PRECE
Meu Deus, aqui me tens aflito e retirado,
Como quem deixa à porta o saco para o pão.
Enche-o do que quiseres. Estou firme e preparado.
O que for, assim seja, à tua mão.
Tua vontade se faça, a minha não.
Senhor, abre ainda mais meu lado ardente,
Do flanco de teu filho copiado.
Corre água, tempo e pus no sangue quente:
Outro bem não me é dado.
Tudo e sempre assim seja,
E não o que a alma tíbia só deseja.
Se te pedir piedade, dá-me lume a comer,
Que com pontas de fogo o podre se adormenta.
O teu perdão de Pai ainda não pode ser.
Mas lembra-te que é fraca a alma que aguenta:
Se é possível, desvia o fel do vaso:
Se não é, beberei. Não faças caso.
Meu Deus, aqui me tens aflito e retirado,
Como quem deixa à porta o saco para o pão.
Enche-o do que quiseres. Estou firme e preparado.
O que for, assim seja, à tua mão.
Tua vontade se faça, a minha não.
Senhor, abre ainda mais meu lado ardente,
Do flanco de teu filho copiado.
Corre água, tempo e pus no sangue quente:
Outro bem não me é dado.
Tudo e sempre assim seja,
E não o que a alma tíbia só deseja.
Se te pedir piedade, dá-me lume a comer,
Que com pontas de fogo o podre se adormenta.
O teu perdão de Pai ainda não pode ser.
Mas lembra-te que é fraca a alma que aguenta:
Se é possível, desvia o fel do vaso:
Se não é, beberei. Não faças caso.
Vitorino Nemésio, O Verbo e a Morte (1959)
LINHAS DE LEITURA
• Tom de prece do texto (Prece é uma oração, é uma
atitude que implica a submissão de um Eu, que se considera inferior, a um Tu
superior e transcendente).
• A humildade do sujeito poético: oposição entre o sublime ("Meu Deus") e o abjecto ("dá-me
lume a comer,/Que com pontas de fogo o podre se adormenta").
• A confissão de culpa e de vazio (autocaracterização, marcadamente negativa e aviltante do Eu).
• A abertura a Deus (a procura do Sagrado e do Divino como forma de superar a "fraca
alma").
• A confiança, visível no tratamento por "tu”.
• Afirmação da paternidade de Deus.
• Os conflitos a caminho da pacificação.
• A expressividade das metáforas.
• As alusões bíblicas (as imagens da Paixão de Cristo são transpostas para a vivência da dor e do
sofrimento do Eu: “abre ainda mais o seu lado ardente,/Do Flanco de teu filho
copiado", "Se é possível, desvia o fel do vaso").
Adaptado de: Aula
Viva. Português B 12º Ano, João Guerra e José Vieira, Porto Editora, 1999 e
http://www.lithis.net/56
SUGESTÕES DE LEITURA
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/08/15/prece.aspx]
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