Moby&The Void Pacific Choir – Are You Lost In The World Like Me |
JOVENS À PORTA DO CHIADO
Veem-se ao telemóvel como ao espelho
nos nomes e nos números buscando
o lodo morno dum profundo poço
O seu mundo está preso àquele fio
de presente irreal que não explica
o facto de ser a pele a pele ainda
Tudo fica no raio do olhar
brevemente fictício a vida reduzindo
ao enredo menor das chamas perdidas
das mensagens que vindas ou não vindas
fazem tremer do dia o edifício
Disso vivem fingindo que se veem
a si somente enquanto o mundo escorre
com a rapidez do dia para o poço
Gastão Cruz, Escarpas,
Assírio & Alvim, 2010
Muitos
livros de Gastão Cruz (1941-2022) têm como título uma só palavra, ou, quando
não, duas palavras (o artigo e o nome). Hematoma (1961), Escassez
(1967), Campânula (1978), O Pianista (1984), Crateras
(2000), Fogo (2013), Óxido (2015), Existência (2017). A palavra
nuclear que, do título aos poemas de um livro, faça irradiar a mensagem, essa
uma das linhas da obra deste enorme poeta. Em 2010, Escarpas
convidava-nos a lermos o tempo e o seu sentido ou a ausência de sentido no
tempo. Nas suas cinco secções, na melodia dos ritmos e no trabalho rigoroso da
frase, escrevendo-se sobre pianistas (Emil Gilels, Richter, Horowitz), pintura
(Holbein), cinema (W. Allen), sobre o amor e o desencontro, o corpo e o
desencanto, é da vida que a poesia sempre fala. Gastão Cruz, como nenhum outro
poeta, leu a nossa época e, atualíssimo, sintetizou em versos impressionantes:
"A perda real é a perda do sentido/Só se perde o sentido do que não/ foi
nunca real senão quando perdido." Em tempo de preparação do verão, que se
leia este poeta.
António
Carlos Cortez, sinopse do livro Escarpas. In: Diário de Notícias, 02-07-2023.
Disponível em https://www.dn.pt/opiniao/appetite-for-destruction-a-geracao-mais-bem-preparada-de-sempre-2-parte-16623307.html
Linhas de leitura
“Jovens à porta do Chiado”, de Gastão Cruz, é um poema que
retrata a alienação dos jovens com o mundo digital.
- Os jovens estão constantemente conectados ao telemóvel, vendo-se refletidos nele como se estivessem diante de um espelho.
- Eles estão imersos num ambiente superficial, representado pelo "lodo morno dum profundo poço".
- O seu mundo é limitado e dependente dessa conexão virtual, que não explica a verdadeira experiência da interação física.
- Tudo o que lhes importa é o que está ao alcance dos seus olhos, reduzindo a vida a uma realidade momentaneamente fictícia, limitando-a ao enredo trivial das chamas perdidas.
- Esses jovens dependem das mensagens, mesmo que não cheguem, para manterem a ilusão de estarem a viver.
- Eles fingem que se veem e se conhecem, mas a verdade é que estão isolados na sua própria superficialidade, enquanto o mundo ao seu redor escorre rapidamente, como o tempo que passa, para o poço da insignificância.
Poderá também gostar de:
Opinião
Appetite for destruction: a "geração mais bem preparada de sempre"
(2.ª parte)
Veem-se ao telemóvel como
ao espelho
nos nomes e nos números buscando
o lodo morno dum profundo poço
Gastão
Cruz, Escarpas, Assírio & Alvim, 2010, p. 39
Acrescento
mais alguns argumentos ao artigo de 8 de junho aqui publicado. As críticas que tenho feito ao digital na
escola e na universidade têm tido algum eco junto de professores e outros
agentes educativos. Mas não era previsível a alienação, a ignorância, a
incuriosidade dos "nativos digitais" quanto aos mais diversos
saberes, uma vez imersos no mundo digital? Todos vemos que nada leem e pouco
sabem, porque se tudo o que importa está "à distância de um clique",
tudo o que exija esforço lhes é odioso. Jamais o "como" e o
"para quê" das aprendizagens é questionado pelos estudantes. Decorar
sem saber, dizer umas quantas coisas politicamente corretas, isso basta para
garantir classificações acima do 16. Os professores, salvo raríssimas exceções,
estão reféns desta lógica alienante. Todavia, ouve-se dizer que "esta é a
geração mais bem preparada de sempre". Uma mentira soez. Propaganda pura.
Estamos confrontados com um problema que Heidegger enunciou há décadas: a ausência
de linguagem. "Débito e crédito", eis a novilíngua. O poeta António
Ramos Rosa, nos anos 60, denunciava no Poema dum funcionário cansado o terror
de vivermos num quotidiano que esmaga a imaginação e a curiosidade, tudo vendo
sob a ótica do lucro imediato.
Os exames
nacionais provam as consequências desta lógica alienante. A geração mais bem
preparada de sempre é filha deste sistema, errado, assassino e corruptor. Os
exames de Português e de Matemática relacionam-se, claro, porque revelam: 1.º
não há como avaliar a expressão escrita e a análise do texto literário de forma
séria e rigorosa, porquanto isso equivaleria a formular questões de natureza
hermenêutica a que nenhum aluno sabe hoje responder com propriedade. Nas aulas
de Português quase nunca leem ensaio e crítica, impera ainda o impressionismo
como "método" de compreensão de um texto literário. Daí os
verdadeiro-falso e as cruzinhas e a escolha múltipla, isto numa disciplina que
já foi a base do ler e do escrever; 2.º as dificuldades do exame de Matemática
devem-se à incompreensão dos enunciados. Linguagem, uma vez mais. É que "a
geração mais bem preparada de sempre" à saída do 12.º ano pouco sabe ou
mesmo nada. Redige uns quantos lugares-comuns sobre as obras do currículo, que
não leu. Em Matemática, se não sabem o sentido dos verbos ou se se crê que
armadilhar um exame é ser exigente, como não terão dificuldades? Que educação é
esta?
A Suécia
proibiu o uso de tablets e de quaisquer suportes multimediáticos na escola,
investindo 60 milhões de euros em livros e manuais; nós por cá insistimos nos
tablets e demais parafernália tecnológica. Somos um país progressista, pois
claro. Somos modernos, pois então! Manuel Cruz, filósofo espanhol, escreveu em
2016, em Ser Sin Tiempo (ed. Herder, Barcelona), que a nossa época,
desmaterializada, se caracteriza pela instantaneidade, pelo impensado. Tudo -
das escolas às empresas, dos programas de televisão aos programas políticos -
obedece à lógica do "não há tempo a perder, porque não há tempo". A
geração "mais bem preparada de sempre" nunca será filha de Voltaire:
"Na educação, a questão não é ganhar tempo, mas perdê-lo." Do TikTok
às redes sociais, dos ecrãs à infantilização das aprendizagens, os nossos
estudantes são desmemoriados e insensíveis. Viverão "cantando e
rindo", olhando-se nos telemóveis como num espelho. No "profundo
poço" de uma existência morna, serão incapazes de lidar com o
"não", porque tudo foi "sim" nas suas vidas. Mais violentos
e inconscientes, o pragmatismo destes "nativos digitais" é sinónimo
de individualismo - o totalitarismo egóico. É o Portugal futuro? É o Portugal
presente.
Gastão
Cruz, pela mão da poesia, viu-os às portas do Chiado. A geração mais bem
preparada de sempre não lerá poesia. Lerá simulacros. A sua música é a da pornografia.
A imaginação, a beleza, o estranho da arte e das disciplinas que exigem escrita
e leitura confronta-os com o que ignoram. Não gostam. Na escola da felicidade -
onde todos são educados para serem "todos iguais" e geniais - o
apetite pela destruição é a única linguagem com que dizem um mundo escarpado.
António
Carlos Cortez, Diário de Notícias, 02-07-2023. Disponível em https://www.dn.pt/opiniao/appetite-for-destruction-a-geracao-mais-bem-preparada-de-sempre-2-parte-16623307.html
Look harder, say it’s done
Black days and a dying sun
Dream a dream of god lit air
Just for a minute you’ll find me there
Look harder and you’ll find
The 40 ways it leaves us blind
I need a better place
To burn beside the lights
Come on and let me try
Are you lost in the world like me?
If the systems have failed?
Are you free?
All the things, all the loss
Can you see?
Are you lost in the world like me?
Like me?
Burn a courtyard, say it’s done
Throwing knives at a dying sun
A source of love in the god lit air
Just for a minute, you’ll find me there
Look harder and you’ll find
The 40 ways it leaves us blind
I need a better way
To burn beside the lights
Come on and let me try
Are you lost in the world like me?
If the systems have failed?
Are you free?
All the things, all the loss
Can you see?
Are you lost in the world like me?
Like me? [x2]
Moby & The Void
Pacific Choir
- Este videoclipe de Moby pressagia um futuro solitário para a humanidade obcecada por smartphones. Ler mais em: https://thenewstack.io/new-moby-video-mocks-obsession-cellphones/
Sem comentários:
Enviar um comentário