Xu Bing, "The Glassy Surface of a Lake" |
VERBO E EQUÍVOCO
Chamo verbo ao equívoco falado
Que em tábuas decorei de tempo e modo
Mas o Verbo é unívoco e sagrado
Junto a Deus, mesmo Deus, único e todo.
Lá do sempre arrancando e em nunca nado,
O eterno abarca o mundo e a vida a rodo:
É no que foi e no devir tornado
Por amor novo Adão, limpo de lodo.
Desse Verbo que falo, mal declino
O caso do meu nome nele divino
Anónimo, sem ele, vagueio mudo:
Mas, chamem-no os vestígios da parábola,
E brilho como a pérola da fábula,
Homem, menos que nada e mais que tudo.
Chamo verbo ao equívoco falado
Que em tábuas decorei de tempo e modo
Mas o Verbo é unívoco e sagrado
Junto a Deus, mesmo Deus, único e todo.
Lá do sempre arrancando e em nunca nado,
O eterno abarca o mundo e a vida a rodo:
É no que foi e no devir tornado
Por amor novo Adão, limpo de lodo.
Desse Verbo que falo, mal declino
O caso do meu nome nele divino
Anónimo, sem ele, vagueio mudo:
Mas, chamem-no os vestígios da parábola,
E brilho como a pérola da fábula,
Homem, menos que nada e mais que tudo.
Vitorino Nemésio, O Verbo e a Morte, Lisboa, Moraes Editora, 1959, p. 67.
TEXTOS DE APOIO | LEITURA ORIENTADA
Texto 1
Em «Verbo e Equívoco», o Poeta contrapõe ao verbo humano, equívoco falado, aoVerbo de Deus, unívoco e sagrado, único e todo (1ª quadra), que abarca o mundo e a vida na Sua eternidade, sempre presente no que foi e no devir, o novo Adão (2ª quadra).
Confrontando-se «Anónimo, sem ele», e mal declinando, mudo, o caso do seu nome, nos tercetos, o sujeito proclama-O paradoxalmente menos que nada e mais que tudo, ainda que seja considerado apenas vestígio de parábola e fábula.
António Moniz, “O Ser e o não Ser”
in Para uma leitura de sete poetas contemporâneos,
Lisboa, Editorial Presença, 1997, p. 79.
Texto 2
Voz interior, palavra-terra, verbo-vida, são imagens que atravessam a poesia de Vitorino Nemésio, um dos nossos poetas em quem a crença, metafísica e religiosa, na possibilidade de transmutação da palavra em Verbo está mais fortemente enraizada, em particular nesse livro abissal e denso de implicações linguístico-teológicas que é O Verbo e a Morte (1959). Com um sentido agudamente moderno da palavra e da língua, Nemésio joga-se num xadrez sem xeque-mate, que é o da dialética entre palavra (humana) e Verbo (sagrado), permanentemente em tensão criativa no trabalho poético com a língua. Se, quase a abrir, escreve: "No lance do verbo jogo, / Mas, se vigio o meu lado, / A boca sabe-me a fogo / Do sentido inesperado.", logo a seguir uma segunda voz parece contradizê-lo: "Flato de voz é morte irreparável, / Só Verbo é vida: / Aquele que tenta o inefável / Fala de voz proibida."
Neste jogo entre ilusão de univocidade e real equivocidade na língua, esta está consciente dos seus limites, mas sabe também que "só em nós o Verbo se demora", que a língua, enquanto "palavra essencial", pode entrar no caminho de uma sacralização do humano, ganhar alma, entrever o Verbo: "Chamo verbo ao equívoco falado (...) / Mas o Verbo é unívoco e sagrado (...) / Desse Verbo que falo, mal declino / O caso do meu nome, nele divino; / (...) Mas, chamem-no vestígios da parábola, / E brilho como a pérola da fábula, / Homem, menos que nada e mais que tudo."
João Barrento, “A língua portuguesa na poesia portuguesa de hoje”,
in Revista de Cultura nº 30, Fortaleza, São Paulo, novembro de 2002.
SUGESTÕES DE LEITURA
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/09/08/Verbo.Equivoco.aspx]
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