sexta-feira, 19 de julho de 2024

As minhas asas, Almeida Garrett

Poema XIX do Livro Segundo de Flores sem fruto de Almeida Garrett. Lisboa: na Imprensa Nacional, 1845. Disponível em: https://permalinkbnd.bnportugal.gov.pt/records/item/90769-flores-sem-fructo

Acompanha o poema “As minhas asas” de Almeida Garrett e procura responder às seguintes questões.

1. Caracteriza as asas do sujeito poético.

2. Indica quem lhas deu.

3. Enumera as ameaças que, em vão, atentaram contra as suas asas.

4. Assinala o momento de viragem no poema.



 AS MINHAS ASAS


Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
— Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que m’as deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.

Veio a cobiça da terra,
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
— Veio a ambição, co’as grandezas,
Vinham para m’as cortar,
Davam-me poder e glória;
Por nenhum preço as quis dar.

Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra
Batia-as, voava ao céu.

Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
— Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas...
Vi, entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.

Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores...
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!
— Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu
Pena a pena, me caíram...
Nunca mais voei ao céu.

Poema XIX do Livro Segundo de Flores sem fruto de Almeida Garrett. Lisboa: na Imprensa Nacional, 1845. Disponível em: https://permalinkbnd.bnportugal.gov.pt/records/item/90769-flores-sem-fructo

  

Esquema interpretativo do poema “As minhas asas”, de Almeida Garrett


 



Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 48 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "O papagaio", de Sebastião da Gama, e "As minhas asas", de Almeida Garrett, 2021-05-07.

 Assistir à aula da Professora Tereza Cadete Sampainho, em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7828/e542348/portugues-7-e-8-anos

 

***

Outro questionário sobre o poema “As minhas asas”, de Almeida Garrett

1. Divide o poema em duas partes lógicas.

2. Enumera as tentações a que o sujeito poético resistiu.

3. Identifica aquela à qual sucumbiu.

4. Indica as consequências de ter sucumbido a essa tentação. 

Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 48 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "O papagaio", de Sebastião da Gama, e "As minhas asas", de Almeida Garrett, 2021-05-07. Disponível em: https://estudoemcasa.dge.mec.pt/2020-2021/7o-e-8o/portugues/48

 

INTERTEXTUALIDADE



Acompanha o tema “Asas”, de Rui Reininho, e regista:

- para que serve as asas;

- o que não se faz às asas;

- quando deixam de ser usadas;

- o que significam.

Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 48 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "O papagaio", de Sebastião da Gama, e "As minhas asas", de Almeida Garrett, 2021-05-07.

 

ASAS

Asas servem pra voar
Para sonhar ou pra planar
Visitar, espreitar, espiar
Mil casas do luar

As asas não se vão cortar
Asas são pra combater
Num lugar infinito
Num vácuo para ir espiar o ar

Asas são pra proteger
Te pintar, não te esquecer
Visitar-te, olhar, espreitar-te 
Bem alto do luar

E só quando quiseres pousar
A paixão que te roer
É o amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar
Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer

Mas só quando quiseres pousar
A paixão que te roer
É o novo amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar

Mas só quando quiseres pousar
A paixão que te roer
É o amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar

Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer
Não vejo mais pra te prender
Aconteça o que acontecer

Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer

Rui Reininho / GNR 

 

As asas, como mencionadas na letra da canção, têm vários significados, simbolizando a liberdade, os sonhos, a capacidade de explorar e a proteção. Elas representam também a paixão e o amor, e são um símbolo de ausência de limites e de renovação constante.

Para que servem as asas:

As asas servem para voar, sonhar e planar. Elas representam liberdade, a capacidade de transcender limitações e explorar novos horizontes.

Além disso, as asas também podem simbolizar proteção e a capacidade de enfrentar desafios.

O que não se faz às asas:

A letra menciona que “as asas não se vão cortar”. Isso sugere que não devemos restringir nossa liberdade ou nossa capacidade de sonhar e explorar.

Num sentido mais amplo, podemos interpretar isso como não sufocar os nossos desejos e aspirações.

Quando deixam de ser usadas:

As asas deixam de ser usadas quando decidimos “pousar”, ou seja, quando escolhemos parar de voar e enfrentar a realidade.

Isso pode representar momentos em que abandonamos os nossos sonhos ou desistimos de lutar.

O que significam:

As asas simbolizam liberdade, paixão, amor e a busca por algo maior.

Elas também podem representar a dualidade entre o desejo de voar e a necessidade de encontrar um lugar para pousar e se estabelecer.

Em resumo, a letra da canção “Asas” convida-nos a refletir sobre os nossos sonhos, paixões e a importância de manter a nossa capacidade de explorar, mesmo quando enfrentamos desafios e limitações.


quinta-feira, 18 de julho de 2024

O papagaio, Sebastião da Gama


 

O PAPAGAIO

Deixem-no lá, deixem-no lá, o papagaio!
Deixem-no lá, bem preso à terra,
vibrando!

Aos arranques,
a fazer tremer a terra,
a querer voar
pelo ar
até pertinho do Céu...

Deixem-no lá, deixem-no lá, o papagaio!
Deixem-no lá viver a sua inquietação
e ser verdade aquela ânsia
de fugir.
Não lhe cortem o cordel!
Poupem o papagaio à dor enorme
de cair,
papel inútil roto, pelo chão.

Não lhe ensinem,
ao pobre papagaio de papel,
que a sua inquietação
é a única força que ele tem.

Deixem-no lá,
naquela ânsia de fuga,
no sonho (a que uma navalha
pode dar o triste fim)
de fazer ninho no Céu:
Sempre anda longe da terra, assim,
o comprimento do cordel...

Deixem-no lá, deixem-no lá,
o papagaio de papel!...

 

Sebastião da Gama, Itinerário Paralelo. Lisboa, Edições Ática, 1967

 

I - Esquema interpretativo do poema “O papagaio”, de Sebastião da Gama






Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 48 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "O papagaio", de Sebastião da Gama, e "As minhas asas", de Almeida Garrett, 2021-05-07.

 Assistir à aula da Professora Tereza Cadete Sampainho, em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7828/e542348/portugues-7-e-8-anos

 

***

II - Questionário sobre o poema “O papagaio”, de Sebastião da Gama

1. Indica a quem se dirige o sujeito poético.

2. Explicita o(s) apelo(s) que faz.

2.1. Regista os versos em que surge(m) esse(s) apelo(s).

2.2. Identifica o tipo de frase presente nesses versos.

2.3. Identifica o tempo e o modo utilizados.

3. Descreve o comportamento do papagaio que o sujeito poético quer proteger.

3.1. Explica o que esse comportamento simboliza.

 

Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 48 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "O papagaio", de Sebastião da Gama, e "As minhas asas", de Almeida Garrett, 2021-05-07. Disponível em: https://estudoemcasa.dge.mec.pt/2020-2021/7o-e-8o/portugues/48

 

Sugestão de respostas:

1. O sujeito poético dirige-se ao leitor ou a quem possa interferir com o papagaio, pedindo-lhes que não o perturbem.

2. O apelo principal que o sujeito poético faz é para que deixem o papagaio em paz, sem cortar o cordel que o liga à terra, permitindo-lhe viver a sua inquietação e sonho de voar alto.

2.1. Os apelos surgem nos seguintes versos:

«Deixem-no lá, deixem-no lá, o papagaio!» (v. 1)

«Deixem-no lá viver a sua inquietação» (v. 10)

«Não lhe cortem o cordel!» (v. 13)

«Deixem-no lá, deixem-no lá, / o papagaio de papel!...» (vv. 28-29)

2.2. O tipo de frase presente nesses versos é imperativa.

2.3. O tempo e modo utilizados são o presente do modo conjuntivo (com valor imperativo).

3. O comportamento do papagaio que o sujeito poético quer proteger é o de vibrar, tentar voar, tremer a terra, viver na ânsia de fuga, e manter o sonho de alcançar o céu, mesmo estando preso à terra pelo cordel.

3.1. Esse comportamento simboliza a aspiração humana, a busca de liberdade, o desejo de alcançar objetivos elevados e de sonhar, mesmo diante das limitações e restrições impostas pela realidade. Enquanto o cordel representa as restrições e as amarras que todos enfrentamos na vida, o papagaio de papel representa a força do sonho e da inquietação como motivadores para tentar superar as limitações. Assim, o poema convida-nos a valorizar a inquietação e a busca por algo mais, mesmo que isso signifique permanecer distante do chão seguro e conhecido.



quarta-feira, 17 de julho de 2024

Vivo numa outra terra, Sérgio Godinho


 

VIVO NUMA OUTRA TERRA

Contigo, na nossa terra
quisera eu bailar
contigo, eu trocara a jura
de a gente se amar
contigo, na nossa terra
quisera eu viver
mas vivo numa outra terra
a trabalhar
e a ganhar
p´ra viver
e a viver
p´ra ganhar

Eu sei que na minha terra
há gente a lutar
quisera eu estar lá com eles
sem ter que emigrar
mas tanto atirei semente
sem ter colher
que pedi um passaporte
para emigrar
e ganhar
p´ra viver
e viver
p´ra ganhar

Eu fui lavar saudades ao Tejo
a aguinha doce deu-me logo um beijo
eu fui lavar saudades ao Douro
abraços desses valem mais do que ouro

Aqui em terra distante
vivo mal e bem
sinto saudades imensas
de quem me quer bem
tenho um salário melhor
não há que duvidar
mas era na minha terra
que eu queria estar
e ganhar
p´ra viver
e não ter
que emigrar

Haja um dia que vem vindo
quem dera que já
em que eu faça uma viagem
de cá para lá
e que o trabalho me renda
sem ter de emigrar
que eu viva na minha terra
a trabalhar
e ganhar
p´ra viver
e não ter
que emigrar

Eu fui lavar saudades ao Tejo
a aguinha doce deu-me logo um beijo
eu fui lavar saudades ao Douro
abraços desses valem mais do que ouro

 

Letra, música e interpretação de Sérgio Godinho, do álbum Campolide. Editora Orfeu, 1979

 

QUESTIONÁRIO

1. Estabelece a correspondência entre cada uma das estrofes indicadas na coluna da esquerda e o seu assunto, na coluna da direita:

1.ª estrofe

2.ª estrofe

4.ª estrofe

5.ª estrofe

A.   O sujeito poético descreve a sua vida atual. 

B.   O sujeito poético manifesta um desejo para o futuro. 

C.   O sujeito poético revela um desejo e explica por que razão não pode ser realizado. 

D.  O sujeito poético explica a causa da sua situação atual. 

 

2. De acordo com a leitura da letra da canção “Vivo numa outra terra”, de Sérgio Godinho, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

2.1. O título sugere o tema da emigração.

2.2. O tema do poema é a vida em terra estrangeira e o desejo de retornar à terra natal.

2.3. O sujeito poético está dividido entre viver mal (devido ao baixo salário) e bem (por estar quase na sua terra).

2.4. Na quinta estrofe, o sujeito poético expressa o desejo de ir e voltar da sua terra natal.

2.5. O sentimento dominante no poema é o desejo de enriquecer, expresso principalmente na terceira, quarta e sexta estrofes.

2.6. O tempo verbal predominante na quinta estrofe é o pretérito perfeito.

2.7. Há três refrões no poema: os quatro versos finais das estrofes 1 e 2; as estrofes 3 e 6; os quatro versos finais das estrofes 4 e 5.

2.8. Conclui-se que o sujeito poético está satisfeito com a sua vida na terra estrangeira.

 

RESPOSTAS

1.Chave de correção: C-D-A-B

1.ª estrofe: O sujeito poético revela um desejo e explica por que razão não pode ser realizado. 

2.ª estrofe: O sujeito poético explica a causa da sua situação atual. 

4.ª estrofe: O sujeito poético descreve a sua vida atual. 

5.ª estrofe: O sujeito poético manifesta um desejo para o futuro. 

2.1. Verdadeiro.

2.2. Verdadeiro.

2.3.  Falso. O sujeito poético está dividido entre viver mal (por estar longe da sua terra) e bem (devido ao salário melhor).

2.4. Falso. Na quinta estrofe, o sujeito poético expressa o desejo de um dia poder voltar à sua terra natal e trabalhar lá sem precisar emigrar.

2.5. Falso. O sentimento dominante no poema é a saudade, expressa principalmente na terceira, quarta e sexta estrofes.

2.6. Falso.O tempo verbal predominante na quinta estrofe é o presente do conjuntivo, que é usado para expressar um desejo ou vontade.

2.7. Verdadeiro.

2.8. Falso. O sujeito poético não está totalmente satisfeito com a sua vida na terra estrangeira, pois sente saudades imensas da sua terra natal e de quem lhe quer bem. 

(Adaptado de: Diálogos 7, Fernanda Costa e Luísa Mendonça. Porto Editora, 2011)




CAMPOLIDE (1979), Sérgio Godinho

A imagem é um retrato quase banal: um homem e uma caixa de viola numa estação de comboios, um relógio onde ainda não são duas horas, um cartaz na parede com o mesmo homem e a mesma viola, gente normal em volta. O homem da viola é Sérgio Godinho, a estação, lê-se no painel de azulejo sobre a porta, é Campolide. Há 35 anos, o homem, a viola e a estação tornaram-se num disco com dez canções sem tempo.

«Campolide» é o sexto álbum de originais de Sérgio Godinho, quarto gravado e publicado após o 25 de Abril e o regresso a Portugal do compositor. É, também, o segundo e último que grava para a etiqueta Orfeu, de Arnaldo Trindade.

«Campolide», porém, não é sequer o título de qualquer das canções deste álbum. Chama-se assim, apenas, porque foi gravado nos estúdios localizados no 103-C da Rua de Campolide, ao tempo propriedade da empresa de Arnaldo Trindade e conhecidos como «estúdios de Campolide», onde gravaram algumas das mais importantes figuras da música portuguesa.

Foi aqui, por exemplo, que em 1969 Adriano Correia de Oliveira registou o histórico «O Canto e As Armas», sobre poemas de Manuel Alegre. Adriano cumpria o serviço militar, tal como Rui Pato, que o acompanhou à viola: «O disco foi gravado durante duas noites de patrulha da polícia militar do alferes Adriano, com ele fardado e com a pistola, o capacete e a braçadeira poisados em cima do piano, e o jipe a passear por Lisboa, com a cumplicidade de certos militares amigos», contaria Rui Pato, muitos anos depois.

Adriano foi apenas uma das vozes que se fizeram ouvir nos estúdios de Campolide, que durante anos estiveram para Lisboa um pouco como os estúdios de Abbey Road para a capital inglesa. De Zeca Afonso a Fausto Bordalo Dias, passando por Carlos Mendes, Maria da Fé ou Tony de Matos, praticamente não houve nome grande da música portuguesa que por ali não tenha passado. Não admira, pois, que acabasse por ser nome próprio de um disco. Este, de Sérgio Godinho.

«Campolide», publicado em 1979, tem uma ficha técnica de luxo: Carlos Zíngaro, Pedro Caldeira Cabral, Pedro Osório, Guilherme Inês, Luís Caldeira ou José Eduardo são alguns dos participantes, a que se juntam as colaborações especiais de Adriano Correia de Oliveira, Fausto, José Afonso e Vitorino. Dos dez temas desse disco, destacam-se “Arranja-me um Emprego”, “Cuidado com as Imitações”, “Espectáculo” ou “Lá em Baixo”. Ou “Quatro Quadras Soltas”, o único registo que reúne de uma assentada Sérgio, Fausto, Adriano e Zeca.

De resto, não é gratuito dizer que a vida musical de Sérgio Godinho está, desde o início ligada a Campolide: foi para a Sassetti, outra editora histórica, sedeada na Avenida Conselheiro Fernando de Sousa, que gravou dois discos a partir do exílio («Os Sobreviventes», em 1971, e «Pré-Histórias», em 72) e os dois primeiros após a revolução («À Queima-Roupa», em 74, e «De Pequenino se Torce o Destino», em 76) . Depois, já na Orfeu, é nos estúdios de Campolide que grava o aclamado «Pano-Cru», de que fazem parte algumas das suas canções mais emblemáticas, como “Balada da Rita”, “A Vida é Feita de Pequenos Nadas”, “Feiticeira” e, principalmente, “O Primeiro Dia”. E, finalmente, «Campolide».

Criados nos anos 60, os estúdios de Campolide viriam mais tarde a mudar de mãos, mas não de rumo. Como Estúdios Rádio Triunfo, depois Namouche, e finalmente Xangrilá, o 103-C da Rua de Campolide continuou até há pouco tempo a acolher vozes e personagens importantes da música portuguesa. Agora, restam as memórias de algumas gravações que fizeram história. Como o disco de Sérgio Godinho.

Notícias de Campolide, setembro de 2014. Disponível em: https://viriatoteles.com/imprensa/imprensa-2010/269-um-disco-um-estudio-uma-historia.html


terça-feira, 16 de julho de 2024

Notícias locais, Sérgio Godinho


 

NOTÍCIAS LOCAIS

Ainda a procissão vai no adro
e já a zaragata é do ébrio
ainda a discussão vai no híbrido
e já a certidão é do óbito
de súbito
um punhal
e ei-lo que cai em
decúbito
dorsal
pobre instante, pobre morte
esse rapaz nunca teve grande sorte
não faz mal, não faz mal
pelo menos vem no jornal
pelo menos vem no jornal
pelo menos vem no jornal

 

Letra, música e interpretação de Sérgio Godinho, do álbum Escritor de Canções. Editora Guilda da Música, 1990 (Gravação: setembro de 1972)

_________

Notas: 1. Híbrido - que resulta do cruzamento de espécies diferentes. 2. Óbito – morte; certidão de óbito – documento em que um médico declara a morte de alguém. 3. Decúbito dorsal – deitado de costas.

 

De acordo com a leitura da letra da canção “Notícias locais”, de Sérgio Godinho, classifica cada afirmação que se segue como verdadeira ou falsa. Procede à correção das afirmações falsas.

1. A letra da canção “Notícias locais” começa com uma notícia satisfatória sobre um rapaz.

2. A expressão “ainda a procissão vai no adro” é uma metáfora que sugere que os eventos estão apenas a começar e que há mais por vir.

3. A zaragata que ocorre no texto é causada por um ébrio.

4. A "certidão de óbito" é emitida antes de o rapaz ser apunhalado.

5. O rapaz que é apunhalado tem uma vida cheia de sorte, conforme descrito no texto.

6. O facto de o rapaz ter sido noticiado no jornal é visto como uma forma de compensação pela sua morte.

7. A frase “pelo menos vem no jornal” aponta para uma crítica à superficialidade da busca pela visibilidade.

8. A frase “pelo menos vem no jornal” carrega satisfação e aponta para uma sociedade que valoriza a notoriedade, mesmo quando se trata de tragédias pessoais.

9. A expressão “não faz mal, não faz mal” sugere uma aceitação resignada da tragédia.

10. A expressão “não faz mal, não faz mal” sugere uma indiferença resignada à tragédia da morte, como se esta fosse apenas mais uma notícia passageira.

11. O texto critica a banalização da violência e da morte nos meios de comunicação social.

12. O texto termina com uma reflexão otimista sobre a notoriedade momentânea nos jornais.

 

RESPOSTAS:

1. Falso. O poema começa com uma notícia trágica: um ébrio apunhalou mortalmente um rapaz durante uma zaragata.

2. Verdadeiro

3. Verdadeiro.

4. Falso. A certidão de óbito é emitida após a morte do rapaz, simbolizando que a discussão evoluiu rapidamente para um desfecho fatal.

5. Falso. Na letra da canção diz-se que "esse rapaz nunca teve grande sorte", indicando que ele não foi afortunado na sua vida.

6. Verdadeiro

7. Verdadeiro

8. Falso. A frase “pelo menos vem no jornal” carrega sarcasmo e aponta para uma sociedade que valoriza a notoriedade, mesmo quando se trata de tragédias pessoais.

9. Verdadeiro

10. Verdadeiro

11. Verdadeiro

12. Falso. O poema termina com uma reflexão amarga, sugerindo que a única consolação para a tragédia é a sua notoriedade momentânea nos jornais.

 

 

ESCRITA

Proposta 1 – Notícia

Tendo por base o conteúdo da letra da canção "Notícias locais", redige o primeiro parágrafo (lead) da notícia que veio no jornal. Terás de responder às perguntas Quem? Fez o quê? Quando? Onde? (podes inventar a informação que a letra da canção de Sérgio Godinho não fornece).

 

Proposta 2 – Texto de opinião

A frase “pelo menos vem no jornal” sugere que a notoriedade é valorizada mesmo em situações trágicas.

Na tua opinião, a sociedade atual prioriza a visibilidade a qualquer custo?

Deves redigir o teu texto, tendo em conta a seguinte estrutura:

Introdução: Apresentação do tema; manifestação da tua posição sobre a questão colocada.

Desenvolvimento: Apresentação de, pelo menos, duas razões que te permitam justificar essa mesma posição, bem como de exemplos que as ilustrem.

Conclusão: Reforço da tua opinião sobre o tema e/ou conselho final aos teus colegas.

 

Proposta 3 – Texto de opinião

A violência nos telejornais é um assunto que tem gerado muita polémica e debate na sociedade. Há quem defenda que os telejornais devem mostrar a realidade tal como ela é e há quem critique o aumento de notícias sobre violência.

Escreve um texto de opinião em que defendas o teu ponto de vista sobre a problemática apresentada.

Segue a seguinte estrutura:

1.º parágrafo – introdução: apresentação do tema que está indicado na instrução + opinião

2.º parágrafo – desenvolvimento: razão 1 + exemplo 1

3.º parágrafo – desenvolvimento: razão 2 + exemplo 2

4.º parágrafo – conclusão: síntese + conselho final

 

Proposta 4 – Texto de opinião

«Numa altura em que a lógica da informação televisiva e os tradicionais valores do jornalismo se apresentam em mutação profunda; onde a violência e as catástrofes do mundo ganham cada vez mais destaque nos ecrãs da televisão, percebemos que as fronteiras da violência se encontram algo indefinidas. É possível estabelecer limites à exibição de violência na informação televisiva de serviço público?»

Sara Silva, O Tratamento da Violência na Informação de Serviço Público: O Caso da RTP. Escola Superior de Comunicação Social, 2015

Num texto de opinião bem estruturado, defende uma perspetiva pessoal sobre a questão colocada por Sara Silva.

No teu texto:

− explicita, de forma clara e pertinente, o teu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;

− utiliza um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

 


segunda-feira, 15 de julho de 2024

Requiem pela velha ameixieira, Manuel Alegre

“Old Plum”, Kano Sansetsu, 1646.
https://www.metmuseum.org/art/collection/search/44858


REQUIEM PELA VELHA AMEIXIEIRA

Crepita a madeira na lareira
crepita a velha ameixieira
seus veios são as minhas próprias veias
vejo arder as ameixas e o verão
crepita aquela que deu sombra e agora dá calor
crepita o melro o verdilhão o rouxinol
e em cada tronco palpita
o próprio sol.
Crepita o sumo que escorria
pelo seu rosto onde o tempo também ardeu
crepita a velha ameixieira
e quem com ela crepita
sou eu.

 

Águeda, Natal, 2001

Manuel Alegre, Doze Naus. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2007




Leitura

"Requiem pela velha ameixieira" é uma elegia que celebra a vida e a morte da velha ameixieira, a árvore que em vida proporcionou sombra e frutos e que agora aquece a casa com o seu fogo, e, no seu crepitar, o sujeito poético encontra reflexões sobre a sua própria existência e a passagem do tempo.

O poema inicia com a imagem da madeira a crepitar na lareira, estabelecendo um ritmo constante e evocativo. A repetição da palavra “crepita” nos versos 1, 2, 5, 6, 9 e 11 cria uma musicalidade que imita o som do fogo, reforçando a sensação de inevitabilidade e continuidade. Além disso, a rima no final dos versos como "lareira" com "ameixieira" e "rouxinol" com "sol", assim como a rima interna no verso "Crepita a madeira na lareira", contribui para a harmonia e fluidez do poema, tornando a leitura uma experiência quase auditiva.

A ligação entre a árvore e o sujeito poético é explicitada no verso "seus veios são as minhas próprias veias". Esta metáfora indica uma interdependência entre a vida da árvore e a do sujeito poético, sugerindo que a morte da ameixieira representa a morte de parte do próprio poeta. De igual modo, a referência ao sumo que escorria pelo rosto da árvore sugere uma ligação íntima, quase como se a árvore fosse uma extensão do próprio poeta. A árvore é um símbolo da sua juventude, dos verões passados, das experiências e momentos que jamais se repetirão.

Observe-se ainda a simbologia do verão da vida, que também arde, e da entrada numa fase de declínio - o outono. Esta estação, tradicionalmente associada ao auge da vitalidade e do crescimento, transforma-se em combustível para o fogo que aquece o presente, simbolizando a entrada do poeta numa fase de declínio, o outono de sua vida.

O poema é uma oração pelo passado, uma aceitação do presente e uma contemplação do inevitável futuro, convidando o leitor a refletir sobre a passagem do tempo e a inevitabilidade da mudança.