António Vieira - Segundo Aviso na Mensagem, de Fernando Pessoa
Mensagem, Fernando Pessoa Terceira Parte - O Encoberto II - Os Avisos
Segundo António Vieira
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O céu
'strela o azul e tem grandeza.
Este, que
teve a fama e à glória
tem, Imperador da língua
portuguesa,
Foi-nos umcéutambém.
No imensoespaçoseu
de meditar,
Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncioclaro
do luar,
El-Rei D. Sebastião.
Masnão,
não é luar:
é luz do etéreo.
É umdia;
e, no céuamplo
de desejo,
A madrugadairreal
do QuintoImpério
Doira as margens do Tejo.
31-7-1929
Mensagem. Fernando
Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934
I - Linhas de leitura do poema “Segundo: António Vieira”,
de Fernando Pessoa:
Da
obra de Vieira nada
se refere na Mensagem,paraalém daquilo que importa a Pessoa. Ao padrejesuítadefensor dos escravos,
ao grandepregador,
ao embaixador de Portugal não dedica o autor
da Mensagemumsóverso.
Interessou-o, pelocontrário,
o Mestre da língua
portuguesa e o profeta do QuintoImpérioque Vieira foi, i. e., como
a Torga (in PoemasIbéricos, 1995, p. 60) maistarde, o «Misto
de génio, mago e aventureiro»
que o habitou e a almairrequietaque
sonhava, emA História
do Futuro, «O homemlusitano / À medida
do mundo».
Neste
poema, o sujeito
da enunciaçãotraça
o elogio do sujeito
do enunciado[1],
refere a visãoqueeste
teve de D. Sebastião e interpreta essa visãocomo a madrugada
do QuintoImpério.
Por outras palavras:
Oelogio é justificado por duas razões:
o P° António Vieira foi o "Imperador
da língua portuguesa", o seugrandemestre; foi também
o visionárioproféticoque, interpretando certospassos bíblicos apocalípticos, sobretudo o sonho de
Nabucodonosor, e interpretando as profecias
do Bandarra, criou a esperança do QuintoImpério.
Profetizou, na Cartaque escreveu a D. André Fernandes, bispo do Japão, a ressurreição
de D. João IV comofuturoimperador do QuintoImpério; no seulivro "História
do Futuro", insiste no advento do QuintoImpério, o Último,
o Universal, que
terá emCristo
o chefesupremo.
Para Portugal, está reservadoporDeus
o papel de criador
desse Império.
Oelogio de António Vieira é realizado
através de duas metáforas
(e hipérboles):"Imperador da língua
portuguesa" e "umcéu", facto que
permite equacionar a escritacomo factor de revelação,
de desocultação.
Não é também
de desprezar o domínio
do verso decassilábico comoforma de glorificar a personagem.
É
verdadeque a
«grandeza», a «fama»ou a «glória»
sãoatributos
do herói, masestes distinguem sobretudo
o herói-alma, sacralizado, que vive comoarquétipo[2]
na memória colectiva: «Imperador da língua
portuguesa, / Foi-nos umcéutambém.»
Uma
caracterizaçãoque
as estrofesseguintes
retomam, insistindo empalavras e expressõesligadas ao planoastral: «imensoespaço», «constelado», «céuamplo de desejo», de inspiração
ocultista, como o é também
a apresentação da profecia.
Note,
finalmente, como
o QuintoImpérionos é dadoemmistério: pertence à esfera
do «etéreo», do divino, e
o seucomeço
é «madrugadairreal».
Se não ficamos a saberemque
consiste precisamente, fica, contudo, clara
a sualigação
a D. Sebastião (o que é uma recriação pessoana do mito,
jáqueestenão
é, como se sabe, o Rei-salvador do Mundo na teorização de Vieira), e a ideia de queele resulta
do «imensomeditar»
e do sentidovisionário
do herói[3],
que, «no céuamplo de desejo»,
sonhou portuguêsemportuguês. Da universalidade que ao QuintoImpério se atribui fica, paraalém da suainspiraçãodivina,
a alusãovaga
de que «Doira as margens
do Tejo», ponto de partida
das naus.
Na
últimaestrofe,
o sujeito poético procede a uma interpretaçãogradativa da visão
do Pe António Vieira:
o luar —> a luz
—> o dia —> a madrugada do QuintoImpério.
A
originalidade de António Vieira foi ter juntado os doismitos (o do Encoberto
e o do QuintoImpério)
num sógrandemitonacional
e universal.
A
Vieira chama Torga «aluno
do Bandarra» e «mestre de Fernando Pessoa», o quebem pode serentendidocomo uma leitura
dos trêspoemasque integram os «Avisos» e que vêm exactamente por
esta ordem: «Bandarra, «António Vieira»
e umpoemasemtítuloonde o sujeito
poético alude à suaobra: «Screvo meulivro à beira-mágoa.». O Bandarra é Portugal,
António Vieira é Portugal emportuguês,feitosonho, que a Mensagem, a que
o terceiropoemaalude, dá voz.
Une-os a profecia do QuintoImpério
sonhado.
Todavia, lendo o poema
consagrado a Vieira não se encontraaparentementequalquerligação
ao Bandarra, a nãoser
no cruzamentotemáticoque une os três
«Avisos»[4].
Não é, porém,
assim. Sabe-se que
a doutrinação de Vieira deve muito às Trovas
do sapateiro de Trancoso. Recorde-se, também, que o próprio Bandarra, segundo
crê Pessoa, profetiza o aparecimento
de António Vieira numa das suastrovas:
Vejo, masnão sei se vejo;
O certo
é quemecheira
Queme
vem honrar à beira
UmGrande
do pé do Tejo.
(apudPessoa,
1987:160)
Não
há, na Mensagem,qualquerreferênciaexplícita a esta profecia,
masnão
deixe de notarque
os últimosdoisversos de «António Vieira» acabam justamenteassim:
A madrugadairreal do QuintoImpério
Doira asmargens do
Tejo.
Coincidência? Os desígnios
dos poetastambémsão, porvezes, impenetráveis.
Bibliografia: Aula Viva. Português A. 12.º Ano, J. Guerra e J. Vieira.
Porto Editora, 1999. Dicionário da Mensagem, Artur Veríssimo. Porto, Areal Editores, 2000,
pp. 143-144.
[1] Entenda-se: do objeto
(António Vieira).
[2]Arquétipo é, emsentidogeral,
o mesmoquemodelo, protótipo,
paradigma, exemplo
a imitar, acontecimentoexemplar.
[3] A visão
aconteceu no meio de profundameditação; novamente
o valor do sonho.
[4] Note
a gradação: sinal
– prenúncio – ânsia
do regressoiminente.
Trêssão
os avisos: a interpretação profética tem
sempretrêsfeições.
I –
Questionário sobre o poema “Segundo: António Vieira”, de Fernando Pessoa:
Responda as questões, utilizando frases completas e contextualizadas.
1. Ao longo
deste poema, perpassa umintensoelogio a António Vieira.
1.1. Identifique
os segmentostextuaisque traduzem os elogiosfeitos.
1.2. Indique os motivos/as razõesque justificam esseselogios.
2. A palavra
“céu” associa-se conotativamente à
idealização, ao sonho preconizados na Mensagem.
2.1. Comprove a
afirmação feita, apoiando-se nas referênciastextuais.
2.2. Demonstre a utilização de palavras
relacionadas com “luz” ao longo do poema.
2.3. Explique a
funcionalidade do articulador que inicia
a terceiraestrofe.
3. Na últimaestrofe, o sujeito
poético relaciona claramente António
Vieira com o “QuintoImpério”.
3.1. Caracterize este “QuintoImpério” recorrendo às referênciastextuais dessa estrofe.
4. Justifique a inserção
deste poema na estruturaglobal da Mensagem.
Fonte: Das palavras aos actos: português: 12.º
ano, ensino secundário, Ana Maria Cardoso et alii. Porto, Asa, 2005
Tópicos de resposta:
1.1. Destacar os segmentos “teve a fama e à glória tem” (2), “Imperador
da língua portuguesa” (3), “foi-nos umcéu” (4) bemcomo o seumeditarcaracterizadoporser “Constelado de formas
e de visão” (6).
1.2. Razões centradas
no plano do meditar,
do pensar, do intelecto,
pelaconstrução
do ideal do QuintoImpério; no plano
da utilização da língua
e da construção de uma referência
cultural (o imperador da língua portuguesa).
2.1. O céu marcado positivamente
(“strela”, “grandeza”, v.1) é associado ao próprio
António Vieira (metaforicamente tratadocomoumcéu) pelasuagrandecapacidadeintelectual
(o meditar), criadora de ummito, de umideal (QuintoImpério).
2.2. Destacar as palavras/expressões
“strela” (1); “Constelado” (6); “claroluar” (7); “luz do etéreo” (9); “dia”
(10); “madrugada” (11); “Doira” (12).
2.3. Articulador adversativo – contraria, retifica a informação da estrofeanterior; não
é o luarque
Vieira visiona; é uma luz portadora do ideal, da perfeição; o nascer do dia,
simbolizando o nascer de umtemponovo,
sonhado, transcendendo, porisso, o real –
o nascer do QuintoImpério.
3.1. Este “QuintoImpério”
surge do desejo, do sonho,
do divino, do intelecto;
constrói-se no plano do inteligível, não
do sensíveloumaterial. Daí associar-se ao plano do “irreal’
Trata-se ainda de umimpérioque
focaliza, dá brilho, enaltece Portugal
(“Doira as margens do Tejo”, v.12).
4. Inserção do poema na TerceiraParte, intitulada “O Encoberto” o que
se anuncia e que, não
sendo concreto/percetivelmente definido, trará a luz,
como anunciavam as profecias
(entreelas,
as de António Vieira). Daí pertencer à subparte de
“Os Avisos” (a par de Bandarra e do ‘eu’ presente no poemaTerceiro),
que preparam essa “Paz
nas alturas”
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“António Vieira – Segundo
aviso na Mensagem, de Fernando Pessoa” in Folha de Poesia, José
Carreiro. Portugal, 01-01-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/01/antonio-vieira-segundo-aviso-na.html
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