quarta-feira, 17 de julho de 2024

Vivo numa outra terra, Sérgio Godinho


 

VIVO NUMA OUTRA TERRA

Contigo, na nossa terra
quisera eu bailar
contigo, eu trocara a jura
de a gente se amar
contigo, na nossa terra
quisera eu viver
mas vivo numa outra terra
a trabalhar
e a ganhar
p´ra viver
e a viver
p´ra ganhar

Eu sei que na minha terra
há gente a lutar
quisera eu estar lá com eles
sem ter que emigrar
mas tanto atirei semente
sem ter colher
que pedi um passaporte
para emigrar
e ganhar
p´ra viver
e viver
p´ra ganhar

Eu fui lavar saudades ao Tejo
a aguinha doce deu-me logo um beijo
eu fui lavar saudades ao Douro
abraços desses valem mais do que ouro

Aqui em terra distante
vivo mal e bem
sinto saudades imensas
de quem me quer bem
tenho um salário melhor
não há que duvidar
mas era na minha terra
que eu queria estar
e ganhar
p´ra viver
e não ter
que emigrar

Haja um dia que vem vindo
quem dera que já
em que eu faça uma viagem
de cá para lá
e que o trabalho me renda
sem ter de emigrar
que eu viva na minha terra
a trabalhar
e ganhar
p´ra viver
e não ter
que emigrar

Eu fui lavar saudades ao Tejo
a aguinha doce deu-me logo um beijo
eu fui lavar saudades ao Douro
abraços desses valem mais do que ouro

 

Letra, música e interpretação de Sérgio Godinho, do álbum Campolide. Editora Orfeu, 1979

 

QUESTIONÁRIO

1. Estabelece a correspondência entre cada uma das estrofes indicadas na coluna da esquerda e o seu assunto, na coluna da direita:

1.ª estrofe

2.ª estrofe

4.ª estrofe

5.ª estrofe

A.   O sujeito poético descreve a sua vida atual. 

B.   O sujeito poético manifesta um desejo para o futuro. 

C.   O sujeito poético revela um desejo e explica por que razão não pode ser realizado. 

D.  O sujeito poético explica a causa da sua situação atual. 

 

2. De acordo com a leitura da letra da canção “Vivo numa outra terra”, de Sérgio Godinho, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

2.1. O título sugere o tema da emigração.

2.2. O tema do poema é a vida em terra estrangeira e o desejo de retornar à terra natal.

2.3. O sujeito poético está dividido entre viver mal (devido ao baixo salário) e bem (por estar quase na sua terra).

2.4. Na quinta estrofe, o sujeito poético expressa o desejo de ir e voltar da sua terra natal.

2.5. O sentimento dominante no poema é o desejo de enriquecer, expresso principalmente na terceira, quarta e sexta estrofes.

2.6. O tempo verbal predominante na quinta estrofe é o pretérito perfeito.

2.7. Há três refrões no poema: os quatro versos finais das estrofes 1 e 2; as estrofes 3 e 6; os quatro versos finais das estrofes 4 e 5.

2.8. Conclui-se que o sujeito poético está satisfeito com a sua vida na terra estrangeira.

 

RESPOSTAS

1.Chave de correção: C-D-A-B

1.ª estrofe: O sujeito poético revela um desejo e explica por que razão não pode ser realizado. 

2.ª estrofe: O sujeito poético explica a causa da sua situação atual. 

4.ª estrofe: O sujeito poético descreve a sua vida atual. 

5.ª estrofe: O sujeito poético manifesta um desejo para o futuro. 

2.1. Verdadeiro.

2.2. Verdadeiro.

2.3.  Falso. O sujeito poético está dividido entre viver mal (por estar longe da sua terra) e bem (devido ao salário melhor).

2.4. Falso. Na quinta estrofe, o sujeito poético expressa o desejo de um dia poder voltar à sua terra natal e trabalhar lá sem precisar emigrar.

2.5. Falso. O sentimento dominante no poema é a saudade, expressa principalmente na terceira, quarta e sexta estrofes.

2.6. Falso.O tempo verbal predominante na quinta estrofe é o presente do conjuntivo, que é usado para expressar um desejo ou vontade.

2.7. Verdadeiro.

2.8. Falso. O sujeito poético não está totalmente satisfeito com a sua vida na terra estrangeira, pois sente saudades imensas da sua terra natal e de quem lhe quer bem. 

(Adaptado de: Diálogos 7, Fernanda Costa e Luísa Mendonça. Porto Editora, 2011)




CAMPOLIDE (1979), Sérgio Godinho

A imagem é um retrato quase banal: um homem e uma caixa de viola numa estação de comboios, um relógio onde ainda não são duas horas, um cartaz na parede com o mesmo homem e a mesma viola, gente normal em volta. O homem da viola é Sérgio Godinho, a estação, lê-se no painel de azulejo sobre a porta, é Campolide. Há 35 anos, o homem, a viola e a estação tornaram-se num disco com dez canções sem tempo.

«Campolide» é o sexto álbum de originais de Sérgio Godinho, quarto gravado e publicado após o 25 de Abril e o regresso a Portugal do compositor. É, também, o segundo e último que grava para a etiqueta Orfeu, de Arnaldo Trindade.

«Campolide», porém, não é sequer o título de qualquer das canções deste álbum. Chama-se assim, apenas, porque foi gravado nos estúdios localizados no 103-C da Rua de Campolide, ao tempo propriedade da empresa de Arnaldo Trindade e conhecidos como «estúdios de Campolide», onde gravaram algumas das mais importantes figuras da música portuguesa.

Foi aqui, por exemplo, que em 1969 Adriano Correia de Oliveira registou o histórico «O Canto e As Armas», sobre poemas de Manuel Alegre. Adriano cumpria o serviço militar, tal como Rui Pato, que o acompanhou à viola: «O disco foi gravado durante duas noites de patrulha da polícia militar do alferes Adriano, com ele fardado e com a pistola, o capacete e a braçadeira poisados em cima do piano, e o jipe a passear por Lisboa, com a cumplicidade de certos militares amigos», contaria Rui Pato, muitos anos depois.

Adriano foi apenas uma das vozes que se fizeram ouvir nos estúdios de Campolide, que durante anos estiveram para Lisboa um pouco como os estúdios de Abbey Road para a capital inglesa. De Zeca Afonso a Fausto Bordalo Dias, passando por Carlos Mendes, Maria da Fé ou Tony de Matos, praticamente não houve nome grande da música portuguesa que por ali não tenha passado. Não admira, pois, que acabasse por ser nome próprio de um disco. Este, de Sérgio Godinho.

«Campolide», publicado em 1979, tem uma ficha técnica de luxo: Carlos Zíngaro, Pedro Caldeira Cabral, Pedro Osório, Guilherme Inês, Luís Caldeira ou José Eduardo são alguns dos participantes, a que se juntam as colaborações especiais de Adriano Correia de Oliveira, Fausto, José Afonso e Vitorino. Dos dez temas desse disco, destacam-se “Arranja-me um Emprego”, “Cuidado com as Imitações”, “Espectáculo” ou “Lá em Baixo”. Ou “Quatro Quadras Soltas”, o único registo que reúne de uma assentada Sérgio, Fausto, Adriano e Zeca.

De resto, não é gratuito dizer que a vida musical de Sérgio Godinho está, desde o início ligada a Campolide: foi para a Sassetti, outra editora histórica, sedeada na Avenida Conselheiro Fernando de Sousa, que gravou dois discos a partir do exílio («Os Sobreviventes», em 1971, e «Pré-Histórias», em 72) e os dois primeiros após a revolução («À Queima-Roupa», em 74, e «De Pequenino se Torce o Destino», em 76) . Depois, já na Orfeu, é nos estúdios de Campolide que grava o aclamado «Pano-Cru», de que fazem parte algumas das suas canções mais emblemáticas, como “Balada da Rita”, “A Vida é Feita de Pequenos Nadas”, “Feiticeira” e, principalmente, “O Primeiro Dia”. E, finalmente, «Campolide».

Criados nos anos 60, os estúdios de Campolide viriam mais tarde a mudar de mãos, mas não de rumo. Como Estúdios Rádio Triunfo, depois Namouche, e finalmente Xangrilá, o 103-C da Rua de Campolide continuou até há pouco tempo a acolher vozes e personagens importantes da música portuguesa. Agora, restam as memórias de algumas gravações que fizeram história. Como o disco de Sérgio Godinho.

Notícias de Campolide, setembro de 2014. Disponível em: https://viriatoteles.com/imprensa/imprensa-2010/269-um-disco-um-estudio-uma-historia.html


terça-feira, 16 de julho de 2024

Notícias locais, Sérgio Godinho


 

NOTÍCIAS LOCAIS

Ainda a procissão vai no adro
e já a zaragata é do ébrio
ainda a discussão vai no híbrido
e já a certidão é do óbito
de súbito
um punhal
e ei-lo que cai em
decúbito
dorsal
pobre instante, pobre morte
esse rapaz nunca teve grande sorte
não faz mal, não faz mal
pelo menos vem no jornal
pelo menos vem no jornal
pelo menos vem no jornal

 

Letra, música e interpretação de Sérgio Godinho, do álbum Escritor de Canções. Editora Guilda da Música, 1990 (Gravação: setembro de 1972)

_________

Notas: 1. Híbrido - que resulta do cruzamento de espécies diferentes. 2. Óbito – morte; certidão de óbito – documento em que um médico declara a morte de alguém. 3. Decúbito dorsal – deitado de costas.

 

De acordo com a leitura da letra da canção “Notícias locais”, de Sérgio Godinho, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

1. A letra da canção “Notícias locais” começa com uma notícia satisfatória sobre um rapaz.

2. A expressão “ainda a procissão vai no adro” é uma metáfora que sugere que os eventos estão apenas a começar e que há mais por vir.

3. A zaragata que ocorre no texto é causada por um ébrio.

4. A "certidão de óbito" é emitida antes de o rapaz ser apunhalado.

5. O rapaz que é apunhalado tem uma vida cheia de sorte, conforme descrito no texto.

6. O facto de o rapaz ter sido noticiado no jornal é visto como uma forma de compensação pela sua morte.

7. A frase “pelo menos vem no jornal” aponta para uma crítica à superficialidade da busca pela visibilidade.

8. A frase “pelo menos vem no jornal” carrega satisfação e aponta para uma sociedade que valoriza a notoriedade, mesmo quando se trata de tragédias pessoais.

9. A expressão “não faz mal, não faz mal” sugere uma aceitação resignada da tragédia.

10. A expressão “não faz mal, não faz mal” sugere uma indiferença resignada à tragédia da morte, como se esta fosse apenas mais uma notícia passageira.

11. O texto critica a banalização da violência e da morte nos meios de comunicação social.

12. O texto termina com uma reflexão otimista sobre a notoriedade momentânea nos jornais.

 

RESPOSTAS:

1. Falso. O poema começa com uma notícia trágica: um ébrio apunhalou mortalmente um rapaz durante uma zaragata.

2. Verdadeiro

3. Verdadeiro.

4. Falso. A certidão de óbito é emitida após a morte do rapaz, simbolizando que a discussão evoluiu rapidamente para um desfecho fatal.

5. Falso. Na letra da canção diz-se que "esse rapaz nunca teve grande sorte", indicando que ele não foi afortunado na sua vida.

6. Verdadeiro

7. Verdadeiro

8. Falso. A frase “pelo menos vem no jornal” carrega sarcasmo e aponta para uma sociedade que valoriza a notoriedade, mesmo quando se trata de tragédias pessoais.

9. Verdadeiro

10. Verdadeiro

11. Verdadeiro

12. Falso. O poema termina com uma reflexão amarga, sugerindo que a única consolação para a tragédia é a sua notoriedade momentânea nos jornais.

 

 

ESCRITA

Proposta 1 – Notícia

Tendo por base o conteúdo da letra da canção "Notícias locais", redige o primeiro parágrafo (lead) da notícia que veio no jornal. Terás de responder às perguntas Quem? Fez o quê? Quando? Onde? (podes inventar a informação que a letra da canção de Sérgio Godinho não fornece).

 

Proposta 2 – Texto de opinião

A frase “pelo menos vem no jornal” sugere que a notoriedade é valorizada mesmo em situações trágicas.

Na tua opinião, a sociedade atual prioriza a visibilidade a qualquer custo?

Deves redigir o teu texto, tendo em conta a seguinte estrutura:

Introdução: Apresentação do tema; manifestação da tua posição sobre a questão colocada.

Desenvolvimento: Apresentação de, pelo menos, duas razões que te permitam justificar essa mesma posição, bem como de exemplos que as ilustrem.

Conclusão: Reforço da tua opinião sobre o tema e/ou conselho final aos teus colegas.

 

Proposta 3 – Texto de opinião

A violência nos telejornais é um assunto que tem gerado muita polémica e debate na sociedade. Há quem defenda que os telejornais devem mostrar a realidade tal como ela é e há quem critique o aumento de notícias sobre violência.

Escreve um texto de opinião em que defendas o teu ponto de vista sobre a problemática apresentada.

Segue a seguinte estrutura:

1.º parágrafo – introdução: apresentação do tema que está indicado na instrução + opinião

2.º parágrafo – desenvolvimento: razão 1 + exemplo 1

3.º parágrafo – desenvolvimento: razão 2 + exemplo 2

4.º parágrafo – conclusão: síntese + conselho final

 

Proposta 4 – Texto de opinião

«Numa altura em que a lógica da informação televisiva e os tradicionais valores do jornalismo se apresentam em mutação profunda; onde a violência e as catástrofes do mundo ganham cada vez mais destaque nos ecrãs da televisão, percebemos que as fronteiras da violência se encontram algo indefinidas. É possível estabelecer limites à exibição de violência na informação televisiva de serviço público?»

Sara Silva, O Tratamento da Violência na Informação de Serviço Público: O Caso da RTP. Escola Superior de Comunicação Social, 2015

Num texto de opinião bem estruturado, defende uma perspetiva pessoal sobre a questão colocada por Sara Silva.

No teu texto:

− explicita, de forma clara e pertinente, o teu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;

− utiliza um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

 


segunda-feira, 15 de julho de 2024

Requiem pela velha ameixieira, Manuel Alegre

“Old Plum”, Kano Sansetsu, 1646.
https://www.metmuseum.org/art/collection/search/44858


REQUIEM PELA VELHA AMEIXIEIRA

Crepita a madeira na lareira
crepita a velha ameixieira
seus veios são as minhas próprias veias
vejo arder as ameixas e o verão
crepita aquela que deu sombra e agora dá calor
crepita o melro o verdilhão o rouxinol
e em cada tronco palpita
o próprio sol.
Crepita o sumo que escorria
pelo seu rosto onde o tempo também ardeu
crepita a velha ameixieira
e quem com ela crepita
sou eu.

 

Águeda, Natal, 2001

Manuel Alegre, Doze Naus. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2007




Leitura

"Requiem pela velha ameixieira" é uma elegia que celebra a vida e a morte da velha ameixieira, a árvore que em vida proporcionou sombra e frutos e que agora aquece a casa com o seu fogo, e, no seu crepitar, o sujeito poético encontra reflexões sobre a sua própria existência e a passagem do tempo.

O poema inicia com a imagem da madeira a crepitar na lareira, estabelecendo um ritmo constante e evocativo. A repetição da palavra “crepita” nos versos 1, 2, 5, 6, 9 e 11 cria uma musicalidade que imita o som do fogo, reforçando a sensação de inevitabilidade e continuidade. Além disso, a rima no final dos versos como "lareira" com "ameixieira" e "rouxinol" com "sol", assim como a rima interna no verso "Crepita a madeira na lareira", contribui para a harmonia e fluidez do poema, tornando a leitura uma experiência quase auditiva.

A ligação entre a árvore e o sujeito poético é explicitada no verso "seus veios são as minhas próprias veias". Esta metáfora indica uma interdependência entre a vida da árvore e a do sujeito poético, sugerindo que a morte da ameixieira representa a morte de parte do próprio poeta. De igual modo, a referência ao sumo que escorria pelo rosto da árvore sugere uma ligação íntima, quase como se a árvore fosse uma extensão do próprio poeta. A árvore é um símbolo da sua juventude, dos verões passados, das experiências e momentos que jamais se repetirão.

Observe-se ainda a simbologia do verão da vida, que também arde, e da entrada numa fase de declínio - o outono. Esta estação, tradicionalmente associada ao auge da vitalidade e do crescimento, transforma-se em combustível para o fogo que aquece o presente, simbolizando a entrada do poeta numa fase de declínio, o outono de sua vida.

O poema é uma oração pelo passado, uma aceitação do presente e uma contemplação do inevitável futuro, convidando o leitor a refletir sobre a passagem do tempo e a inevitabilidade da mudança.

  


domingo, 14 de julho de 2024

Surf, o poema, Manuel Alegre

Gabriel Medina, fotografado por Jerome Brouillet, 29-7-2024

O POEMA

O poema vai e vem. E se demora
não quer dizer que seja demorado
mas que tem como tudo a sua hora
e como tudo é sempre inesperado.

Por muito que se espere não se espera.
Por mais que se construa é acaso e sorte.
Às vezes quando vem já foi ou era.
Porque assim é a vida. E assim a morte.

Por isso mesmo quando distraído
ninguém como o poeta é tão atento.
Ele sabe que de súbito há um sentido.
Vem como o vento. E passa como o vento.

07-07-2005

Manuel Alegre, Doze Naus. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2007

 

De acordo com a leitura do poema de Manuel Alegre, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

1. O poema afirma que a criação poética é algo previsível e controlado.

2. Segundo o poema, o poeta é alguém que se distrai facilmente e, por isso, não percebe quando um poema surge.

3. O verso "Por mais que se construa é acaso e sorte" sugere que, apesar do esforço e do planeamento na criação do poema, o resultado final pode depender de elementos imprevisíveis e fortuitos.

4. No poema, a morte é apresentada como um evento previsível, ao contrário da vida

5. O poeta, segundo o poema, sabe identificar os momentos em que um poema pode surgir, mesmo que esses momentos sejam súbitos e inesperados.

6. A expressão "O poema vai e vem" sugere a natureza efémera e transitória da criação poética.

7. De acordo com o poema, a espera ativa pelo surgimento do poema é sempre recompensada.

8. O papel do poeta na construção/criação do poema é estar atento para captar os sentidos que, sem aviso, podem passar como o vento e aproveitar essas oportunidades.

9. O poeta deve estar atento e sensível para perceber os momentos de inspiração e dar forma ao poema.

10. Manuel Alegre escreveu sobre si próprio: "Se soubesse pintar (mas não sei) faria o meu autorretrato a olhar para ontem, ou para dentro, ou para outro lado. Distraído-concentrado, presente-ausente, um não sei que." (in http.www.manuelalegre.com). Podemos afirmar que Manuel Alegre ao descrever-se como “distraído-concentrado, presente-ausente,” reflete a sensibilidade do poeta em relação aos sentidos e oportunidades que surgem inesperadamente.

11. A antítese é utilizada no poema para contrastar a criação poética com a distração do poeta.

 

CORREÇÃO

1. Falso. O poema diz que o ato da criação poética "é sempre inesperado."

2. Falso. O poema diz que "ninguém como o poeta é tão atento" mesmo quando está distraído.

3. Verdadeiro.

4. Falso. A morte é apresentada como sendo tão inesperada quanto a vida ("Porque assim é a vida. E assim a morte.").

5. Verdadeiro.

6. Verdadeiro.

7. Falso. O poema sugere que "Por muito que se espere não se espera."

8. Verdadeiro.

9. Verdadeiro.

10. Verdadeiro.

11. Verdadeiro (A antítese é usada para mostrar que "quando distraído / ninguém como o poeta é tão atento.")

 

Nazaré, © Jorge Leal

INTERTEXTUALIDADE

 

SURF

De pé na frágil tábua
onda a onda ele escrevia
poesia sobre a água.

Era uma escrita tão una
de tão perfeita harmonia
que o que ficava na espuma

não se podia apagar:
era a própria grafia
do poema do mar.

Foz do Arelho, agosto de 2001

Manuel Alegre, Doze Naus. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2007

 

Niterói, Luiz Bhering


Análise comparativa entre “Surf” e "O poema", de Manuel Alegre

O poema “Surf” de Manuel Alegre apresenta a figura do surfista como um criador que, de pé na sua frágil tábua, escreve poesia sobre a água. Este ato de criar, mesmo que efémero, resulta em algo harmonioso e perfeito, uma "grafia do poema do mar" que, apesar de ser escrita na espuma, não se pode apagar.

O poema “Surf” pode ser visto como o resultado de uma dessas visões inspiradoras que o sujeito poético em “O poema” descreve: "Por isso mesmo quando distraído / ninguém como o poeta é tão atento. / Ele sabe que de súbito há um sentido. / Vem como o vento. E passa como o vento."

Em “O poema”, o sujeito poético afirma que o poeta está atento ao que o rodeia porque sabe que “de súbito há um sentido”. Esta atenção ao momento presente e a abertura para a inspiração repentina é o que permite ao poeta captar e transformar uma visão ou experiência passageira em arte.

No caso de “Surf”, a visão do surfista escrevendo poesia sobre a água pode ter sido uma dessas inspirações súbitas. A imagem do surfista, em perfeita harmonia com o mar, criando algo belo e efémero, reflete a sensibilidade do poeta em captar e eternizar momentos fugazes. Assim como o poeta em “O poema” percebe que “de súbito há um sentido” e que a inspiração vem e passa como o vento, em “Surf” o ato de surfar torna-se uma metáfora para a criação poética, em que cada movimento na onda é uma linha de poesia escrita na espuma, uma manifestação momentânea de beleza e significado que o poeta eterniza em palavras.

Portanto, “Surf” pode ser entendido como uma concretização da ideia apresentada em “O poema”, onde o poeta, atento e inspirado por uma visão súbita, captura a essência do momento e a transforma em poesia.

A relação entre os dois poemas pode também estar na ideia de atenção e sensibilidade necessárias para captar e criar algo sublime e transitório. No poema “Surf”, o surfista representa essa figura atenta que, mesmo num meio instável e passageiro como a água e a espuma, consegue criar algo que transcende o tempo e o espaço, assim como o poeta em “O poema”, que está sempre atento, mesmo quando distraído, captando e dando sentido ao que é passageiro e efémero, como o vento. Neste sentido, ambos os poemas enfatizam a ideia de que a criação artística, seja na forma de poesia ou surf, é um ato de sensibilidade e atenção ao momento presente, capturando o efémero e transformando-o em algo duradouro e significativo. A transitoriedade do vento no poema “O poema” e a espuma no poema “Surf” simbolizam a natureza fugaz da inspiração e da criação, que o poeta ou o surfista consegue eternizar através da sua arte.

 

Nazaré, © Jorge Leal

sábado, 13 de julho de 2024

Poema da terra adubada, António Gedeão


 

Poema da terra adubada

Por detrás das árvores não se escondem faunos, não.
Por detrás das árvores escondem-se os soldados
com granadas de mão.

As árvores são belas com os troncos dourados.
São boas e largas para esconder soldados.

Não é o vento que rumoreja nas folhas,
não é o vento, não.
São os corpos dos soldados rastejando no chão.

O brilho súbito não é do limbo das folhas verdes reluzentes.
É das lâminas das facas que os soldados apertam entre os dentes.

As rubras flores vermelhas não são papoilas, não.
É o sangue dos soldados que está vertido no chão.

Não são vespas, nem besoiros, nem pássaros a assobiar.
São os silvos das balas cortando a espessura do ar.

Depois os lavradores
rasgarão a terra com a lâmina aguda dos arados,
e a terra dará vinho e pão e flores
adubada com os corpos dos soldados.

 

António Gedeão, Linhas de força. Coimbra, Tip. da Atlântida Ed., 1967

 

Linhas de leitura sobre o "Poema da terra adubada":

O poema "Poema da terra adubada" de António Gedeão apresenta uma reflexão sobre a guerra e as suas consequências, utilizando a natureza como um meio para expressar a violência e a morte que acompanham os conflitos armados. Composto por sete estrofes, o poema contrasta imagens da natureza com a presença e as ações dos soldados, sublinhando a desumanização e a brutalidade da guerra.

O poema começa com uma negação: “Por detrás das árvores não se escondem faunos, não.” Essa negação cria um contraste entre a expectativa (faunos) e a realidade (soldados). As árvores, inicialmente descritas como belas e douradas, tornam-se o esconderijo dos soldados com granadas de mão. Essa dicotomia introduz imediatamente o tema da guerra, substituindo a inocência e a paz da natureza pela violência e agressão humana.

Na segunda estrofe, as árvores, elementos naturais e esteticamente agradáveis, são descritas como utilitárias para a guerra. A beleza natural é pervertida pelo uso militar, reforçando a ideia de que a guerra corrompe até mesmo a natureza.

Na terceira estrofe, o sujeito poético substitui o som natural do vento pelo movimento furtivo dos soldados. Esse verso sublinha a presença constante e perturbadora da guerra, mesmo em ambientes que deveriam ser tranquilos.

Na quarta estrofe, o sujeito poético utiliza uma imagem de luz, tradicionalmente associada à vida e à natureza, para descrever o brilho das lâminas das facas - o brilho súbito nas folhas verdes não é natural; é das lâminas das facas que os soldados seguram entre os dentes. Esse contraste destaca a presença sinistra e letal da guerra.

A cor vermelha, associada a flores como as papoilas, é transformada em uma metáfora para o sangue derramado dos soldados. Assim, na quinta estrofe, visualizamos a morte de uma maneira brutal.

O som da natureza, que normalmente incluiria insetos e pássaros, é substituído, na sexta estrofe, pelo som das balas, reforçando a presença invasiva e destrutiva da guerra no ambiente natural.

Na estrofe final, o sujeito poético une a imagem da guerra com a agricultura, sugerindo que os corpos dos soldados tornar-se-ão fertilizante para a terra. Isso cria a imagem da guerra como um ciclo destrutivo que, paradoxalmente, alimenta a vida futura.

 


sexta-feira, 12 de julho de 2024

Poema da morte na estrada, António Gedeão




 

POEMA DA MORTE NA ESTRADA

Na berma da estrada, nuns quinhentos metros,
estão quinhentos mortos com os olhos abertos.

A morte, num sopro, colheu-os aos molhos.
Nem tiveram tempo para fechar os olhos.

Eles bem sabiam dos bancos da escola
como os homens dignos sucumbem na guerra.
Lá saber, sabiam.
A mão firme empunhando a espada ou a pistola,
morrendo sem ceder nem um palmo de terra.

Pois é.
Mas veio de lá a bomba, fulgurante como mil sóis,
não lhes deu tempo para serem heróis.

Eles bem sabiam que o último pensamento
devia estar reservado para a pátria amada.
Lá saber, sabiam.
Mas veio de lá a bomba e destruiu tudo num só momento.
Não lhes deu tempo para pensar em nada.

Agora,
na berma da estrada, nuns quinhentos metros,
são quinhentos mortos com os olhos abertos.

 

António Gedeão, Linhas de força. Coimbra, Tip. da Atlântida Ed., 1967

 

Linhas de leitura sobre o "Poema da morte da estrada":

O título "Poema da morte na estrada" antecipa o tema central do poema: a morte súbita e indiscriminada provocada por um ataque aéreo, sublinhando a tragédia e a desumanização dos soldados. A narrativa poética desenvolve-se em torno da imagem de quinhentos mortos, distribuídos ao longo de uma estrada, uma representação da devastação causada pela guerra.

A estrutura do poema é marcada pela repetição quase literal da primeira estrofe na última. Essa repetição reforça a ideia de que a morte dos soldados foi repentina e irreversível. A mudança do verbo "estão" para "são" na última estrofe sublinha a permanência desta condição. A imagem dos olhos abertos sugere uma morte abrupta, sem tempo para reação ou preparação, acentuando a brutalidade do evento.

Na segunda e terceira estrofes, o sujeito poético descreve a morte rápida e inesperada dos soldados, em contraste com o que aprenderam sobre heroísmo nos "bancos da escola". A morte é personificada, atuando como uma entidade que "colheu-os aos molhos", ilustrando a natureza massiva e instantânea da tragédia. A ilusão de heroísmo é desfeita pela realidade brutal de uma guerra moderna onde não há tempo para gestos heroicos ou para o pensamento consciente antes da morte.

As quarta e quinta estrofes destacam a discrepância entre o conhecimento teórico dos soldados sobre a guerra e a realidade que enfrentaram. A bomba é descrita com uma hipérbole, "fulgurante como mil sóis", enfatizando o seu poder destrutivo e a intensidade do ataque. A repetição da frase "não lhes deu tempo" sublinha a rapidez e a brutalidade da morte, que nega qualquer possibilidade de heroísmo ou de reflexão final.

Análise dos recursos expressivos e do ritmo do poema

Personificação: “A morte, num sopro, colheu-os aos molhos.” No verso 3, a morte é descrita como uma entidade ativa e quase tangível, que ceifa vidas de forma impiedosa e inevitável.

Comparação e Hipérbole: “Mas veio de lá a bomba, fulgurante como mil sóis” – No verso 11, a comparação da bomba com "mil sóis" exagera seu brilho e poder destrutivo, acentuando a devastação e o terror que causou.

O ritmo do poema é predominantemente lento, refletindo a solenidade e a gravidade do tema tratado. No entanto, a introdução de versos mais curtos nas estrofes finais cria uma quebra no ritmo, destacando a ineficácia da aprendizagem dos soldados diante da realidade brutal da guerra moderna.

Conclusão

O poema aborda de maneira incisiva a fragilidade da vida, a brutalidade da guerra e a inevitabilidade da morte. A bomba fulgurante simboliza a violência e a destruição que podem extinguir vidas num instante, sem oportunidade para heroísmo ou reflexão. O tom sombrio e contemplativo do poema convida o leitor a refletir sobre a condição humana e a brevidade da existência, destacando a tragédia e a desumanização inerentes à guerra.