- Álvaro de Campos, a refletir a insubmissão e rebeldia dos movimentos vanguardistas da segunda década do século XX, olha o mundo contemporâneo e canta o futuro.
- Álvaro de Campos é o poeta, que, numa linguagem impetuosa, excessiva, canta o mundo contemporâneo, celebra o triunfo da máquina, da força mecânica e da velocidade. Dentro do espírito das vanguardas, exalta a sociedade e a civilização modernas com os seus valores e a sua "embriaguez" (ex.: Ode Triunfal...).
- Diferentemente de Caeiro, que considera a sensação de forma saudável e tranquila, mas rejeita o pensamento, ou de Ricardo Reis, que advoga a indiferença olímpica, Campos procura a totalização das sensações, conforme as sente ou pensa, o que lhe causa tensões profundas.
- Como sensacionista, é o poeta que melhor expressa as sensações da energia e do movimento, bem como as sensações de "sentir tudo de todas as maneiras". Para ele a única realidade é a sensação.
- Em Campos há a vontade de ultrapassar os limites das próprias sensações, numa vertigem insaciável, que o leva a querer "ser toda a gente e toda a parte". Numa atitude unanimista, procura unir em si toda a complexidade das sensações.
- Mas, passada a fase eufórica, o desassossego de Campos leva-o a revelar uma face disfórica, a ponto de desejar a própria destruição. Há aí a abulia e a experiência do tédio, a deceção, o caminho do absurdo.
- Incorporando todas as possibilidades sensoriais e emotivas, apresenta-se entre o paroxismo da dinâmica em fúria e o abatimento sincero, mas quase absurdo.
- Depois de exaltar a beleza da força e da máquina por oposição à beleza tradicionalmente concebida, a poesia de Campos revela um pessimismo agónico, a dissolução do "eu", a angústia existencial e uma nostalgia da infância irremediavelmente perdida.
- Na fase intimista de abulia, observa-se a disforia do "eu", vencido e dividido entre o real objetivo e o real subjectivo que o leva à sensação do sonho e da perplexidade (ex.: Tabacaria). Verifica-se, também, a presença do niilismo em relação a si próprio, embora reconheça ter "todos os sonhos do mundo".
- Álvaro de Campos evolui ao longo de três fases: a de influência decadentista a que pertence o Opiário, a futurista e sensacionista, de inspiração whitmaniana, onde encontramos, por exemplo, a Ode Triunfal e a Ode Marítima; e a intimista ou independente, marcada pela abulia e o tédio, pela angústia e o cansaço, com poemas como O que há em mim é sobretudo cansaço, Esta velha angústia, Apontamento, ou os de Lisbon revisited.
- Na primeira fase, encontra-se o tédio de viver, a morbidez, o decadentismo, a sonolência, o torpor e a necessidade de novas sensações; na segunda fase, há um excesso de sensações, a tentativa de totalização de todas as possibilidades sensoriais e afetivas (unanimismo), a inquietude, a exaltação da energia, de todas as dinâmicas, da velocidade e da força até situações de paroxismo; na terceira fase, perante a incapacidade das realizações, volta o abatimento, a abulia, a revolta e o inconformismo, a dispersão e a angústia, o sono e o cansaço.
|
Primeira fase
|
Segunda fase
|
Terceira fase
|
Designação
|
decadentista
|
futurista-sensacionista
|
intimista
|
Poemas
exemplificativos
|
Ópiário
|
Ode triunfal
|
Lisbon revisited
Esta velha angústia
Tabacaria
|
Características
|
Tédio.
Enfado.
Náusea.
Cansaço.
Abatimento.
Necessidade de novas
sensações.
Falta de
sentido para a vida.
Necessidade de
fuga à monotonia.
|
Poesia repleta
de vitalidade.
Predileção pelo
ar livre e pelo belo feroz.
Verso livre.
Estilo
esfuziante, torrencial, anafórico, exclamativo, interjetivo, monótono pela simplicidade
dos processos, pela reiteração de apóstrofes e enumerações, mas vivificado
pela fantasia verbal duradoura e inesgotável.
Versos longos
de duas ou três linhas.
Celebração do
triunfo da máquina, da energia mecânica e da civilização moderna.
Canto dos
escândalos e corrupções da contemporaneidade, em sintonia com o futurismo.
Intelectualização
das sensações.
Excesso
violento de sensações à maneira de Walt Whitman.
|
Incapacidade de realização.
Abatimento.
Sono.
Cansaço.
Desilusão.
Revolta.
Inadaptação.
Desânimo.
Frustração.
|
1. Álvaro de Campos é adepto do
futurismo,
|
a) porque é o
resultado de uma busca refletida e consciente para atingir a plenitude.
|
2. Campos é o heterónimo que
apresenta um percurso evolutivo,
|
b) pontos comuns
com o seu criador, nomeadamente o tédio existencial e a saudade da infância.
|
3. Após um período de cansaço e de
tédio,
|
c) quando se dá
conta da incapacidade de realização.
|
4. A fase futurista-sensacionista de
Campos concretiza-se
|
d) Campos
entrega-se a um histerismo de sensações.
|
5. O sensacionismo de Campos é
diferente do de Caeiro,
|
e) pois nega a
visão aristotélica da arte, procurando uma nova conceção de beleza.
|
6. A Ode Triunfal exalta
|
f) pelo facto de
evidenciar três fases distintas.
|
7. O masoquismo do poeta verifica-se
quando ele pretende pôr em prática
|
g) em composições
poéticas de um ritmo torrencial, a
traduzir a euforia do "eu".
|
8. Walt Whitman foi sem dúvida o seu
modelo,
|
h) o
sensacionismo levado ao paroxismo, desejando até ser triturado pelas
máquinas.
|
9. A angústia existencial volta ao
poeta
|
i) no que diz
respeito ao excesso violento de sensações.
|
10. Na fase intimista, Álvaro de
Campos apresenta
|
j) a sociedade
industrial e cosmopolita.
|
2. Leitura orientada e notas para
a análise literária de poemas do heterónimo pessoano Álvaro de Campos:
Poema |
Incipit |
Acordo de noite, muito de noite, no
silêncio todo. |
|
Ah a frescura na face de não cumprir
um dever! |
|
Começa a haver meia-noite, e a haver
sossego, |
|
Encostei-me para trás na cadeira
de convés e fechei os olhos |
Encostei-me para trás na cadeira de
convés e fechei os olhos, |
Lisboa com suas casas |
|
Inúmero rio sem água — só gente e
coisas, |
|
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas
da fábrica |
|
Que noite serena! |
|
O dia deu em chuvoso. |
|
|
|
3. Ficha de aferição de leitura relativa aos heterónimos pessoanos Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Aqui.
CARREIRO, José. Álvaro de Campos. Portugal, Folha de Poesia, 12-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/alvaro-de-campos.html (1.ª edição: Lusofonia - Plataforma de Apoio ao Estudo da Língua Portuguesa no Mundo, 16-12-2011. Projeto concebido por José Carreiro, disponível em http://lusofonia.com.sapo.pt/literatura_portuguesa/FP_AlvarodeCampos.htm)