O POETA É UM MOSTRADOR
O poeta é um mostrador. Tal numa ostra
Se esconde como lágrima uma pérola
Cantando, se não é alma o que mostra
E, chorando, uma estrela, acha uma esquírola
De estrela e um hausto íntimo que o prostra:
Último alento de hálito, berilo
Na coroa do Ser com que se arrostra.
Sua voz (frio e fosco) é a pérola.
Mas o poeta ainda é mais que mostrador
Do próprio coração da vida, à flor
Do verbo de raiz no Verbo-Amor:
Porque, do fogo ateador (e foge-o
Então o humano medo), é já relógio
Do tempo eterno, às mãos de Deus, sua dor.
O poeta é um mostrador. Tal numa ostra
Se esconde como lágrima uma pérola
Cantando, se não é alma o que mostra
E, chorando, uma estrela, acha uma esquírola
De estrela e um hausto íntimo que o prostra:
Último alento de hálito, berilo
Na coroa do Ser com que se arrostra.
Sua voz (frio e fosco) é a pérola.
Mas o poeta ainda é mais que mostrador
Do próprio coração da vida, à flor
Do verbo de raiz no Verbo-Amor:
Porque, do fogo ateador (e foge-o
Então o humano medo), é já relógio
Do tempo eterno, às mãos de Deus, sua dor.
Vitorino Nemésio, O Verbo e a Morte (1959)
TEXTO DE APOIO
No poema «O Poeta É Um Mostrador», Vitorino Nemésio, de forma implícita e através do recurso à ostra e à pérola por ela produzida, aborda de novo as modificações que o canto do poeta sofre, o meio de onde parte, até chegar à perfeição. Servindo‑se de uma comparação ‑ «Tal numa ostra / Se esconde como lágrima uma pérola» ‑, acaba por mostrar como a larva pode originar uma criação bela, considerando a voz do poeta a pérola que se encontra alojada dentro da ostra: «Sua voz (frio ele e fosco) é a pérola».
A pérola é o resultado da reacção da ostra a elementos perturbadores que nela se introduzem, um dos quais pode ser a larva. Esta, será, pois, causa da formação da pérola. O poeta é considerado por Vitorino Nemésio «frio e fosco», enquanto a sua voz, o seu canto, é a pérola preciosa que alberga em si, que esconde dentro de si próprio e que foi construindo a partir da «larva» que dentro de si se instalou.
Maria da Assunção Morais Monteiro, «A metamorfose em Vitorino Nemésio e Miguel Torga», em Vitorino Nemésio. Vinte Anos Depois – Actas do Colóquio Internacional, Lisboa-Ponta Delgada, Cosmos, 1998, pp. 179-187. Disponível em alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/zips/assunc01.rtf
LINHAS DE LEITURA
Comente o poema, explicitando e desenvolvendo os tópicos:
• A pérola que se esconde dentro da ostra ‑ o poeta ‑ é a palavra.
• A ostra participa do simbolismo da pérola: a actividade criadora, a perfeição.
• O poeta é um criador e a sua actividade exerce-se pela palavra. É o criador do Verbo, que revela "o coração da vida".
• Quer cante, quer chore, o poeta é um ser que procura mostrar a interioridade do Ser.
• A expressividade das metáforas e das imagens deixa transparecer o trabalho sobre a enunciação.
Aula Viva. Português B 12º Ano, João Guerra e José Vieira, Porto Editora, 1999.
SUGESTÕES DE LEITURA
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/09/05/poeta.mostrador.aspx]
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