quinta-feira, 13 de outubro de 2022

O Búzio de Cós, Sophia Andresen


 

O BÚZIO DE CÓS

 

Este búzio não o encontrei eu própria numa praia

Mas na mediterrânica noite azul e preta

Comprei-o em Cós numa venda junto ao cais

Rente aos mastros baloiçantes dos navios

E comigo trouxe o ressoar dos temporais

 

Porém nele não oiço

Nem o marulho de Cós nem o de Egina

Mas sim o cântico da longa vasta praia

Atlântica e sagrada

Onde para sempre minha alma foi criada

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, junho de 1995

O BÚZIO DE CÓS E OUTROS POEMAS, 1.ª ed., 1997, Lisboa, Editorial Caminho; 2.ª ed., 1998, Lisboa, Editorial Caminho; 3.ª ed., 1999, Lisboa, Editorial Caminho; 4.ª ed., 2002, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho.

 



 

O búzio comprado no porto grego de Cós é o elemento do real gerador do poema.

1. O que transportou o búzio consigo?

2. Traduza a expressão «longa vasta praia atlântica e sagrada» por apenas uma palavra.

3. Duas diferentes palavras, «marulho», «cântico», são usadas para referenciar o som de dois mares. Interprete esta diferenciação.

 

Respostas esperadas:

1. O búzio comprado no porto grego de Cós transportou consigo o som dos temporais, o som do mar.

2. Portugal

3. A palavra «marulho» referencia o mar da Grécia, enquanto a palavra «cântico» referencia o mar de Portugal. Esta diferenciação confere intensidade épica ao mar português, com o qual o sujeito poético se identifica.

(Pinto: 2003a, 229; b, 39)



 


Textos de apoio

Em O Búzio de Cós (1997), deparamo-nos com uma comovente nostalgia do «ressoar dos temporais», do tumulto e vastidão da praia atlântica, como se afinal Cós, o coração do Mediterrâneo, não pudesse separá-la das suas raízes. O poema é, afinal, sobre o que um búzio de Cós não pode ser.

 

Maria Andresen Sousa Tavares, Prefácio” in Obra Poética, Sophia de Mello Breyner Andresen (edição de Carlos Mendes de Sousa). Lisboa, Assírio & Alvim, 2015

 

 

“Os búzios têm muito bom ouvido, ouvem tudo, são os ouvidos do mar”, diz a pequena bailarina em A menina do mar. Como a menina do mar, personagem das histórias infanto-juvenis de Sophia, o eu lírico aqui também é feminino, “eu própria”, dizem os versos. Ou seja, o búzio não apareceu por obra do acaso num passeio à beira-mar, ele foi parte da transação comercial numa intenção manifesta, oposta no poema ao espontâneo maravilhamento de ser encontrado. Na escuridão da noite do mar Mediterrâneo, numa ilha grega onde há milênios os navios aportam, os mastros baloiçantes lembram a personagem de Homero que pediu para ser amarrado no convés e ouvir cantarem as sereias.

O eu lírico guarda com ele não o mavioso canto, mas o eco das tempestades marítimas que não vem das praias gregas, mas da longínqua praia lusitana que lhe devolve um cântico de outras águas, atlânticas e venerandas e à qual ele adere o próprio ser. Entre os diversos sentidos evidenciados no poema, temos a visão que percebe o cais, os navios e a noite, e o tato que toma o búzio em suas mãos, mas os aspetos mais relevantes comparecem através da audição, que ouve o sibilo dos mastros, o ressoar dos temporais, os marulhos de Cós e de Egina, e finalmente, os cânticos da praia tocada pelo Atlântico. Como o balanço de um navio, a sensação de movimento também é mostrada no agito dos barcos e na oscilação da tempestade, e ainda há um movimento a mais que está implícito nos versos: o da alma do eu lírico, marinheira que navega entre o oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo.

 

Karin Backes, Mar de poeta - A metáfora do oceano nas líricas de Cecília Meireles e Sophia Andresen. Porto Alegre, PUCRS-FL, 2008

 

Poderá também gostar de:

 


O Búzio de Cós, Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-10-13. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/o-buzio-de-cos-sophia-andresen.html


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