Mensagem, Fernando Pessoa
Terceira Parte - O Encoberto
II - Os Avisos
TERCEIRO
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Screvo meu livro à
beira-mágoa. |
10-12-1928
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria
Pereira, 1934
Edição utilizada: Mensagem, Fernando Pessoa, edição de
Fernando Cabral Martins, Lisboa, Assírio & Alvim, 1997, pp. 81-82.
Apresente as suas respostas de forma bem
estruturada.
1.
Caracterize o estado de alma do sujeito poético, expresso nos seis primeiros
versos.
2.
Justifique o recurso simultâneo à anáfora e à frase interrogativa a partir do
sétimo verso do poema.
3.
Explique, com base nas duas últimas estrofes, por que razão o sujeito poético
pode ser considerado um profeta.
4.
Identifique duas características do discurso lírico de Mensagem
presentes no poema e transcreva um exemplo significativo para cada uma delas.
Explicitação de cenários de resposta:
1. Para
caracterizar o estado de alma do sujeito poético, expresso nos seis primeiros
versos, devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente
relevantes:
‒ a dor/mágoa/tristeza/amargura manifestada pelo sujeito poético;
‒ a desilusão/frustração sentida relativamente à pátria do presente;
‒ a esperança na vinda do «Senhor», a qual preenche o seu
vazio interior.
2. Para
justificar o recurso simultâneo à anáfora e à frase interrogativa, devem ser
abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:
‒ expressão da ansiedade de quem deseja saber quando virá o «Senhor»;
‒ expressão da incerteza quanto ao momento em que o regresso do «Senhor» acontecerá (mas também da certeza da sua
vinda);
‒ apelo insistente para que o «Encoberto» volte (para pôr fim
ao «mal» e criar «A Nova Terra e os Novos Céus» – vv. 11 e 12).
3. Para
explicar a razão pela qual o sujeito poético pode ser considerado um profeta,
devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:
‒ anuncia a vinda do «Encoberto» (D. Sebastião)/a construção do Quinto Império;
‒ deseja a realização do «Sonho das eras
português» (v. 14);
‒ espera cumprir o «grande anseio que Deus fez» (v. 16);
‒ é o porta-voz de um desejo/sonho coletivo.
4. Na
resposta, devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente
relevantes:
‒ recurso à primeira pessoa do singular em formas
verbais, como «Screvo» (v. 1) ou «Tenho» (v. 3)/em determinantes
possessivos, como «meu» (vv. 1 e 2)/em pronomes pessoais, como «me» (v. 4);
‒ expressão da subjetividade/do mundo interior/dos sentimentos do
sujeito poético, patente, por exemplo, no verso «Meu coração não tem que
ter.» (v. 2);
‒ visão subjetiva do destino nacional, evidenciada, por exemplo, nos
versos «Quando virás, ó Encoberto,/ Sonho das eras português,/
Tornar-me mais que o sopro incerto/ De um grande anseio que Deus fez?» (vv.
13-16);
‒ recurso à interjeição para expressar ansiedade
ou desejo em «Ah, quando quererás, voltando, / Fazer minha
esperança amor?» (vv. 17-18).
Fonte: Exame Final Nacional de Português n.º 639
- 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho).
Portugal, IAVE– Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2018,
1.ª Fase
***
Texto de
apoio
Aviso
São três os avisos na obra
(pp. 91-94), veiculados pelo Bandarra, pelo Pe. António Vieira e pelo eu da Mensagem,
apresentados de forma gradativa: sinal - prenúncio - ansiedade (a
interpretação profética tem sempre três feições, recorde-se).
Da importância que Pessoa
(1988: 245) atribui às trovas do sapateiro de Trancoso, não deixam dúvidas
estas palavras:
O Quinto Império. O Futuro
de Portugal - que não calculo mas sei - está escrito já, para quem saiba lê-lo,
nas trovas do Bandarra e também nas quadras de Nostradamus. Esse futuro é sermos
tudo.
António Vieira, por seu
turno, é o grande defensor da ideia de um Quinto Império português e assíduo
intérprete das Trovas do Bandarra.
Assim sendo:
1. O sonho desse império divino pelo «anónimo» Bandarra é o primeiro aviso. Um sonho «confuso como o Universo» (M, 91) mas vivido com a certeza de quem cumpre humildemente uma missão que o transcende («Plebeu como Jesus Cristo) - ibid.). As profecias do Bandarra, «cujo coração foi / Não português mas Portugal» (ibid.), funcionam, deste modo, como um «sinal» do Portugal a haver.
2. É esse «sinal» que Vieira, «Imperador da língua portuguesa» («Minha pátria é a língua portuguesa» - diz-nos Pessoa-Bernardo Soares), interpreta e transforma em regresso iminente de D. Sebastião e visão do Quinto Império que, como «prenúncio», «Doira [já] as margens do Tejo» (M, 92).
3. O terceiro aviso é a ânsia da espera com que o eu poético pressente o regresso do «Rei» e, com ele, do Quinto Império, entrevisto já na esperança e na sua impaciência: «Quando é o Rei? Quando é hora?» (M,93).
Todavia, antes de ser a
«hora», há que passar os quatro «Tempos», que, na Mensagem, vêm a
seguir.
Bibl.: Fernando Pessoa, Sobre Portugal. Introdução ao Problema Nacional, Lisboa, Ática, 1978, p. 136; Maria Irene Ramalho de Sousa Santos, «Um imperialismo de Poetas. Fernando Pessoa c o imaginário do Império», in Penélope. Fazer e Desfazer a História, n.º 15, Lisboa. 1995, pp. 73-74.
Fonte: Dicionário da Mensagem, Artur
Veríssimo. Porto, Areal Editores, 2000
***
O texto é
marcadamente sebastianista:
- a nação encontra-se em estado de degradação, vazia de
sentido, tal como o poeta;
- a frustração do presente faz germinar a ânsia de um
salvador;
- o salvador e a sua vinda revestem-se de mistério;
- o salvador virá da névoa e da saudade (ecos da lenda do Rei
Artur do ciclo Graal).
É verdadeiramente
simbólico o vazio resultante da ausência de nome do terceiro profeta. O texto,
escrito na primeira pessoa, sugere que Fernando Pessoa se identifica com o
superpoeta do super-Portugal, cuja vinda anunciara para breve nos célebres
artigos publicados na revista A Águia em 1912:
«Criar um novo
Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Portuguesa, arrancando-a do túmulo
onde a sepultaram alguns séculos de obscuridade física e moral, em que os
corpos definharam e as almas amorteceram. […] E isto leva a crer que deve estar para
muito breve o inevitável aparecimento do poeta ou poetas supremos, desta
corrente, e da nossa terra, porque fatalmente o Grande Poeta, que este
movimento gerará, deslocará para segundo plano a figura até aqui principal de
Camões. Quem sabe se não estará para um futuro multo próximo a ruidosa
confirmação deste deduzíssimo asserto? […]
Tenhamos fé. Tornaremos
esta crença, afinal, lógica, num futuro mais glorioso do que a imaginação o
ousa conceber, a nossa alma e o nosso corpo, o quotidiano e o eterno de nós.
Dia e noite, em pensamento e acção, em sonho e vida, esteja connosco, para que
nenhuma das nossas almas falte à sua missão de hoje, de criar o supra-Portugal
de amanhã.»
Fernando Pessoa, A Nova Poesia Portuguesa (1912)
Nas transcrições de
excertos de dois sonetos do conjunto intitulado Passos da Cruz é notória
a linha ideológica de que o poeta cumpre ordens superiores, é agente de Alguém,
o que está de acordo com o que vem repetindo em muitos poemas de Mensagem:
«Venho de longe e trago no
perfil
Em forma nevoenta e
afastada,
O perfil de outro ser que
desagrada
Ao meu actual recorte
humano e vil..
[…]
Hoje sou a saudade
imperial
Do que já na distância de
mim vi...
Eu próprio sou aquilo que
perdi...
E nesta estrada para
Desigual
Florem em esguia glória
marginal
Os girassóis do império
que morri...»
Fernando
Pessoa, Passos da Cruz
«Emissário de um rei
desconhecido
Eu cumpro informes
instruções de além,
[…]»
Fernando
Pessoa, Passos da Cruz
“Escrevo meu livro à
beira-mágoa - Terceiro aviso na Mensagem, de Fernando Pessoa” in Folha
de Poesia, José Carreiro. Portugal, 02-01-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/01/noite-mensagem-fernando-pessoa.html
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