Proençaes soen mui ben trobar
e dizen eles que é con amor;
mais os que troban no tempo da frol
e non en outro, sei eu ben que non
an tan gran coita no seu coraçon
qual m'eu por mha senhor vejo levar.
e dizen eles que é con amor;
mais os que troban no tempo da frol
e non en outro, sei eu ben que non
an tan gran coita no seu coraçon
qual m'eu por mha senhor vejo levar.
Versos de uma cantiga de amor e simultaneamente sátira literária composta pelo Rei Dom Dinis
Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?
Versos de uma cantiga de amigo composta pelo Rei Dom Dinis
«NO TEMPO DA FROR»
O baile, enfim, ali armado a rigor, e os senhores da cidade sem virem! Ouviu-se rodar um trem. Manuel Bana furou por entre os convidados, como se estivesse numa venda e fosse apartar uma briga. Mas entrou meio murcho, seguido de Damião Serpa e do tenente Espínola à paisana. João Garcia mostrara muita pena, mas estava de serviço: tinha de pagar uma troca ao capitão Soares; pedia desculpa...
A Rosa Bana fora buscar Margarida à cadeira do pé do altar, que era o lugar de respeito. Margarida abria os braços escusando-se, como quem não tem consigo a prenda que procuram; alegava um começo de rouquidão que apanhara na tarde do bezerro, quente das papas de milho.
‑ Não se faça rogada, Bidinha!
Aquele argumento venceu-a; encostou a cadeira, tomou o lugar da namorada de Chico Bana em frente dele. Damião Serpa substituíra um rapaz das Funduras por baixo do braço da viola, e deitou cantiga a propósito, que agradou logo muito:
Boa noite digo a todos,
Que eu tive ensino de mãe:
Viva a dona desta casa
E estas meninas também.
Então Margarida, aproveitando a pausa que o Feijão fizera no baile para apertar as cravelhas da viola, agarrou Manuel Bana, que se fora plantar desconsolado e de mão no batente de forro; trouxe-o para o terreiro entre risos, quase arrastado, e encaixou-o no lugar do sobrinho, no meio das palmas e dos vivas dos convidados divertidos. O Feijão mandou "rasgar":
Eu trago terra de longe
Para fazer um jardim,
Para plantar este cravo
Que está longe de mim.
A voz de Margarida tinha um timbre claro naquela ironia do "jardim", do "cravo" que parecia crescer do bigode de Manuel Bana e florir-lhe os olhos velhos, rodeados de preguinhas velhacas. Todo ele ria, fazia "que não" com a cabeça, parecia procurar caminho para se esgueirar dali:
‑ Ora a alembrança da menina! Fazer pouco de um home... Um velho, cos dentes escabaçados! ‑ E alargava a mão na cara encovada, no seu gesto manhoso.
Mas o seu olhar fino e doce interrogava a cabeça de Margarida, meio pendida no ombro, a expressão longínqua e iluminada da testa e do cabelo um pouco desmanchado, que parecia seguir o rasto da cavalgada que se perde no pó e deixa os campos conforme a noite desenha as árvores e as lavas, por cima dos buracos dos grilos.
Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal, Capítulo XVIII.
Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal, Capítulo XVIII.
LINHAS DE LEITURA
1. Decifre o simbolismo do título do capítulo, atendendo ao facto de “No tempo da fror” ser uma perífrase muito usada nas cantigas de amigo da lírica trovadoresca (Idade Média).
2. Localize a ação no tempo e no espaço.
3. De que forma o profano e o sagrado se misturam no texto?
4. Recolha exemplos dos registos de língua popular e cuidado.
5. Caracterize Margarida e Manuel Bana.
CHAVE DE CORREÇÃO
1. “No tempo da fror” é uma perífrase muito usada na lírica trovadoresca galego-portuguesa para designar a Primavera e o incitamento ao amor que esta estação supostamente provoca.
2. Para responder a este item é necessário ser capaz de associar o título ao mês de Maioe o espaço a um ambiente rural, na casa de Manuel Bana: «O baile, enfim, ali armado arigor e os senhores da cidade sem virem!»
3. Importa realçar que o religioso coexiste com o profano de forma natural: Margarida sai do pé do altar (erigido em honra do Espírito Santo) para ir participar nas cantigas aodesafio.
4. …
5. …
Novo Ser em Português 10, coord. A. Veríssimo, Porto, Areal Editores, 2007.
SUGESTÕES DE LEITURA
► Apresentação crítica, seleção, notas e linhas de leitura de
textos de Vitorino Nemésio
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/09/20/no.tempo.da.fror.aspx]
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