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Não sei.
Falta-me um sentido, um tato |
5 |
Estou só, só
como ninguém ainda esteve, |
|
Começo a
ler, mas cansa-me o que inda não li. |
|
Não ser
nada, ser uma figura de romance, |
Fernando
Pessoa, Poesia 1902-1917,
edição de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, Lisboa,
Assírio & Alvim, 2005, p. 400.
I - Questionário sobre o poema “Não sei.
Falta-me um sentido, um tato”, de Fernando Pessoa.
1. Refira quatro
traços caracterizadores do estado de espírito do sujeito poético nos versos 1 a
12.
2. Interprete
o desejo expresso pelo sujeito poético na última estrofe, enquanto conclusão do
poema.
3. Complete
as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada espaço.
Na
folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma
delas, o número que corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
A expressividade deste poema é construída através
de diferentes processos, nomeadamente o uso de recursos expressivos e de
vocábulos com determinada carga semântica. Na segunda estrofe, o sujeito poético
exprime a sua perceção de que apenas existe o momento presente ao utilizar a
expressão _a)_. Ainda
assim, através do recurso à _b)_,
nos versos 7 e 8, e à metáfora, em _c)_, evidencia ter consciência da passagem do tempo.
a) |
b) |
c) |
1. «como ninguém ainda esteve» (v.
5) |
1. gradação |
1. «uma cousa
como qualquer cousa que já vi» (v. 12) |
2. «sem depois nem antes» (v. 6) |
2. personificação |
2. «Sem vida, sem morte material» (v.
14) |
3. «passam sem ver-me os instantes»
(v. 7) |
3. antítese |
3. «Uma sombra num chão irreal» (v.
16) |
Explicitação de cenários de resposta:
1.
Refere,
adequadamente, quatro traços caracterizadores do estado de espírito do sujeito poético
nos versos 1 a 12:
‒ a
dificuldade em explicar o que sente;
‒ a
consciência da incapacidade/inaptidão para viver a vida, o amor e a glória;
‒ a dúvida
em relação à utilidade de tudo o que acontece;
‒ o
egotismo (evidente na perceção de que a solidão que sente é mais intensa do que
a de qualquer outro ser humano);
‒ o vazio
interior, como se a sua vida se resumisse ao momento presente;
‒ a consciência
dolorosa da passagem do tempo;
‒ o
tédio/o cansaço perante as coisas mais simples da vida;
‒ a dor
provocada pelo pensamento e pelo sonho.
2.
Interpreta
o desejo expresso pelo sujeito poético na última estrofe, enquanto conclusão do
poema, abordando os dois tópicos de resposta adequadamente:
‒
referência ao desejo de não ter existência concreta/de ser algo «irreal» como
uma «figura de romance», que vive apenas nas folhas de um livro.
‒
referência ao facto de esse desejo de «não ser nada» nascer da sua incapacidade
de viver a vida real.
3.
Seleciona
as três opções corretas: a) 2; b) 2; c) 3.
Fonte: “Grupo I – Parte B” do Exame Final Nacional de Português n.º 639
- 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho).
Portugal, IAVE–
Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2020, Época Especial
https://cdn1.newsplex.pt/fotos/2016/8/20/539454.jpg |
II
– Domínio da escrita
Atente no
seguinte texto escrito a propósito do verso pessoano “Não sei. Falta-me um
sentido, um tato”.
Este primeiro
verso de um poema de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa remete para a inadequação
que algumas pessoas sentem constantemente, outras sentem em alguns momentos, e
outras não chegam a sentir, e que é uma falta de tato para gerir a própria
vida, para aceitá-la, tentando adequá-la aos objetivos e moldá-la como um
pedaço do barro de que somos feitos.
As pessoas
com este sentimento de desadequação, de falta de sentido para a vida (“oco de
mim” diz o poeta) acabam, muitas vezes, por procurar aquele sentido fora delas
próprias, em inebriantes e anestesiantes experiências que mais acentuam o vazio
que sentem e não conseguem preencher. Tornam-se vidas, momentânea ou
definitivamente, erráticas, que se desenrolam num plano paralelo ao da própria
existência, assistindo a elas, como espetadores, os seus próprios autores.
Muitas vezes,
este sentimento de hipersensibilidade é canalizado para a arte, para a pintura,
para o cinema, para a escultura, para a música, para a escrita. E as obras
artísticas, ao tentarem dar um sentido ou expressão ao Eu interior, ajudam os
outros, os que verdadeiramente são espetadores, a dar sentido à própria vida.
É talvez esse
um dos profundos sentidos da arte – para além do sentido primeiro: o de dar
beleza à vida –, o de comunicar com outras pessoas, de lhes transmitir uma
ideia (mesmo que seja a de vazio, a de inexistência de ideias), de lhes dar
pistas, indicar caminhos, sugerir atalhos para compreenderem o mundo e se
compreenderem a si mesmas.
E, para nos
compreendermos e aceitarmos é, por vezes, necessário fazer o que Fernando
Teixeira de Andrade nos sugere: abandonar “as roupas usadas, que já têm a forma
do nosso corpo” e vestir novas roupagens, que, no início, podem ser incómodas,
mas, exatamente por isso, nos podem levar a questionar os nossos hábitos. Ou,
como escrevia recentemente, na sua crónica no Jornal de Letras, Valter Hugo
Mãe: “Viajo porque me fica a alma a meio (…). Fugir talvez tão completamente
que se proporcione a oportunidade de não ser mais eu, mais outro”.
É este
sentimento de falta, de que fala Pessoa, que nos leva, por vezes, a fugir, na
esperança de nos tornarmos outros. Porque, efetivamente, é muito difícil
compreendermo-nos a nós próprios e, mais difícil ainda, aceitarmos como nossas
algumas características que não quereríamos ter.
E será que
sabemos mesmo quem somos?
Maria Eugénia
Leitão, “Não sei. Falta-me um sentido, um tacto” in Nascer do Sol, 2016-08-20.
Disponível em: https://sol.sapo.pt/artigo/521101/-nao-sei-falta-me-um-sentido-um-tacto-
Num texto
de características genológicas à sua escolha, responda à pergunta formulada no
último parágrafo: “E será que sabemos mesmo quem somos?”
Poderá também gostar de:
Fernando Pessoa
- Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da
obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro.
- In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição)
- e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
“Não sei. Falta-me um sentido, um tato, Fernando Pessoa” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 11-01-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/01/nao-sei-falta-me-um-sentido-um-tato.html
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