Alberto Caeiro
uma arte de ser
Na obra de Caeiro, há um objetivismo absoluto ou antimetafísico. Não lhe interessa o que se encontra por trás das coisas. Recusa o pensamento, sobretudo o pensamento metafísico, afirmando que "pensar é estar doente dos olhos".
Caeiro, poeta do olhar, procura ver as coisas como elas são, sem lhes atribuir significados ou sentimentos humanos. Considera que as coisas são como são.
Constrói uma poesia das sensações, apreciando-as como boas por serem naturais. Para ele, o pensamento apenas falsifica as coisas.
Numa clara oposição entre sensação e pensamento, o mundo de Caeiro é aquele que se percebe pelos sentidos, que se apreende por ter existência, forma e cor. O mundo existe e, por isso, basta senti-lo, basta experimentá-lo através dos sentidos, nomeadamente através do ver.
Ver é compreender. Tentar compreender pelo pensamento, pela razão, é não saber ver. Alberto Caeiro vê com os olhos, mas não com a mente. Considera, no entanto, que é necessário saber estar atento à "eterna novidade do mundo".
Condena o excesso de sensações, pois a partir de um certo grau as sensações passam de alegres a tristes.
Em Caeiro, a poesia das sensações é, também, uma poesia da natureza. "Argonauta das sensações verdadeiras", o Poeta ensina a simplicidade, o que é mais primitivo e natural.
Optando pela vida no campo, acredita na Natureza, defendendo a necessidade de estar de acordo com ela, de fazer parte dela.
Pela crença na Natureza, o Mestre revela-se um poeta pagão, que sabe ver o mundo dos sentidos, ou melhor, sabe ver o mundo sensível onde se revela o divino, em que não precisa de pensar.
Ao procurar ver as coisas como elas realmente são, sublima o real, numa atitude panteísta de divinização das coisas da natureza.
Nesta atitude panteísta de que as coisas são divinas, desvaloriza a categoria conceptual "tempo".
O poeta confessa não ter "ambições nem desejos". Ser poeta é a sua "maneira de estar sozinho".
(in Preparação para o Exame Nacional 2010. Português 12º Ano, Vasco Moreira e Hilário Pimenta, Porto Editora, 2010, p. 40)
TEXTOS DE
APOIO
Texto
1
Os aspectos
biográficos da vida de Caeiro poderão contribuir para explicar
a simplicidade que
Caeiro, para si,
reclama. Vendo-se como um simples
"guardador de rebanhos",
não admira que
prefira a objectividade e a naturalidade
próprias dos mais simples.
Privilegia os órgãos dos sentidos, principalmente a visão
e a audição, porque
são estes
que lhe
permitem uma percepção exacta das coisas que
existem na natureza e com ela e nele
evoluem sem precisarem de uma explicação metafísica
ou intelectual.
Para ele, só
há a realidade, por
isso o tempo
não existe e, consequentemente, não faz referência
ao passado, nem
ao futuro, mesmo
porque todos
os instantes reflectem a unidade do próprio tempo.
O facto de se interessar
apenas por
aquilo que
as sensações captam faz dele um sensacionista. Adere espontaneamente às coisas e identifica-se com
elas, interrogando-se sobre o porquê
de se procurar o mistério
das coisas e afirmando não saber mais que o rio ou a árvore ("O mistério
das coisas, onde
está ele?/(...) Que
sabe o rio disso e que
sabe a árvore?/ E eu,
que não
sou mais do que
eles, que
sei eu disso?"). Por isso vai recusar o pensamento
e rir daqueles que
pensam ("Sempre que olho para as coisas e penso no que os
homens pensam delas, / Rio
como um
regato que
soa a fresco numa pedra.").
Estas afirmações de Caeiro reforçam o carpe
diem, filosofia de vida que adopta
o fruir da realidade,
de uma forma livre
e despreocupada, não vendo nas coisas nenhum sentido oculto,
reduzindo-as à percepção que delas tem, à sua
forma, à sua cor e à sua
concretez.
Diz-se contrário
à filosofia e apologista
dos sentidos ("Eu não tenho filosofia: tenho sentidos..."),
mas a verdade
é que cria
a sua própria
filosofia e um
pensamento incomum,
uma vez que,
ao recusar o pensamento,
teve de pensar nas razões
que o levaram a fazê-lo.
De qualquer
modo, após a leitura dos poemas
de "O Guardador de Rebanhos", parece não
restarem dúvidas quanto
ao seu pendor
simplista e reducionista, de forma a poder
viver sem dor e envelhecer sem angústia, o que é confirmado pelo conjunto de processos
estilísticos que emprega
na sua poesia,
realçando-se a abundância de substantivos
concretos, a quase
ausência de adjectivos (utiliza fundamentalmente os de teor
cromático ou formal, isto é,
sem valoração); recorre, ainda, ao presente do indicativo e à coordenação,
excluindo as figuras do pensamento como
a metáfora, a sinédoque,
a hipérbole, a antítese,
o que confirma também
a sua tendência
para a objectividade e para
a redução. Em contrapartida,
a poesia de Caeiro apresenta comparações
e alguns paradoxos
como forma de
objectivar o próprio sujeito.
A nível fónico, também
não são
visíveis recursos
como as aliterações,
assonâncias, ou
onomatopeias, dado que
a palavra, em
Caeiro, praticamente se anula em favor do seu referente, facto que
também pode ser
explicado pelo versilibrismo que
este adota, indiciando a lógica subjacente
à poesia deste heterónimo pessoano e que assenta na crença na singularidade das coisas,
mas que
marca uma ruptura
com os sistemas
literários ainda
vigentes.
Em conclusão, parece oportuno referir que a criação
deste heterónimo terá permitido ao
ortónimo libertar-se, quanto mais não fosse
momentaneamente, da "dor de pensar" que sempre o atormentou, e com
ela aprender
a viver a vida
de uma forma simples
e espontânea, justificando-se, deste modo, a designação de Mestre.
(Maria Peixoto e Célia Fonseca, Português B)
Texto 2
É o poeta que aceita o mundo
como ele
é sem
curar de lhe investigar a natureza
e a origem. O poeta
vive na observação, pelos
sentidos, do mundo
real, no tempo
presente. Para ele não há passado, porque
recordar é atraiçoar a natureza (que é
apenas o agora);
não há futuro,
porque o futuro
é campo de miragens
enganadoras. É, em suma,
o poeta do real
e do objectivo. Só os sentidos contam para ele e os olhos são o mais importante, talvez
porque os olhos
captam mais largamente
o mundo real.
Não quer nada
com a Filosofia:
" Há metafísica bastante em não pensar em nada";
"o único sentido
íntimo das coisas
é elas não
terem sentido íntimo
nenhum". Mas
note-se que tudo
isto não
passa de um
belo jogo
artístico. Com
efeito, Caeiro, ao negar
toda a Metafísica,
já está a raciocinar,
já está a construir
uma nova metafísica:
a antimetafísica.
Pessoa imaginou Alberto Caeiro como
tendo apenas a 4º classe
da instrução primária;
era no entanto
seu mestre
e mestre de Ricardo Reis
e de Álvaro de Campos (engenheiro). Mais
uma prova de que
tudo isto
é apenas um
jogo literário.
Mestre, Meu mestre querido!
Coração do meu
corpo intelectual
e inteiro!
Vida da origem
da minha inspiração!
Mestre, que
é feito de ti nesta forma
de vida?
Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de
nada,
Alma abstracta e visual até aos ossos,
Atenção maravilhosa
ao mundo exterior
sempre múltiplo,
Refúgio das saudades
de todos os deuses
antigos,
Espírito humano
da terra materna,
Foro acima
do dilúvio da inteligência
subjectiva...
Álvaro
de Campos
E o jogo
continua. Como camponês
que era
("guardador de rebanhos"),
convinha que Caeiro não
se revelasse num estilo muito culto. E,
de facto, o predomínio da coordenação,
as imagens e comparações comezinhas, a simplicidade do vocabulário,
o predomínio dos sentidos
denotativos, tudo isto
dá à sua linguagem
um nível próprio de um homem do campo,
embora, paradoxalmente,
com bastante
cultura e sobretudo
com hábitos
de raciocinar. A sua linguagem é
sobretudo abstracta, adaptada ao raciocínio, e nunca
nela surge a descrição impressionista da realidade.
O seu realismo
ingénuo, paradoxalmente, desemboca sempre no raciocínio.
Como poeta bucólico, Caeiro deveria basear
a sua poesia
na descrição visualista da natureza. Não só não o faz, mas a sua linguagem é adaptada à exposição
de uma teoria antimetafísica. Querendo repudiar qualquer filosofia, Caeiro transformou-se num poeta
filósofo, ou antifilósofo.
Este poeta dá-nos a impressão
de um homem
culto que
pretende despir-se da farda pesada de toda
a cultura amontoada ao longo dos séculos:
" O essencial é saber
ver/ Saber ver
sem estar a pensar, / Mas isso (triste de
nós que
trazemos a alma vestida!),
/ Isso exige um
estudo profundo,
/ Uma aprendizagem de desaprender..."
"Procuro despir-me do que
aprendi".
(António Afonso Borregana, Fernando Pessoa
e Heterónimos, Lisboa, Texto Editora,
1995, p.16)
Texto 3
Para se curar da sua tristeza de ser consciente,
Fernando Pessoa, com
a ajuda de Whitman, se sonhou Caeiro. O mundo existe, a realidade é
o que vemos, tocamos e cheiramos, tudo o mais são falsos pensamentos de filósofos e filosofias
doentes. Decadentes, como diria o seu
mestre Nietzsche. Pareceria assim que de novo o sentido da Realidade, a alegria
das coisas exteriores,
a aceitação do presente
na sua diversidade
e contradição infinitas, punham um termo ao
deprimente reinado do Sonho, ao pessimismo,
à tristeza, à era
da Decepção. Caeiro é a nossa reconciliação com
o universo, o regresso
à idade idílica
da harmonia com
a Natureza que,
aliás, não
é idílica. Na verdade,
Caeiro é o mero Sonho
desse Sonho. Nós
não podemos recuperar
a alma grega
que o cristianismo
corroeu sem remédio.
Não podemos ser
pagãos sem
inocência. Caeiro não
é uma saída verdadeira do labirinto do Tempo,
o nada vivo
em que
estamos, como Pessoa
visiona. É uma porta pintada para nos fazer crer
que tocamos com
mãos de vida
e não de sombra
o autêntico real.
Foi com a invenção-Caeiro que Pessoa ascendeu à sua vida duplamente mítica e é com
os versos de Caeiro e dos seus companheiros
de ficção que
o mito-Pessoa se tornou o símbolo
da Modernidade se, por modernidade, se entender a redenção pelo humor da vivência do Absurdo
e da Perdição da existência
humana em
busca de si
mesma. Contudo,
Pessoa-Caeiro não quebrou o círculo simbolista da Decepção
senão pagando por
ele um
preço excessivo,
transmutando (em ficção)
a consciência infeliz
em felicidade
inconsciente.
(Eduardo
Lourenço, Fernando, Rei da Nossa Baviera, Lisboa, IN-CM, 1986)
Texto 4
CAEIRO realiza-se, Caeiro não
anseia, não
sofre, não se esgota,
não luta.
Caeiro é feliz. Caeiro nem
sequer pensa,
Caeiro é. Tem a inocência de se limitar a ser, a aceitação
de ser natural,
sem subjetividade, só
superfície. Sem
subjetividade, por isso,
sem conflitos
com o real.
É um ser plano, a uma só
dimensão, sem
profundidade, transparente.
Esta é a sua originalidade.
Porque não
é de um humano
ser humano assim. Antes de
pedra, antes
de árvore. Como
se tivesse alcançado um estado de beatitude, em que não há revolta,
nem desejo,
nem ânsia,
nem sequer
compreensão: só
sentidos. Só
o contacto material com
os outros – corpo
– comum – natureza,
homens ou
coisas. A metafísica
está, assim, completamente
posta de lado.
Deus só
pode ser o que
existe para os sentidos
e sem qualquer
ideia unificadora, racionalizadora, sem qualquer sistema.
O pensamento
foi ultrapassado como se fase
larvar desta iniciação
e, agora, ver
e sentir na pele
são as únicas formas
de relação com
o real. Os símbolos
da infância e da criança
tornam-se inevitáveis. Caeiro é, talvez, uma nova
abordagem do paraíso
perdido, que os românticos nunca encontraram, porque
nunca se desumanizaram, antes se complexizaram como
humanos, seres
únicos, incomuns,
raros. Caeiro não.
É comum e bom.
Caeiro e os seus poemas
são uma metáfora,
uma construção alegórica para
a doutrinação de umas quantas linhas: objectividade; negação
do misticismo; negação
da metafísica; negação
do sentimentalismo social
e individual; hipertrofia
do natural no humano.
A poesia
de Caeiro poderia correr
o risco do se tornar
campesina, bucólica,
ao desenhar pequenos
quadros desse tipo,
mas estes
quadros não
são senão
a metáfora dum estado
de sossego, de tranquilidade, de paz existencial. Porquê
o «guardador de rebanhos»,
a investidura no pastor?
Figura pousada
sobre e terra,
o humano que
é tão erva
e tão bicho
como os bichos
e a erva com
que se mistura.
O pastor instituído como
o que conhece a natureza
intuitivamente, a sabe, com ela dialoga, domina as suas
marés. Por
isso, quem
é Caeiro tem um pastor
em vez
de alma e rebanhos
em vez
de pensamentos. Caeiro, no entanto, conhece o que
é ser humano
e todo o seu
rastro de sofrimento e angústias, pois essa sombra está na sua
poesia em
contra à luz
que ele
é («Pensar incomoda corno
andar à chuva»).
Também a natureza
tem defeito, também
a natureza adoece.
Caeiro não
tem memória, não
armazena nenhum código
pronto a integrar
(e a envelhecer) qualquer
novo sinal. A
abstracção foi eliminada. Não há conceitos, há objectos. Não
há sistema, há muitos
elementos. Há a constante
novidade. Há a inocência.
Caeiro tem muitas vezes uma posse infantil da linguagem, pela
eliminação dos mecanismos
mais lógicos:
a pronominalização, e adverbiação, a subordinação.
Caeiro exibe repetições infindáveis, enumerações perfeitamente
substituíveis por uma fórmula sintetizadora, enredos
de coordenações. Uma escrita naïve.
Em tudo isto
Caeiro não é, ainda
assim, a natureza.
Esta distância inultrapassável a que fica do seu
alvo insinua nos
seus versos
uma nostalgia que
acaba por ser
resolúvel em termos
naturais: «o sol
nem sempre
brilha».
Não há nada do óbvio na poesia
de Caeiro. Dizer que
a árvore é só
árvore não
é uma evidência, muito
mais nessa época
do neo-romantismo e de simbolismo, em que os homens só se
vêem e si e aos seus
fantasmas; dizer
que uma árvore
é só uma árvore,
em tal
época, é quase
uma revolução.
(in Vamos ler,
Maria Almira Soares, Lisboa, Texto Editora, 1986
e 1987)
Texto 5
Caeiro apresenta-se como
anti-metafísico, negando o valor ao pensamento (O Guardador
de Rebanhos, I):
Os meus versos são contentes.
Só tenho pena
de saber que são contentes,
Porque, se o não
soubesse
Em vez
de serem contentes e tristes
Seriam alegres e contentes.
O pensamento
tem mesmo um
valor negativo:
se não pensasse os seus
versos não
teriam nada de tristeza,
seriam apenas «alegres
e contentes».
«Pensar incomoda como andar à chuva.»
Foi este
incómodo de pensar que
Fernando Pessoa nunca
conseguiu evitar. Já
vimos como a «dor
de pensar» sempre
o torturou, inventando muitas saídas para o drama do seu «eu»
dividido entre o real
e o imaginário, entre
o ser e o não
ser. A tentativa mais radical de
fugir à «dor
de pensar» foi esta de transferir
a sua alma
para um poeta bucólico que olha e
sente o mundo com
a simplicidade com
que uma criança
olha uma flor.
Mas nem
assim o poeta
consegue libertar-se da inteligência que vem sempre toldar a simples alegria de ver: «Os meus pensamentos
são contentes.
/ Só tenho pena
de saber que são contentes»,
porque, assim,
ficam «contentes e tristes».
A plena
felicidade exige não
só o olhar simples de uma criança,
mas também
a sua inconsciência.
Não é apenas
nisto que o sistema
de Caeiro claudica. Como se pode ver, por exemplo, no poema
V de «O Guardador de Rebanhos», o poeta não é capaz de dispensar nem o pensamento, nem
o raciocínio, nem
a inteligência, para nos convencer de que para ele há apenas sensações («Eu não tenho filosofia:
tenho sentidos»). O que
poderemos concluir é que
o poeta, ao
negar a metafísica,
está a construir uma anti-metafísica.
(António Afonso Borregana, Fernando Pessoa
e Heterónimos, Lisboa, Texto
Editora, 1995, pp. 63-64)
Texto 6
A temporalidade psíquica de Caeiro é estática:
não recorda, não
faz planos, nunca
constrói - passa e cada
instante é feito
de uma duração igual
à dos relâmpagos, ou
à das flores, ou
à das árvores, ou
à do sol. É sempre
um tempo
objectivo que coincide exactamente com a sucessão
do curso normal
dos dias, das noites
e das estações e com
a diferenciação dos estados
atmosféricos ou da paisagem.
Faz da Natureza uma verdade
absoluta, realidade
com que
se deve identificar na sua
passagem à materialização ou à circunstância
temporal. Nela, «as cousas não têm significação: têm existência».
[…]
Alberto Caeiro não poderia evocar um passado sob pena de se contradizer. Nem deveria falar de um futuro.
Querendo viver no instante,
não tinha
o direito de desejar
a vida na permanência
entre os instantes.
Mas, por
muito cuidadosamente que arquitecte a sua
filosofia, deixa
de quando em
vez transparecer
a marca humana
numa poesia de ideias abstractas e impossíveis: redigindo umas notas
biográficas para aviso de quem
o ler, liga-se, forçosamente,
a todo o tempo
que passou e que
está a passar e tem pena
de ter amado
porque «sentir
é estar distraído»
do que lhe
merecia a atenção inteira.
Afinal, vem-lhe à memória um sentimento...
Em relação a um
tempo futuro,
encara-o de três modos.
O futuro é uma repetição
de presentes de que
colhe a essencialidade. É também a certeza da morte que o deixa inalterável - «...o sentido
de morrer não
me move» - já
que o seu
desejo é simples
como o que
o cerca:
E quando se vai morrer,
lembrar-se de que o dia
morre.
E que o poente
é belo e é bela
a noite que
fica...
Nesta duração
plena da sobrevivência
da obra de arte,
perde-se a própria subjectividade da experiência temporal,
porque se chega
à temporalidade independente da pessoa
e, portanto, a um
pseudo-tempo.
Tem ainda,
em relação
a essa morte, um
sentido de sobrevivência
que encontra
paralelo, novamente,
na natureza:
Mesmo que os meus versos nunca
sejam impressos,
Eles lá
terão a sua beleza,
se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar
debaixo da terra
Mas as flores
florescem ao ar livre
e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o
pode impedir.
Ao pensar
no futuro, como
ao pensar no passado,
está a destruir-se por suas próprias mãos
porque nega o
que afirma ser
o fulcro da sua
vida: a vivência
da realidade no momento,
o nascimento a cada minuto.
Mas não se destrói só quando evoca
ou quando
antevê. Destrói-se também ao construir o objectivismo paradoxal
do seu tempo
despido de características,
sem intimidade
nem qualidade,
tempo humanamente
impossível de realizar.
E é assim que
a vivência do tempo-natureza em Caeiro vai desaguar no
tempo-nada.
(Maria da Glória Padrão, A
Metáfora em
Fernando Pessoa, Porto, Inova, 1973)
Texto 7
Um dos documentos
mais interessantes do espólio de Fernando Pessoa (1888-1935) é sem dúvida o
manuscrito de O Guardador de Rebanhos, autógrafo assinado por
Fernando Pessoa e Alberto Caeiro, um dos heterónimos do poeta. Talvez não seja
a mais importante peça do espólio, mas, como diz Ivo Castro no prefácio à
edição deste texto, "por servir de sede completa a um dos seus grandes
ciclos de poemas, por pôr em causa a versão do próprio Pessoa sobre a génese
dos heterónimos, por fornecer amplos meios de corrigir o texto-vulgata doGuardador
de Rebanhos, por documentar reveladoramente os métodos de trabalho e de
criação textual do poeta e, finalmente, por se ter conservado na obscuridade
nos últimos quarenta anos, desconhecido do público e da maioria dos pessoanos,
- por esses motivos todos o presente manuscrito [...] merecerá sem dificuldade
ser considerado uma das jóias da coroa".
Na verdade, este
manuscrito parece à primeira vista confirmar esse "dia triunfal" a
que se refere Pessoa na famosa carta a Casais Monteiro (13 de Janeiro de 1935)
sobre a génese de O Guardador de Rebanhose do seu heterónimo
Alberto Caeiro:
"Num dia em
que finalmente desistira - foi em 8 de Março de 1914 - acerquei-me de uma
cómoda alta e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre
que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja
natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca
poderei ter outro assim. Abri com um título - 'O Guardador de Rebanhos'. E o
que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome
de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu
mestre. Foi essa a sensação imediata que tive."
O Guardador é
um ciclo de 49 poemas, que foi publicado na íntegra pela primeira vez em 1946,
no volume intitulado Obras Completas de Fernando Pessoa. III. Poemas de
Alberto Caeiro (Lisboa, Ática, 1946). O presente manuscrito inclui estes 49
poemas, escritos no mesmo tipo de papel, com o mesmo tipo de instrumento de
escrita e a mesma caligrafia. Esta "unidade de escrita, de local e de
tempo de concepção" parecem sugerir que este ciclo de poemas foi escrito
de um jacto e "em êxtase". Mas uma leitura atenta do manuscrito
permite mostrar que assim não é.
Em primeiro
lugar, a letra caligráfica, muito igual e desenhada, não parece ser compatível
com uma escrita inspirada e veloz. Em segundo lugar, em vez de um, temos vários
instrumentos de escrita: foram utilizadas quatro canetas diferentes no corpo do
próprio texto. E, por último, o grande número de emendas, feitas em diversos
momentos, e utilizando sete materiais diferentes, desmentem "a suposição
de ter o Guardador nascido com o texto em estado
definitivo".
A encenação desse
"dia triunfal" é ainda desmentida pelas várias dezenas de rascunhos e
cópias intermédias conservadas no Espólio da BN. Estes documentos mostram que
no processo de escrita do Guardador houve pelo menos três fases
distintas: uma fase de rascunhos (versões existentes no espólio), uma fase de
passagem a limpo (o presente manuscrito) e uma fase posterior de emendas
(presentes neste manuscrito).
Outro aspecto a
salientar diz respeito à datação. No final do manuscrito surge a data
"1911-1912", com a mesma caneta utilizada na assinatura "Alberto
Caeiro". No entanto, alguns poemas estão datados no final a tinta
vermelha, a mesma tinta que é usada na assinatura "Fernando Pessoa",
que vem a seguir à do heterónimo. Estas datas (entre Março e Maio de 1914)
colocadas posteriormente no final dos poemas, parecendo ser as ficcionadas (a
primeira que surge é a do famoso "dia triunfal"), são provavelmente
as que mais se aproximam da realidade, se tivermos em conta as datas dos rascunhos
existentes no espólio, de Março a Maio de 1914, embora algumas não coincidam. E
se não coincidem, surge uma nova dúvida: serão também inventadas as datas dos
rascunhos? Provavelmente não, mas em Pessoa nem sempre é fácil distinguir
ficção de realidade.
O interesse da
divulgação deste documento reside ainda no facto de, tendo sido ele a fonte do
texto publicado pela Ática (para os poemas não publicados em vida), permitir ao
leitor o confronto entre o texto publicado e o original que lhe serviu de base.
A Ática optou pela lição inicial e não pela versão final, que é considerada a
lição mais autorizada por ter sido a única que o autor não repudiou, embora, na
verdade, nunca se possa vir a saber se a repudiaria mais tarde. Mas um texto
poético é sempre um texto aberto, e ao editor cabe apenas a obrigação de
respeitar a última vontade do autor.
Manuela
Vasconcelos
BIBLIOGRAFIA
Castro,
Ivo (1981). "Para o texto de 'O Guardador de Rebanhos'".
Sep. das Actas do Colóquio 'Critique Textuelle Portugaise' (Paris,
20-24 Out. 1981). Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986, pp. 319-328.
Castro,
Ivo (1982). "O corpus de 'O Guardador de Rebanhos' depositado na
Biblioteca Nacional". Sep. da Revista da Biblioteca Nacional,
2 (1), 1982, pp. 47-61.
Pessoa,
Fernando (1986). O manuscrito de O Guardador de Rebanhos de Alberto
Caeiro. Edição fac-similada. Apresentação e texto crítico de Ivo Castro.
Lisboa: D. Quixote, 1986.
Pessoa,
Fernando (1946). Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática, 1946
(Obras Completas de Fernando Pessoa, III).
© Biblioteca Nacional, 2004.
http://purl.pt/369/1/ficha-obra-guardador-rebanhos.html
Texto 7
«Alberto Caeiro é o meu mestre», afirmava
Fernando Nogueira Pessoa. E apesar de os leitores do século XXI preferirem
claramente o trágico engenheiro Álvaro de Campos ou o solitário urbano Bernardo
Soares, a verdade é que é de Caeiro que irradia toda a heteronímia pessoana,
pois ele é tudo o que Fernando Pessoa não pode ser: uno porque infinitamente múltiplo,
o argonauta das sensações, o sol do universo pessoano. Faz hoje cem anos que Pessoa
criou Alberto Caeiro. Tinha 26 anos.
«Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um
dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de
espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer
espécie de realidade».
Foi nesta carta a Adolfo Casais Monteiro que
Pessoa descreveu o «nascimento» de Caeiro. Apesar de os estudos pessoanos terem
demonstrado que a carta não diz toda a verdade sobre a criação do heterónimo,
nem dos poemas, a verdade é que aquilo que nela haverá de ficção serve para que
Pessoa continue o seu jogo infinito com as racionalmente definidas fronteiras do
real e do irreal.
«Alberto Caeiro é o homem reconciliado com a
natureza, no qual o estar e o pensar coincidem. Ele resolveu todos os dramas
entre a vida e a consciência», diz o filósofo José Gil, que rejeita a ideia
defendida por muitos estudiosos da «alma una» de Caeiro.
Inês Pedrosa refere que Caeiro seria a «figura da
musa» para o poeta, que aliás o descreve em termos helénicos, louro como um
deus grego. Segundo a cronologia feita por Pessoa, Alberto Caeiro nasceu em 16
de abril de 1889, em Lisboa. Órfão de pai e mãe, não exerceu qualquer profissão
e estudou apenas até à 4.ª classe. Viveu grande parte da sua vida pobre e
frágil no Ribatejo, na quinta da sua tia-avó idosa, e aí escreveu O
Guardador de Rebanhos e depois O
Pastor Amoroso. Voltou no final da sua curta vida para Lisboa,
onde escreveu Os Poemas Inconjuntos,
antes de morrer de tuberculose, em 1915.
Caeiro não é um filósofo, é um sábio para quem
viver e pensar não são atos separados. Por isso, não faz sentido considerá-lo
menos real do que Pessoa. E cem anos depois, apesar de não ser o poeta mais
lido, Alberto Caeiro tem uma materialidade de que só quem não lê poesia se
atreve a duvidar. O poeta não precisa de biografia e não precisa de um corpo
com órgãos para se alojar em nós, para nos pôr a ver o mundo a partir dos seus
olhos, «do seu presente intemporal igual ao das crianças e dos animais», como
escreveu Octávio Paz.
Joana Emídio Marques, Diário de
Notícias, 8 de março de 2014, p. 47 (adaptado)
Questionário sobre o texto de Joana Emídio Marques
1. Para responder a cada um dos
itens de 1.1. a 1.7.,
selecione a opção correta.
Escreva, na folha de respostas, o número de cada
item e a letra que identifica a opção escolhida.
1.1. A centralidade de
Caeiro é representada no texto, entre outras, através da expressão
(A) «sol
do universo pessoano» (linha 5).
(B) «poeta
bucólico» (linha 8).
(C) «homem
reconciliado com a natureza» (linha 15).
(D) «deus
grego» (linha 19).
1.2. No contexto da
poesia pessoana, a expressão «jogo infinito com as racionalmente definidas
fronteiras do real e do irreal» (linhas 13-14) remete para
(A) a
interpenetração da realidade e da imaginação.
(B) a
separação entre a realidade e a imaginação.
(C) a
infinitude das fronteiras do real.
(D) a
infinitude das fronteiras do irreal.
1.3. Segundo a
autora deste artigo, a materialidade de Caeiro é
(A) comprometida
pela inexistência de um corpo físico.
(B) inerente
à sua condição de heterónimo de Pessoa.
(C) alheia
à existência de um corpo físico.
(D) resultante
da criação da sua biografia.
1.4. O recurso à
expressão «tudo o que Fernando Pessoa não pode ser» (linha 4) configura uma
(A) elipse.
(B) anáfora.
(C) reiteração.
(D) catáfora.
1.5. A utilização
de «pois» (linha 4) e de «Por isso» (linhas 25-26) contribui para a coesão
(A) frásica.
(B) interfrásica.
(C) temporal.
(D) lexical.
1.6. No texto, a
palavra «nascimento» (linha 10) encontra-se entre aspas porque se pretende
destacar
(A) uma
citação.
(B) uma
expressão irónica.
(C) um
sentido figurado.
(D) um
título.
1.7. No excerto
«Inês Pedrosa refere que Caeiro seria a “figura da musa” para o poeta, que
aliás o descreve em termos helénicos, louro como um deus grego.» (linhas
18-19), as palavras sublinhadas são
(A) um
pronome e uma conjunção, respetivamente.
(B) uma
conjunção e um pronome, respetivamente.
(C) pronomes
em ambos os casos.
(D) conjunções
em ambos os casos.
2. Responda de
forma correta aos itens apresentados.
2.1. Classifique a
oração «que a carta não diz toda a verdade sobre a criação do heterónimo, nem
dos poemas» (linhas 11-12).
2.2. Indique o
valor da oração subordinada adjetiva relativa seguinte: «que rejeita a ideia
defendida por muitos estudiosos da “alma una” de Caeiro.» (linha 17).
2.3. Identifique
a função sintática desempenhada pela expressão «viver e pensar» (linha 25).
Chave de correção:
1.1.
(A) 1.2. (A) 1.3. (C) 1.4. (D) 1.5. (B) 1.6. (C) 1.7. (B) 2.1. (Oração) subordinada (substantiva) completiva 2.2. (Valor)
explicativo ou (Valor)
apositivo 2.3. Sujeito
Fonte: Exame Final Nacional de Português n.º 639 – Ensino
Secundário, 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de
julho). Governo de Portugal / IAVE– Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2014, Época Especial
***
Avalie os seus conhecimentos acerca do heterónimo pessoano Alberto Caeiro.
1. Ligue os segmentos frásicos das duas colunas.
1. Com Alberto Caeiro,
|
a) serve de exemplo a Alberto Caeiro e a Ricardo Reis, adeptos da aurea mediocritas.
|
2. Caeiro é o chefe
|
b) de uma pequena companhia teatral que representa a sua peça no palco da poesia.
|
3. Para todos eles, incluindo o ortónimo,
|
c) que é vivido por Alberto Caeiro, ao privilegiar as sensações oferecidas pelos diversos órgãos sensoriais.
|
4. O poeta de "O Guardador de Rebanhos"
|
d) Pessoa quis criar um pólo de referência para as suas outras personagens.
|
5. Alberto Caeiro recusa o pensamento metafísico,
|
e) é autodidata, de vivência simples e concreta.
|
6. A simplicidade da vida rural
|
f) Caeiro foi o mestre.
|
7. O puro sensacionismo é aquele
|
g) aderindo espontaneamente às coisas, tais como são, gozando-as despreocupadamente.
|
8. O "mestre" vive
|
h) são versos de Caeiro que refletem a sua antimetafísica, afirmando o primado dos sentidos.
|
9. "Pensar incomoda como andar à chuva"e "Eu não tenho filosofia: tenho sentidos..."
|
i) afirmando que "pensar é não compreender".
|
2. Leia o poema “O meu olhar é nítido como um girassol”.
O meu olhar é nítido como um girassol
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isto muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras..
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentido...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é
Mas porque a amo, e amo-a por isto,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...
Complete os espaços do texto que se segue com as seguintes palavras:
presente
antimetafísica
heterónimo
deambulismo
criança
paradoxo
racionalização
visão
antifilosofia
pensar
sensacionista
pensamento
novidade
sensacionismo
|
Releve o assunto do poema.
Para o poeta, observar e contemplar é a sua essência de vida, amando a natureza todos os dias de um novo modo, como uma _________________ vê o mundo: admirando a naturezacomo ela é sem _________________ O eu poético contempla, assim, a realidade empírica, só conhecida através dos sentidos, especialmente a_________________
Caracterize o sujeito da enunciação.
O sujeito da enunciação é objectivista (“Creio no mundo como num malmequer / Porque o vejo”). E deixa-se atrair por tudo o que o rodeia (“O meu olhar é nítido como um girassol”), o que é comprovado pelo seu culto ao deambulismo (“Tenho o costume de andar pelas estradas”). O eu poético não é o ontem nem o amanhã, apenas se preocupa com o _________________. Sinto-me nascido a cada momento”). Para além disso, o sujeito lírico é _________________, pois vive de sensações (“tenho sentidos”) e ama a Natureza, nãocolocando questões sobre o amor que sente por ela, rejeitando qualquer tentativa de _________________ do real (“Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é / Mas porque a amo, e amo-a por isso,”).
Encontre, no poema, algumas das características temáticas recorrentes na poesia de Caeiro.
Em Alberto Caeiro a visão constitui a sensação que abre a porta para a aprendizagem constante. Este _________________ de Pessoa só se preocupa em ver de forma objectiva e natural a realidade com a qual contacta a todo o momento. Assim, ele afirma que o seu olhar “é nítido como um girassol”, porque, tal como o girassol é atraído pelo sol, o seu olhar é atraído portudo aquilo que o circunda. Passeando e observando o mundo, Caeiro é um cultor do _________________, fazendo dele unia das temáticas da sua poesia.
Alberto Caeiro compara-se a uma criança, pois, tal como ela, vê o mundo sem necessidade de explicações e também porque, para ele, o mundo é sempre uma _________________, porisso crê na “eterna novidade do mundo”. Como a criança, Caeiro não encontra utilidade no pensamento e acha que “o Mundo não se fez para pensarmos nele” e que “pensar é nãocompreender”. Desta forma, a inocência e a _________________ são outras duas temáticas das suas composições poéticas.
Além disso, o _________________ constitui outro dos temas característicos da poesia de Caeiro. Este poeta apreende o mundo pelos sentidos, só se interessando por aquilo que capta pelas sensações, dando especial importância ao acto de ver (“Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...”).
Em conclusão, a poesia de Caeiro não é mais do que a nomeação do Mundo, sendo este heterónimo de Pessoa o poeta da clareza total e da objectividade das sensações.
Associe a frase de Jacinto do Prado Coelho “Caeiro é um abstrator paradoxalmente inimigo de abstracções” a este poema.
Como podemos verificar através dos poemas de Caeiro, este condena o _________________ e prima pela apreensão imediata do real em detrimento da abstracção.
Contudo, Caeiro, para instituir a negação do pensamento, recorre ao discurso argumentativo, o que mostra que, para além de transmitir sensações, reflecte sobre elas. De facto, esteheterónimo é dotado de extrema inteligência, apresentando-se como um filósofo da _________________ pelo que toda a natureza poética da sua obra é de “espécie complicada”.
Em suma, a poesia de Caeiro assenta num _________________ no qual ele usa a abstracção para poder criticá-la.
3. Proposta de texto expositivo
Num
dos seus poemas, Alberto Caeiro escreveu o verso «O meu olhar é nítido como um
girassol.».
Explique, fazendo apelo à sua experiência
de leitura, a importância do olhar na poesia deste heterónimo de Fernando
Pessoa, fundamentando a sua exposição em dois aspetos relevantes.
Escreva um texto de oitenta a cento e
trinta palavras.
Cenário de resposta
A resposta pode contemplar os aspetos que a seguir se
enunciam, ou outros considerados relevantes.
Na poesia de Alberto Caeiro, o olhar assume
uma importância central. Podem apontar-se os seguintes exemplos da significação
que o olhar pode assumir:
– a recusa do pensamento e das ideias
feitas, que deformam o real («Compreender isto com o pensamento seria achá-las
todas iguais.»; «Procuro despir-me do que aprendi»; «E raspar a tinta com que
me pintaram os sentidos»);
– a recusa da subjetividade («Amei as
coisas sem sentimentalidade nenhuma.»);
– a recusa em atribuir sentidos ocultos às
coisas («Porque o único sentido oculto das cousas / É elas não terem sentido
oculto nenhum.»; «As cousas não têm significação: têm existência.»);
– a (re)descoberta do real na sua
autenticidade («Trago ao Universo um novo Universo / Porque trago ao Universo
ele-próprio.»);
– o reencontro da inocência do homem em
contacto com a Natureza («E o que vejo a cada momento / É aquilo que nunca antes
eu tinha visto»);
– a aposta nas sensações («Eu nem sequer
sou poeta: vejo.»).
Nota – Não é obrigatório o recurso a citações, ainda que estas figurem, a
título ilustrativo, no cenário de resposta.
Fonte: Exame
Nacional de Português n.º 639 - 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º
139/2012, de 5 de julho). Portugal, IAVE– Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2013, Época
Especial
4. Recorde todo o estudo que fez dos textos de Fernando Pessoa ortónimo e do heterónimo Alberto Caeiro.
Redija um texto expositivo-argumentativo que obedeça ao seguinte plano:
Introdução: a necessidade de Fernando Pessoa criar este heterónimo antimetafísico.
Desenvolvimento: aspetos que os aproximam e os separam.
Conclusão: fragmentação do “eu”.
(in Das Palavras aos Actos. Ensino Secundário. 12º AnoAna Maria Cardoso, Célia Fonseca, Maria José Peixoto, Vítor Oliveira, Porto, Edições Asa, 2005, p. 79)
Proposta de resolução:
Fernando Pessoa, um dos maiores poetas
portugueses do século XX, criou diversos heterónimos durante a sua vida
literária. Um dos mais conhecidos é Alberto Caeiro, o poeta antimetafísico que,
na verdade, era uma criação de Pessoa. O objetivo de Pessoa ao criar este
heterónimo foi o de romper com a tradição poética que predominava na época, que
dava grande importância à subjetividade e ao individualismo do poeta. Caeiro
era uma espécie de anti-herói, que desprezava a reflexão e a filosofia,
privilegiando a observação direta da natureza.
Apesar das diferenças óbvias entre os dois,
Pessoa e Caeiro compartilham alguns pontos em comum. Ambos estavam interessados
em explorar o conceito de "eu", de uma forma ou de outra. Para
Pessoa, o "eu" era fragmentado, uma vez que cada heterónimo
representava uma faceta diferente de si mesmo. Já para Caeiro, o "eu"
simplesmente não existia. Ele acreditava que a mente humana era capaz apenas de
captar a realidade sensorial e que qualquer outra forma de pensamento era
inútil e prejudicial. Ainda assim, a questão do "eu" é fundamental
para ambos, pois em ambos os casos, é preciso entender como o sujeito se
relaciona com o mundo ao seu redor.
No entanto, enquanto Pessoa cria
heterónimos que são versões diferentes de si mesmo, Caeiro é completamente
distinto de Pessoa. Enquanto Pessoa é reflexivo e contemplativo, Caeiro é simples
e direto. Pessoa é marcado pela melancolia e pelo pessimismo, enquanto Caeiro é
alegre e otimista. Enquanto Pessoa é profundamente influenciado pelas correntes
filosóficas e literárias de sua época, Caeiro não se importa com essas coisas,
privilegiando a experiência imediata e a contemplação direta da natureza.
Assim, é possível afirmar que o trabalho de
Fernando Pessoa com o heterónimo Alberto Caeiro foi uma tentativa de explorar
uma forma diferente de poesia, que não estava preocupada com as questões filosóficas
ou metafísicas que predominavam na época. Pessoa queria criar um poeta que
fosse capaz de se conectar diretamente com a natureza e que pudesse transmitir
essa experiência ao leitor. E, ao fazer isso, ele também estava explorando a
natureza fragmentada do "eu", um tema que era muito importante para
ele.
Em conclusão, a obra de Fernando Pessoa com
o heterónimo Alberto Caeiro é um exemplo fascinante da maneira como um escritor
pode criar personagens que representem diferentes facetas de si mesmo. Pessoa
estava interessado em explorar a natureza fragmentada do "eu", e
criou um poeta que era completamente distinto dele. Embora Pessoa e Caeiro
tenham suas diferenças, ambos compartilham um interesse pela questão do
"eu" e pela relação entre o sujeito e o mundo ao seu redor. E é essa
tensão entre a subjetividade e a objetividade, entre o reflexivo e o sensorial,
que torna a obra de Pessoa e seus heterónimos tão cativante e duradoura.
Resposta solicitada a ChatGPT (Feb 13 Version), disponível em
https://chat.openai.com/chat, 2023-02-24
5. Leitura orientada e notas para a análise
literária de poemas do heterónimo pessoano Alberto Caeiro:
6. Ficha de aferição de leitura relativa ao heterónimo pessoano Alberto Caeiro. Aqui.
CARREIRO, José. Alberto
Caeiro. Portugal, Folha de Poesia, 08-05-2018 (última atualização: 24-02-2023).
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/alberto-caeiro.html (1.ª
edição: Lusofonia - Plataforma de Apoio ao Estudo da Língua Portuguesa no Mundo,
16-12-2011. Projeto concebido por José Carreiro, disponível em http://lusofonia.com.sapo.pt/literatura_portuguesa/FP_AlbertoCaeiro.htm)