Para quién escribo (I)
¿Para quién escribo?, me preguntaba el cronista, el
periodista o simplemente el curioso.
No escribo para el señor de la estirada chaqueta, ni
para su bigote enfadado, ni siquiera para su alzado
índice admonitorio entre las tristes ondas de música.
Tampoco para el carruaje, ni para su ocultada
señora (entre vidrios, como un rayo frío, el brillo de
los impertinentes).
Escribo acaso para los que no me leen. Esa mujer
que corre por la calle como si fuera a abrir las
puertas a la aurora.
O ese viejo que se aduerme en el banco de esa plaza
chiquita, mientras el sol poniente con amor le
toma, le rodea y le deslíe suavemente en sus luces.
Para todos los que no me leen, los que no se cuidan
de mí, pero de mí se cuidan (aunque me ignoren).
Esa niña que al pasar me mira, compañera de mi
aventura, viviendo en el mundo.
Y esa vieja que sentada a su puerta ha visto vida,
paridora de muchas vidas, y manos cansadas.
Escribo para el enamorado; para el que pasó con su
angustia en los ojos; para el que le oyó; para el que al
pasar no miró; para el que finalmente cayó cuando
preguntó y no le oyeron.
Para todos escribo. Para los que no me leen sobre
todo escribo. Uno a uno, y la muchedumbre. Y
para los pechos y para las bocas y para los oídos
donde, sin oírme, está mi palabra.
Vicente Aleixandre (1898-1984),
Em un vasto dominio (1962)
Para quem escrevo (I)
Para quem escrevo?, perguntava-me o cronista, o
jornalista ou simplesmente o curioso.
Não escrevo para o senhor de casaco esticado, nem
para o seu bigode zangado, nem mesmo para o seu
dedo indicador levantado entre as tristes ondas de música.
Tampouco para a carruagem, nem para a sua escondida
senhora (atrás dos vidros, como um raio frio, o brilho
dos impertinentes).
Escrevo talvez para os que não me leem. Essa mulher
que corre pela rua como se fosse abrir as
portas à aurora.
Ou esse velho que adormece no banco dessa praça
pequena, enquanto o sol poente com amor o
toma, o rodeia e o dissolve suavemente nas suas luzes.
Para todos os que não me leem, os que não se cuidam
de mim, mas de mim se cuidam (embora me ignorem).
Essa menina que ao passar me olha, companheira da minha
aventura, vivendo no mundo.
E essa velha que sentada à sua porta viu a vida,
parideira de muitas vidas, e mãos cansadas.
Escrevo para o apaixonado; para aquele que passou com a sua
angústia nos olhos; para aquele que o ouviu; para aquele que ao
passar não olhou; para aquele que finalmente caiu quando
perguntou e não o ouviram.
Para todos escrevo. Para os que não me leem sobre
tudo escrevo. Um a um, e a multidão. E
para os peitos e para as bocas e para os ouvidos
onde, sem me ouvirem, está a minha palavra.
Vicente Aleixandre (1898-1984),
Em um vasto domínio (1962)
Vicente Aleixandre
Poeta
espanhol, nasceu a 26 de abril de 1898, na cidade de Sevilha. Filho de um
engenheiro civil e neto materno de um oficial de alta patente, acompanhou a
família na sua mudança para Málaga, onde passou a infância.
No ano de
1909 os seus progenitores de novo se mudaram, desta feita para Madrid, onde
veio a permanecer o resto da sua vida. Ingressando nesse ano no Colégio
Teresiano, instituição de orientação religiosa, concluiu os seus estudos em
1913. Foi admitido no curso de Direito da Universidade de Madrid em 1914,
obtendo o seu diploma ao fim de seis anos.
Em 1920
foi nomeado professor assistente na Escola de Gestão Mercantil de Madrid
passando, pouco tempo depois, ao serviço dos caminhos de ferro. Em 1922 foi-lhe
diagnosticada uma insuficiência renal que o impossibilitou de levar uma vida
normal, pelo que preferiu retirar-se para a propriedade rural da família, onde
começou a compor poesia.
Em 1926
apareceram alguns dos seus poemas na Revista de Occidente graças ao
esforço de alguns amigos que, discordando do secretismo de Aleixandre,
decidiram enviá-los à redação do periódico. Em 1927 mudou-se para as cercanias
de Madrid e, no ano seguinte, publicou o seu primeiro livro, uma coletânea de
poemas intitulada Ámbito (1928), caracterizados pelo seu naturalismo e
emoção.
O dealbar
da década de 30 marcou um período surrealista na sua obra, denunciado em
volumes como La Destrucción O El Amor (1935), criação universal de
erotismo e morte, e que foi considerada pelos críticos como a sua melhor.
A eclosão
da Guerra Civil Espanhola fez com que Aleixandre passasse uma temporada na área
ocupada pelas tropas republicanas, já que as suas obras foram interditas pelo
regime de Franco, e a sua residência pilhada e destruída. Pôde, no entanto,
retomar a sua atividade editorial durante o período da Segunda Guerra Mundial,
pelo publicou, em 1944, Sombra Del Paraíso, obra melancólica que reverte para o
papel de lucidez do homem enquanto poeta.
Seguiram-se,
entre outros trabalhos, Historia Del Corazón (1954), um estudo da
fraternidade, Los Encuentros (1958), En Un Vasto Dominio (1962),
obra de enquadramento cosmológico do conceito da morte, Poemas De La
Consumación (1968) e Diálogos Del Conocimiento (1974), análise
dialética da esperança e do abandono.
Eleito
membro da Real Academia Espanhola em 1950, Vicente Aleixandre foi galardoado
com o Prémio Nobel da Literatura em 1977.
Faleceu
em Madrid a 14 de dezembro de 1984.
Porto
Editora – Vicente Aleixandre na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora.
[consult. 2023-07-25]. Disponível em
https://www.infopedia.pt/$vicente-aleixandre
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