Aquele cais ali,
agudo e nu,
Que o mar percute e coroa de asas,
Sabes? pareces-me tu,
Adiada ‑ e, no fundo, casas.
Tu, não mulher salva ou perdida,
Nem tu, esperança de pedra,
Mas terra da minha vida
Onde o mar alto medra.
O cais vazio!
O que eu deixei no cais, despachado e chorando!
Meu vulto de menino frio
Que mal aquece um «até quando?».
A linha gris, rasa e arredada
Em minhas lágrimas tão nuas,
E minha ausência procurada
(Um pouco tarde) pelas tuas.
Assim um «teu» num «meu» insiste.
Que mãe anónima adianta
Cabelo longo e riso triste
À filha feita de tanta
Coisa que não existe?
Ao cais que eu penso
Não chega vela, nem jamais
Asa ou ponta de lenço
Ensina porto ou saudade
‑ Que é pura pedra idade sem idade,
Que o mar percute e coroa de asas,
Sabes? pareces-me tu,
Adiada ‑ e, no fundo, casas.
Tu, não mulher salva ou perdida,
Nem tu, esperança de pedra,
Mas terra da minha vida
Onde o mar alto medra.
O cais vazio!
O que eu deixei no cais, despachado e chorando!
Meu vulto de menino frio
Que mal aquece um «até quando?».
A linha gris, rasa e arredada
Em minhas lágrimas tão nuas,
E minha ausência procurada
(Um pouco tarde) pelas tuas.
Assim um «teu» num «meu» insiste.
Que mãe anónima adianta
Cabelo longo e riso triste
À filha feita de tanta
Coisa que não existe?
Ao cais que eu penso
Não chega vela, nem jamais
Asa ou ponta de lenço
Ensina porto ou saudade
‑ Que é pura pedra idade sem idade,
Dentro de mim, o
cais.
Vitorino Nemésio, Eu, Comovido a
Oeste, Lisboa, Revista de Portugal, 1940.
TEXTO DE APOIO
| LEITURA ORIENTADA
No
poema «Aquele Cais Ali, Agudo e Nu»,
em quatro quadras, uma quintilha e uma sextilha de versos irregulares, dirigido
a um tu ambíguo, aparentemente feminino, consubstancia-se a vivência
dramaticamente lacunar de um amor que não existe. O cenário insular de um cais
vazio (3ª estrofe) e, por isso, agudo
e nu (1ª estrofe) começa por
parecer o destinatário singular do poema («tu, / Adiada»). No entanto, não se
trata de uma mulher salva ou perdida, nem de uma esperança de pedra, mas
do próprio Eu, narcisicamente desdobrado em diálogo: «Mas terra da minha vida /
Onde o mar alto medra» (2ª estrofe).
As
3ª e 4ª estrofes confirmam esta
interpretação individualista: o cais tanto evoca o vulto de menino frio partindo,
despachado e chorando, sem se saber quando voltaria à terra («Que mal
aquece um "até quando?"») como a sua ausência saudosa,
simbolizada na linha gris, rasa e arredada.
Mas,
apesar dessa procura «(Um pouco tarde)», apesar da insistência de um «teu»
num «meu», não se realiza qualquer encontro interpessoal, já que a resposta
subentendida à pergunta retórica, formulada na 5ª estrofe, assim o sugere: «Que mãe anónima adianta / Cabelo longo
e riso triste / À filha feita de tanta / Coisa que não existe?»
Com
efeito, a última estrofe confirma a
frustração de um cais puramente pensado dentro do sujeito («Dentro de
mim»), pura pedra sem idade, onde não se realiza qualquer encontro
amoroso, nem se verifica qualquer partida saudosa, já que a esse cais «Não
chega vela, nem jamais / Asa ou ponta de lenço / Ensina porto ou saudade».
Perante
a nudez dramática de uma alma em autoexposição afetiva, o jovem leitor poderá
recriar o percurso da sua própria experiência lacunar e registar poeticamente
as impressões emotivas de tal percurso.
António Moniz, “A temática marítima”in Para uma leitura de sete poetas
contemporâneos, Lisboa, Editorial Presença, 1997, pp. 76-77.
SUGESTÃO
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2012/09/11/cais.aspx]
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