Manuscrito do poema "Casa Branca", de Sophia |
CASA BRANCA
Casa branca em frente ao
mar enorme,
Com o teu jardim de areia
e flores marinhas
E o teu silêncio intacto
em que dorme
O milagre das coisas que
eram minhas.
… … … … … … … … … … … … …
… …
A ti eu voltarei após o
incerto
Calor de tantos gestos
recebidos
Passados os tumultos e o
deserto
Beijados os fantasmas,
percorridos
Os murmúrios da terra
indefinida.
Em ti renascerei num
mundo meu
E a redenção virá nas
tuas linhas
Onde nenhuma coisa se
perdeu
Do milagre das coisas que
eram minhas.
Sophia de Mello Breyner Andresen
POESIA, 1.ª ed., 1944, Coimbra, Edição da Autora •
2.ª ed., 1959, Lisboa, Edições Ática • 3.ª ed., Poesia I, 1975,
Lisboa, Edições Ática • 4.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho • 5.ª
ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho • 6.ª ed., 2007, Lisboa,
Editorial Caminho • 1.ª edição na Assírio & Alvim (7.ª ed.), Lisboa, 2013,
prefácio de Pedro Eiras.
Fotografia partilhada por Maria Andresen, no Facebook, em 2019-06-17, com a legenda “Casa branca, agora abandonada”. |
Contributo para uma biografia poética, por Maria Andresen Sousa
Tavares (dezembro 2014):
Numa entrevista a Miguel
Serras Pereira, Sophia lembra a casa na duna, em frente do mar, na Praia da
Granja, onde a família passava férias:
… é a casa que surge no poema «Casa branca em frente ao mar enorme», no conto «A Casa» e em A Menina do Mar.
Mas sobre essa casa na
duna dirá algo de mais central para a definição do que liga esta vida e esta
poesia:
Há na casa algo de rude e elementar que nenhuma riqueza mundana pode corromper, e, apesar do seu halo de solidão e do seu isolamento na duna, a casa não é margem mas antes convergência, encontro, centro.
A «casa branca» é uma
referência à casa nas dunas da Praia da Granja, onde a família passava os verões.
A história contada em A Menina do Mar centra-se nessa praia e nessa casa.
Também o poema «Jardim do Mar» (Dia do Mar, p. 28) é sobre o jardim
desta casa; em Histórias da Terra e do Mar, o conto «A Casa do Mar» é
uma longa e minuciosa descrição desta casa; a história de «Era uma Vez uma
Praia Atlântica», conto publicado em 1998 e depois recolhido em Quatro
Contos Dispersos (2007), é, em grande parte, constituído por memórias da
infância nesta praia.
Ler mais em: “Prefácio” in OBRA POÉTICA (edição de Carlos Mendes de
Sousa). Lisboa, Assírio & Alvim, 2015
***
Elabore um
comentário do poema “Casa branca” que integre o tratamento dos seguintes
tópicos:
- traços definidores do
«eu»;
- simbolismo da «casa
branca»;
- recursos estilísticos
mais importantes;
- integração no universo
poético da autora.
Explicitação
de cenários de resposta:
Traços definidores do «eu»
O sujeito do poema
revela-se em íntima relação com a «casa branca», por nela estar guardado «O
milagre das coisas que eram minhas», ou seja, imagens, experiências ou
sentimentos com que se identifica. O regresso à «casa branca», assim, será para
o «eu» um renascimento e uma «redenção», pois dar-se-á o seu reencontro com
essa parte essencial da memória, que pode ser associável à infância, ou a um
tempo de perfeita comunhão com o mar, na plena harmonia dos elementos.
A estrofe medial refere um
tempo subjetivo que parece representar um longo período de vida, um tempo de
«tumultos» e de desertos, habitado por «fantasmas», que para o «eu» reveste as características
do «incerto», do múltiplo («tantos gestos»), do indefinido, do desencanto e da
nostalgia - em suma, um tempo marcado como o polo negativo daquele que a «casa
branca» representa.
Simbolismo da «casa branca»
A «casa branca» é, quanto
ao seu aspeto exterior, situada «em frente ao mar» e representada com um
«jardim de areia e flores marinhas», assim evocando a sua pertença a um espaço
de transição entre a terra e o mar. O «silêncio intacto» que nela habita
conjuga-se com as suas «linhas / Onde nenhuma coisa se perdeu» para marcar uma
resistência à passagem do tempo, uma capacidade de conservação de um «milagre»
que teve lugar no passado. À sua serenidade e inocência, que são assinaladas
pela cor branca, junta-se a eternidade como efeito simbólico. Na última estrofe
é, ainda, associado à «casa branca» um poder fundamental em relação ao sujeito
do poema, que é o de tornar possível o seu renascimento ou «redenção»: ela é a
sede simbólica da sua identidade. Este poder advém-lhe de ser um espaço que contém
um tempo e uma memória, a do «milagre das coisas que eram minhas».
Recursos estilísticos mais importantes
Destacam-se os seguintes
recursos estilísticos:
- metáfora: «O deserto»,
«Beijados os fantasmas», «renascerei»;
- personificação: «dorme/
O milagre das coisas», «Os murmúrios da terra»;
- apóstrofe: «Casa branca
em frente ao mar enorme», «A ti eu voltarei», «Em ti renascerei»;
- metonímia: «tantos
gestos recebidos», «os tumultos»;
…
Integração no universo poético da autora
A importância das imagens
do mar é uma das características maiores da obra de Sophia de Mello Breyner
Andresen, quer essas imagens refiram a orla litoral quer o mar alto ou, ainda,
estejam ligadas à navegação. O próprio ambiente deste poema é típico de uma
poesia assente na relação íntima com as coisas, quase sempre iluminadas por uma
luz clara e nítida. Do mesmo modo, encontra-se aqui o exemplo perfeito de uma
temática que privilegia a serenidade e o contacto com as coisas simples, fundadas
na experiência dos sentidos, transfiguradas pela memória pessoal e por uma
alquimia que revela a essência mítica sob a superfície das sensações.
Fonte: Exame
Nacional do Ensino Secundário n.º 134. 12.º Ano de Escolaridade - Via de Ensino
(4.º Curso). Prova Escrita de Literatura Portuguesa – 2.ª fase. Portugal, GAVE,
2001
Poderá
também gostar de:
- Perfil poético e estilístico de Sophia de Mello Breyner Andresen - apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen, por José Carreiro. Folha de Poesia, 2020-07-17
“Casa
branca, Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-10-10.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/casa-branca-sophia-andresen.html
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