Ceifeira, Rosa Pomar, 2010-07-19, https://flic.kr/p/8kdcgy |
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Fernando Pessoa, Ficções
do Interlúdio. 1914-1935 (ed. Fernando Cabral Martins), Lisboa, Assírio
& Alvim, 1998
(1.ª publ. in Athena,
n.º 3. Lisboa: dezembro 1924)
Apresente, de forma bem estruturada,
as suas respostas aos itens que se seguem.
1. Indique três
dos traços que caracterizam a figura feminina, fundamentando a sua resposta em elementos
do texto.
2. Refira dois
efeitos do canto da «ceifeira» no sujeito poético.
3. Explicite o
significado das exclamações no contexto das três últimas estrofes.
4. Identifique
dois recursos estilísticos presentes no poema, analisando o efeito expressivo
de cada um deles.
Explicitação de cenários de resposta:
1. Indica três
traços caracterizadores da figura feminina, fundamentando a resposta em
elementos do texto.
A figura feminina representada no poema é caracterizada, entre outros,
pelos seguintes traços:
– é uma «pobre ceifeira» (v. 1), isto é, uma humilde trabalhadora do
campo;
– talvez julgue ser feliz, pois «canta» (v. 1);
– anima o seu trabalho com o canto (v. 3);
– exprime-se, cantando com modulações de voz – som ondulante,
cristalino, suave (vv. 3-8);
– tem um canto que reflete a natureza – «o campo» – e o trabalho – «a
lida» (v. 10);
– parece ultrapassar a pequenez da sua vida pela força do seu canto
(vv. 11-12);
– canta espontaneamente, sem pensar (v. 13);
– ...
2. Refere,
adequadamente, dois dos efeitos requeridos.
O canto da «ceifeira» provoca no sujeito poético os seguintes efeitos:
– vivência de sentimentos paradoxais de alegria e de tristeza (v. 9);
– reflexão sobre as razões misteriosas que a movem (vv. 11-13);
– consciência da indissociabilidade do sentir e da consciência do
sentir, mesmo perante o canto «sem razão» da figura feminina (vv. 13-14);
– desejo de sintonização perfeita com a «ceifeira», formulando o «eu»
a vontade de que o seu «coração» seja invadido por aquela «incerta voz
ondeando» (vv. 15-16);
– vontade de «ser» como a «ceifeira», de ter a sua «alegre
inconsciência» (v. 18), sem perder nem a identidade (v. 17) nem o exercício da
razão («E a consciência disso!» – v. 19);
– ...
3. Explicita,
adequadamente, o significado das exclamações no contexto das três últimas
estrofes do poema.
Incapaz de prescindir do seu lugar de lucidez e de «ciência» e,
perante a alegre inconsciência da «ceifeira», sentindo a sua condição como um
peso que dramatiza a brevidade da vida (vv. 20-21), o «eu» aspira a evadir-se
do seu drama, apelando ao «céu», ao «campo» e à «canção» – entidades simbólicas
do espírito, da natureza e da arte – para que o libertem, levando-o consigo,
depois de o transformarem numa sua «sombra leve» (v. 23).
Neste contexto, as exclamações exprimem a intensidade do desejo, bem
como a hiperconsciência em relação a ele (estrofe 5), e sublinham o aspeto
retórico de um apelo que não pode ser correspondido.
4. Identifica dois recursos
estilísticos, interpretando, adequadamente, o efeito expressivo de cada um
deles.
Estão presentes no poema, entre outros, os seguintes recursos
estilísticos:
– a adjetivação – «pobre» (v. 1), «feliz» (v. 2), «cheia», «alegre e
anónima» (vv. 3-4), «limpo» (v. 6), «suave» (v. 7), «incerta» (v. 16), «alegre»
(v. 18), «breve» (v. 21), «leve» (v. 23) –, ora descrevendo (antiteticamente) a
ceifeira e o seu canto, ora sublinhando o drama íntimo do «eu»;
– a comparação («Ondula como um canto de ave / No ar limpo como um
limiar» – vv. 5-6), associando o canto da ceifeira ao trinar modulado da «ave»,
que se estende pelo «ar» límpido, como que acedendo à transposição para outro
espaço («limiar»);
– a antítese («Ouvi-la alegra e entristece» – v. 9), e expressões
antitéticas contrastantes («pobre ceifeira, / Julgando-se feliz», «alegre e
anónima viuvez» – vv. 1-4), «Pesa tanto» / […] / sombra leve» – vv. 21 e 23),
sublinhando a natureza contraditória tanto do canto da ceifeira como da reação
do «eu»;
– a metáfora (por exemplo: «Ondula», «E há curvas no enredo suave / Do
som», «Na sua voz há o campo e a lida», «Derrama no meu coração / A tua incerta
voz ondeando» – vv. 5, 7-8, 10 e 15-16), exprimindo o movimento sinuoso do
canto, que envolve o «coração» com a sua extrema limpidez (e mimetizando a
impressão visual da seara ondulante que ela ceifa);
– o paradoxo («O que em mim sente stá pensando», «Ah, poder ser tu,
sendo eu!», «Ter a tua alegre inconsciência, / E a consciência disso!» – vv.
14, 17 e 18-19), evidenciando o carácter dilemático do sujeito poético
(experimentando simultaneamente o pensar e o sentir, a inconsciência e a
lucidez);
– a apóstrofe («Ó céu! / Ó campo! Ó canção» – vv. 19-20), numa
invocação de entidades simbólicas;
– a personificação do «céu», do «campo» e da «canção» («Entrai»,
«Tornai», «levando-me, passai» – vv. 22 e 24), revestidos de um poder
sobre-humano (o de resolverem o drama do «eu» e de lhe permitirem a
libertação);
– …
Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 10.º e 11.º
Anos de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita
de Literatura Portuguesa, Lisboa, GAVE-Gabinete de
Avaliação Educacional, 2010, 1.ª Fase
Leia o enunciado com atenção e
responda às questões com clareza, rigor e correção formal, fundamentando as
suas afirmações.
1. "Ela
canta, pobre ceifeira, / [...] / Mais razões p'ra cantar que a vida." (vv.
1-12).
1.1. Indique as
características que, no poema, são atribuídas à ceifeira e à sua voz.
1.2. Explicite os
efeitos produzidos pela audição do canto da ceifeira.
1.3. Aponte dois
recursos estilísticos utilizados nesta parte do poema, interpretando a sua expressividade.
2. "Ah,
canta, canta sem razão! / [...] / Depois, levando-me, passai!" (vv. 13-
24).
2.1. Saliente os
anseios do sujeito lírico.
3. "O que
em mim sente 'stá pensando." (v. 14).
3.1. Diga em que
medida este verso é representativo da temática da poesia ortónima de Fernando
Pessoa.
4. As três
primeiras estrofes do poema são afirmativas e as três últimas exclamativas.
4.1. Comente a mudança
do tom afirmativo para o exclamativo.
Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 337. Disciplina
Específica. Cursos Complementares Diurnos (11.º ano). Formação Geral – Áreas A,
B, C e E. Prova Escrita de Português. Portugal, 1997, 2.ª fase
Mercado de Vila Franca de Xira
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- In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição)
- e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
“Ela canta, pobre ceifeira, Fernando Pessoa” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 07-01-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/01/ela-canta-pobre-ceifeira-fernando-pessoa.html
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