Eme Line, sismo em Itália, 2012 |
A VIDA É TEMPO
Com alma, ideias, tempo, luta
Componho um homem, sou sujeito:
Penso-me livre numa gruta
Como pretérito imperfeito.
De era se faz o meu futuro,
Será será o meu passado
Como da hera se faz o muro
Mais que da pedra levantado.
Se horas a nada levam tudo,
Nada nasceu, tudo é que é,
Haja ou não haja Sartre e o mundo
Deus Tudo-Nada havido em fé.
Que ele é Deus mesmo no absoluto
Ser contestado, tão assente
Que se faz Deus na voz que escuto,
Mesmo que o negue, e me desmente.
Com alma, ideias, tempo, luta
Componho um homem, sou sujeito:
Penso-me livre numa gruta
Como pretérito imperfeito.
De era se faz o meu futuro,
Será será o meu passado
Como da hera se faz o muro
Mais que da pedra levantado.
Se horas a nada levam tudo,
Nada nasceu, tudo é que é,
Haja ou não haja Sartre e o mundo
Deus Tudo-Nada havido em fé.
Que ele é Deus mesmo no absoluto
Ser contestado, tão assente
Que se faz Deus na voz que escuto,
Mesmo que o negue, e me desmente.
Vitorino
Nemésio, O Verbo e a Morte, Lisboa,
Moraes Editora, 1959, p. 22.
TEXTO DE APOIO
| LEITURA ORIENTADA
Em
«A Vida É Tempo», em quatro quadras
octossilábicas, a dialética Tudo-Nada, independentemente do niilismo
existencialista de Jean-Paul Sartre, assume particular significado.
Nas
duas primeiras
quadras, após
a carac
terização elementar do homem em termos que articulam o idealismo ao
dinamismo da luta («Com alma, ideias, tempo, luta»), o sujeito proclama a sua
liberdade imperfectiva, expressa quer através da imagem críptica da gruta, quer
a partir da comparação gramatical do pretérito imperfeito, que exprime
uma ação inacabada. Então, o futuro constrói-se com a luta nunca terminada («De
era se faz o meu futuro»), assumindo o jogo da homofonia (era/hera) um
trocadilho surpreendente, já que na comparação entre hera e muro aquela
adquire paradoxalmente maior valor, talvez para indiciar a relevância,
aparentemente pouco significativa, do passado em ordem ao futuro.
Nas
restantes duas quadras, a noção
desconcertante da erosão do Tempo, simbólica da Morte, é caminho para a
descoberta do Absoluto, como Tudo-Nada, independentemente de ser
admitido ou negado, escutado ou contestado, já que a Sua essência permanece.
António Moniz, “O Ser e o não Ser”
in Para uma leitura de sete poetas
contemporâneos,
Lisboa, Editorial Presença, 1997, p. 79.
Nabucodonosor II, rei da Babilónia, visto por William Blake, 1805 |
SUGESTÃO
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/09/10/vida.tempo.aspx]
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