Com que então meu Pessoa esta
oficina
de impérios ia dar ainda o Quinto?
Isto deu afinal foi em latrina
p’ra vomitar do império o vinho tinto.
Isto deu foi a coisa ultramarina
ao cubano como ordena o século xx.
Pediste o Encoberto à medicina?
Isto não pode dar. Isto é
pedinte.
Mas descansa num verso teu
descansa:
outra vez conquistámos a
distância
não do mar mas a outra a lutuosa
latitude de Pátria que se apaga.
Tua estrofe Pessoa foi pressaga:
essa distância, essa sim, é nossa.
O INFANTE
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce,
Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Fernando Pessoa, Mensagem
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O INFANTE
Aos homens ordenou que navegassem Sempre mais longe para ver o que havia E sempre para o sul e que indagassem O mar, a terra, o vento, a calmaria Os povos e os astros E no desconhecido cada dia entrassem
Sophia de Mello Breyner Andresen,
in O Búzio de Cós, Ed. Caminho, 1990
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MAR SALGADO
Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar!Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quere passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa, Mensagem
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PRAIA DAS LÁGRIMAS
Ó mar salgado Eu sou só mais uma Das que aqui choram E te salgam a espuma Ó mar das Trevas Que somes galés Meu pranto intenso Engrossa as marés Ó mar das Índias Lá nos teus confins De chorar tanto Tenho dores nos rins Choro nesta areia Salina será Choro toda a noite Seco de manhã Ai ó mar Roxo Mar abafadiço Poupa o meu homem Não lhe dês sumiço Que sol é o teu Nesses céus vermelhos? Que eles partem novos E retornam velhos? Ó mar da calma Ninho do tufão Que é do meu amor? Seis anos já lá vão… Não sei o que o chama Aos teus nevoeiros Será fortuna Ou bichos carpinteiros? Ó mar da China Samatra e Ceilão Não sei que faça Sou viúva ou não? Não sei se case Notícias não há Será que é morto Ou se amigou por lá?
Letra de Carlos Tê,
música de Rui Veloso,
do álbum Auto da Pimenta
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O MOSTRENGO
O mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; À roda da nau voou três vezes, Voou três vezes a chiar, E disse: "Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tectos negros do fim do mundo?" E o homem do leme disse, tremendo: "El-Rei D. João Segundo!" "De quem são as velas onde me roço? De quem as quilhas que vejo e ouço?" Disse o mostrengo, e rodou três vezes, Três vezes rodou imundo e grosso. "Quem vem poder o que só eu posso, Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?" E o homem do leme tremeu, e disse: "El-Rei D. João Segundo!" Três vezes do leme as mãos ergueu, Três vezes ao leme as reprendeu, E disse no fim de tremer três vezes: "Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um Povo que quer o mar que é teu; E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, Manda a vontade, que me ata ao leme, De El-Rei D. João Segundo!"
Fernando Pessoa, 9-9-1918
Mensagem
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O HOMEM DO LEME
Sozinho na noite um barco ruma, para onde vai? Uma luz no escuro Brilha a direito, ofusca as demais E mais que uma onda, mais que uma maré Tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade Vai quem já nada teme, vai o homem do leme E uma vontade de rir nasce do fundo do ser E uma vontade de ir Correr o mundo e partir A vida é sempre a perder No fundo do mar Jazem os outros, os que lá ficaram Em dias cinzentos descanso eterno lá encontraram E mais que uma onda, mais que uma maré Tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade Vai quem já nada teme, vai o homem do leme […] No fundo horizonte Sopra o murmúrio, para onde vai? No fundo do tempo Cresce o futuro, é tarde de mais
Letra de Tim,
música de Xutos & Pontapés,
do álbum Cerco
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[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2008/11/23/mensagem.aspx]
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obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro. In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição) e Folha
de Poesia, 17-05-2018.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html