
nesta hora
se
entregam silenciosas
Pelas
mulheres que
hoje , ao mundo ,
lançam
o grito sangrento
do
seu destino mais fundo !
erguida
e forte ,
e
embora riscado
a espinhos
1950
INTERTEXTUALIDADE:
“Sermão
de Nossa Senhora
do Ó” (1640)
Padre
António Vieira.
A figura
mais perfeita
e mais capaz
de quantas inventou a natureza e conhece
a geometria é o círculo .
[…]. E porque o O é um
círculo , e o ventre
virginal outro circulo, o que pretendo mostrar em um e outro é que , assim como o círculo do ventre
virginal na conceição do Verbo foi um O que
compreendeu o imenso , assim o O dos desejos
da Senhora na expectação
do parto foi outro
circulo que compreendeu o eterno . […]
O sermão completo
em : http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura /BT2803033.html#
AGUARELA MARÍTIMA
A
Irmã-Mulher das gaivotas ,
senta-se
à beira do mar ...
às
gaivotas vem falar ...
E
enquanto as horas
se quebram,
andam
à tona das ondas ,
A
Irmã-Mulher das gaivotas ,
é
delgada como
elas .
E
a ver as horas
tombando,
sentada
à beira do mar ,
a
Irmã-Mulher das gaivotas .
traz
um silêncio
a chorar ...
1951
(a Charlotte Bronte)
cansadas
de não partir ...
é
um fruto
quente e bom ,
apetece
morder e ferir ...
lembram
os afagos ligeiros
dos
dias não
cumpridos...
E
tu venhas antes
p’ra me dizer ,
é
trémula e franzina ,
de
uma flor-menina...
é
funda e nua,
e
que a minha
vontade ,
é
tão forte
e tão plena ,
a condena!...
1951
O GRANDE
POEMA
e
brancas,
e
mestiças,
comungando
o Amor
de
olhos perdidos no mar ,
O
poema que
escrevi a sorrir …
a
gritar confianças
desmedidas
nas
ânsias partidas ,...
quebradas,...
O
poema que
eu escrevi a soluçar ,
1949
e
vens na voz das casuarinas
do
medo e da escuridão ,
o
canto da tua libertação
a
vida morta
do meu país ,...
a
vida morna
do meu país ,...
e
sob a agonia
quente deste céu ,
vem
dizer também ,
Vem
dizer
de
tudo o que
é passado e porvir ,
a
Pátria das palmeiras
e dos dongos ficará...
p’ra
sempre ficará brilhando,
e
sobre o berço
dos Homens que
hão-de vir …
1957(?)
Alda
Lara, Poemas , Porto , Vertente , 1984 (4ª ed.)
AS
BELAS MENINAS PARDAS
As
belas meninas pardas
são
belas como as demais.
Iguais
por serem meninas,
pardas
por serem iguais.
Olham
com olhos no chão.
Falam
com falas macias.
Não
são alegres nem tristes.
São
apenas como são,
Todos
os dias.
E
as belas meninas pardas,
estudam
muito, muitos anos.
Só
estudam muito. Mais nada.
Que
o resto, traz desenganos…
Sabem
muito escolarmente.
Sabem
pouco humanamente.
Nos
passeios de Domingo,
Andam
sempre bem-trajadas.
Direitinhas.
Aprumadas.
Não
conhecem o sabor que tem uma gargalhada,
(Parece
mal rir na rua!)
E
nunca viram a lua,
debruçada
sobre o rio,
às
duas da madrugada.
Sabem
muito escolarmente.
Sabem
pouco humanamente.
E
desejam sobre -tudo, um casamento decente…
O
mais, são histórias perdidas…
Pois
que importam outras vidas?…
Outras
raças?… Outros mundos?…
Que
importam outras meninas,
felizes,
ou desgraçadas?!…
As
belas meninas pardas,
dão
boas mães de família,
e
merecem ser estimadas…
Alda Lara, Poemas, 1959
Linhas
e leitura do poema “As belas meninas pardas”:
- Depois
do retrato feito das meninas pardas, como poderemos interpretar o conteúdo do
verso 34 e das reticências que encerram o poema?
- Explique
as antíteses dos versos 14 e 15 e relacione-as com a mensagem do poema.
Por fim,
para além da necessária discussão do lugar da obra de Alda Lara na história
literária angolana sublinha -se uma outra vertente crítica da sua poética, focada
nas expectativas sociais de género, no âmbito de famílias privilegiadas. A
educação tradicional e os correspondentes padrões de decoro são representados
por Alda Lara como um processo de estupidificação, de castração interior, para
domesticar as mulheres. Dentro desta temática, cita -se “As Belas Meninas
Pardas”, texto profundamente irónico, que desconstrói a validade de uma
educação uniforme e limitativa.
Na
voz, no olhar, nos sentimentos pré-determinados, ajustados ao protocolo social,
descreve -se a educação da estimável mãe de família para a indiferença pelo que
se passa para além dos limites do seu pequeno mundo superprotegido. A
consciência dos limites descritos revela na voz poética um outro “saber
humanamente”, o qual demarca poeta e leitor para além dos estreitos horizontes
impostos pela educação tradicional a essas “belas meninas iguais”.
Fonte: “Alda Lara, figura fundadora na poesia das mulheres angolanas”,
Joana Passos. XIV Colóquio de Outono: Humanidades: novos paradigmas do
conhecimento e da investigação, Universidade do Minho. Centro de
Estudos Humanísticos (CEHUM), 2013
Fonte:
LUSOFONIA -
PLATAFORMA DE APOIO AO ESTUDO A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO.
Projeto
concebido por José Carreiro.
1.ª edição: http://lusofonia.com.sapo.pt/alda_lara.htm, 2007.
2.ª edição: http://lusofonia.x10.mx/alda_lara.htm, 2016.
1.ª edição: http://lusofonia.com.sapo.pt/alda_lara.htm, 2007.
2.ª edição: http://lusofonia.x10.mx/alda_lara.htm, 2016.
3.ª edição: https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/Lit-Afric-de-Ling-Port/Lit-Angolana, 2020.