Proençaes soem mui
bem trobar
e dizem eles que é com amor;
mais os que trobam no tempo da frol
e nom em outro, sei eu bem que nom
am tam gram coita no seu coraçom
qual m’eu por mia senhor vejo levar.
Pero que trobam e sabem loar
sas senhores o mais e o melhor
que eles podem, sõo sabedor
que os que trobam quand’a frol sazom
á, e nom ante, se Deus mi perdom,
nom am tal coita qual eu ei sem par.
Ca os que trobam e que s’alegrar
vam eno tempo que tem a color
a frol consigu’e, tanto que se for
aquel tempo, logu’em trobar razom
nom am, nom vivem em qual perdiçom
oj’eu vivo, que pois m’á de matar.
D. Dinis (CV 127, CBN 489)
A Lírica Galego-Portuguesa, 2.ª ed., edição de Elsa
Gonçalves e Maria Ana Ramos, Lisboa, Comunicação, 1985, p. 286.
Notas
soem (verso 1) – costumam.
mais (verso 3) – mas.
frol (verso 3) – flor.
coita (verso 5) – sofrimento amoroso.
levar (verso 6) – suportar; sofrer.
Pero que (verso 7) – embora.
quand’a frol
sazom / á (versos 10 e 11)
– na estação das flores.
par (verso 12) – igual; semelhante.
Ca (verso 13) – pois; porque.
tanto que se
for / aquel tempo, logu’em trobar razom / nom am (versos 15 a 17) – assim que acaba aquele
tempo, logo deixam de ter razões para trovar.
Análise de uma composição trovadoresca
galego-portuguesa
1.
Apresentação:
Identificação:
«Proençaes soen mui ben trobar»
Género: cantiga de
amor e simultaneamente sátira literária
Presença nos
cancioneiros: CV 127, CBN 489
Autor: D. Dinis
2.
Paráfrase da cantiga: (por Natália Correia, Cantares dos Trovadores
Galego-Portugueses):
Os provençais que
bem sabem trovar!
e dizem eles que trovam com amor,
mas os que só na estação da flor
vejo trovar jamais no coração
semelhante tristeza sentirão
qual por minha senhora ando a levar.
Muito bem trovam! Que bem sabem louvar
as suas bem-amadas! Com que ardor
os provençais lhes tecem um louvor!
Mas os que trovam durante a estação
da flor e nunca antes, sei que não
conhecem dor que à minha se compare.
Os que trovam e alegres vejo estar
quando na flor está derramada a cor
e que depois quando a estação se for,
de trovar não mais se lembrarão,
esses, sei eu que nunca morrerão
da desventura que vejo a mim matar.
3.
Tema/ Assunto: contraposição da sinceridade amorosa peninsular ao
artificialismo do amor à maneira provençal.
4.
Estrutura formal: 3 estrofes uníssonas e «capcaudadas».
10a 10b 10b 10c
10c 10a
5.
Questionário sobre a cantiga “Proençaes soen mui ben trobar”, de D. Dinis.
5.1.
Explicite o contraste que o trovador estabelece, na primeira estrofe, entre a
sua prática poética e a dos «Proençaes» (verso 1).
5.2.
Analise o valor simbólico atribuído, ao longo do poema, à palavra «frol».
5.3.
Refira duas características temáticas que permitem integrar este texto no
conjunto das cantigas de amor.
5.4.
Neste poema, é possível reconhecer traços de sátira literária.
Comprove
esta afirmação, com base em dois aspetos relevantes.
Explicitação dos cenários de resposta
5.1.
Na resposta, devem ser desenvolvidos os dois tópicos seguintes, ou outros
igualmente relevantes.
Na
primeira estrofe, o trovador estabelece um contraste entre a sua prática
poética e a dos «Proençaes» (v. 1) do modo seguinte:
−
a prática poética do trovador, ao contrário da dos «Proençaes» (v. 1), não se
limita a uma certa estação do ano (como se subentende por «trobam no tempo da
frol / e nom em outro» ‒ vv.
3-4);
−
o trovador considera que os «Proençaes» (v. 1) sofrem muito menos por amor do
que ele («nom / am tam gram coita no seu coraçom» ‒ vv. 4-5).
5.2.
Na resposta, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros
igualmente relevantes.
Ao
longo do poema, a palavra «frol» adquire um valor simbólico:
−
como marca da primavera, literariamente conotada com o amor e com a poesia
(«tempo da frol» ‒ v. 3 ‒, aquele em que os «Proençaes» ‒
v. 1 ‒ costumam trovar);
−
como indício da chegada de uma estação do ano («quand'a frol sazom / á» ‒ vv. 10-11) propícia ao sentimento amoroso;
−
como sugestão de um ambiente alegre e cheio de cor («eno tempo que tem a color
/ a frol consigu'» ‒ vv.
14-15).
5.3.
Na resposta, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros
igualmente relevantes.
O
texto pode integrar-se no conjunto das cantigas de amor com base nestas
características:
−
a afirmação do sofrimento por amor, ou coita amorosa, de que padece o sujeito
poético («gram coita» ‒ v. 5; «tal coita» ‒ v. 12);
−
a devoção a uma mulher amada, designada por «mia senhor» (v. 6);
−
um sentimento tão intenso que leva o sujeito poético a prever a sua morte por
amor («em qual perdiçom / oj’eu vivo, que pois m’á de matar» ‒ vv. 17-18).
5.4.
Na resposta, devem ser desenvolvidos os dois tópicos seguintes, ou outros
igualmente relevantes.
A
presença de traços de sátira literária neste poema pode ser comprovada com base
nos aspetos seguintes:
−
a expressão «dizem eles» (v. 2) sugere uma desconfiança irónica no que respeita
à motivação dos «Proençaes» (v. 1);
−
ao longo do poema, a prática poética dos «Proençaes» (v. 1) é desdenhada pelo
sujeito poético (por nela reconhecer sinais de artificialismo).
(Questionário disponível no Exame
Final Nacional de Literatura Portuguesa. Prova 734 | 2.ª Fase | Ensino
Secundário | 2023 | 11.º Ano de Escolaridade | Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de
julho | Decreto-Lei n.º 22/2023, de 3 de abril. República Portuguesa – Educação
/ IAVE-Instituto de Avaliação Educativa, I.P.)
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“Poesia trovadoresca galego-portuguesa”, José Carreiro. In: Folha de Poesia, 2018-05-18. Síntese didática disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/poesia-trovadoresca-galego-portuguesa.html
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