TERRA DE LUME
Rezo, dobrado, aos Anjos da manhã.
O céu é fosco e o coração sonoro
Como a chuva que cai na telha vã
E o verbo com que imploro.
Terra de lume implanta
O meu corpo de velho
Enrolado na manta.
Rezo, dobrado, aos Anjos da manhã.
O céu é fosco e o coração sonoro
Como a chuva que cai na telha vã
E o verbo com que imploro.
Terra de lume implanta
O meu corpo de velho
Enrolado na manta.
As minhas mãos estão postas ou podadas?
Sou gente ou vide?
O chão, com minhas folhas amontoadas,
do Inferno me divide.
Mas, rezo sempre, como o fio da fonte
Teima na rocha viva ao mar virada
Na esperança de que um cântaro desponte
E o apare ainda ‑ ou a covinha breve
Que, temendo o queimor da água salgada,
Ele próprio em pedra abriu
Como na terra leve,
Ajudado dos álamos, o rio.
Sou gente ou vide?
O chão, com minhas folhas amontoadas,
do Inferno me divide.
Mas, rezo sempre, como o fio da fonte
Teima na rocha viva ao mar virada
Na esperança de que um cântaro desponte
E o apare ainda ‑ ou a covinha breve
Que, temendo o queimor da água salgada,
Ele próprio em pedra abriu
Como na terra leve,
Ajudado dos álamos, o rio.
Vitorino Nemésio, O Pão e a Culpa (1955)
TEXTO DE APOIO
Ao longo de O Pão e a Culpa, Nemésio consegue um notável equilíbrio entre essa voz interior, a do «coração sonoro», e as imagens do mundo exterior que o poeta incorpora na sua angústia. Ora o lume lhe promete a lucidez da estrela, ora a água (promessa de lenitivo) se transforma, dentro da oração, num estímulo de esperança, «como a chuva que cai na telha vã».
José Martins Garcia, Vitorino Nemésio, a obra e o homem, Lisboa, Editora Arcádia, 1978, p. 174)
LEITURA ORIENTADA
1. Justifique o título do poema (cf. esquema que se segue).
O Divino Espírito Santo, por ser «língua de lume» (Verbo de apóstolo, comunicação a todos os povos), é também a «língua de lume» (vulcão) castigadora dos desvarios humanos. (José Martins Garcia, Vitorino Nemésio, a obra e o homem, Lisboa, Editora Arcádia, 1978, p. 172)
2. Caracterize o eu poético, atendendo à sua postura perante Deus.
3. Que expressões, na 1ª estrofe, reenviam para a ideia de «esperança» e de «voz interior»?
4. Comente os versos 10 e 11, considerando a polissemia de folhas. (Folhas: Outono, fim da vida e/ ou representação do papel, ou seja, da poesia.)
5. Divida o texto em duas partes lógicas, justificando a delimitação efectuada.
6. Faça o levantamento dos recursos expressivos mais relevantes.
Ser em Português 12, coord. A. Veríssimo, Porto, Areal Editores, 1999.
SUGESTÕES
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/09/02/terra.de.lume.aspx]
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