Cidade, rumor e vaivém
sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil,
inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e
as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies
mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada
e apenas vejo
Os muros e as paredes, e
não vejo
Nem o crescer do mar, nem
o mudar das luas.
Saber que tomas em ti a
minha vida
E que arrastas pela
sombra das paredes
A minha alma que fora
prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.
Sophia de
Mello Breyner Andresen
POESIA, 1.ª
ed., 1944, Coimbra, Edição da Autora; 2.ª ed., 1959, Lisboa, Edições Ática; 3.ª
ed., Poesia I, 1975, Lisboa,
Edições Ática; 4.ª ed., revista, 2003, Lisboa, Editorial Caminho; 5.ª ed.,
revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho; 6.ª ed., 2007, Lisboa, Editorial Caminho.
1.ª edição na Assírio & Alvim (7.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de Pedro
Eiras.
POESIA, 1.ª ed., 1944, Coimbra, Edição da Autora https://purl.pt/19841/1/1940/galeria/f12/foto1.html |
Dedicatória de Sophia Andresen à mãe. POESIA, 1.ª ed., 1944, Coimbra, Edição da Autora. https://purl.pt/19841/1/1940/galeria/f12/foto2.html |
Elabore um comentário do poema "Cidade" em que desenvolva os seguintes
tópicos:
- desejo de evasão no texto;
- caracterização do espaço da cidade;
- relação que o «eu» estabelece com o «tu» a quem se dirige;
- integração no universo poético da autora.
Explicitação de cenários de
resposta
Desejo de evasão expresso no
texto
O desejo que transparece de forma mais
evidente no texto é a aspiração a uma evasão libertadora através dos espaços e
dos largos horizontes, esse «vasto desejo» (v. 5) que é citado em comparação
com as paisagens abertas, que são ditas ainda mais vastas do que ele. A pulsão
pela viagem no espaço exterior joga, de forma contrastada, com a visão que
transforma os «muros e as paredes» (v. 7) da cidade nos estreitos limites de
uma espécie de prisão.
Caracterização
do espaço da cidade
A cidade é o «rumor e vaivém sem paz das
ruas» (v. 1), o que marca a atividade constante e opressiva que a habita; é a
«vida suja, hostil, inutilmente gasta» (v. 2), o que sugere a falta de sentido
que parece afetar toda a agitação que a ocupa, e, ao mesmo tempo, aponta para a
sujidade que parece ser-lhe própria; os «muros e as paredes» (v. 7) fecham o
espaço, cortam a expansão do olhar para a vastidão da natureza e criam um mundo
de sombras onde pena a «alma» do sujeito, habitado pela permanente aspiração ao
mais puro, natural e primordial («A minha alma que fora prometida / Às ondas
brancas e às florestas verdes» - vv. 11-12).
Relação
que o «eu» estabelece com o «tu» a quem se dirige
O «eu» lírico dirige-se a um «tu» que é a
cidade onde vive. De um modo de tratamento aparentemente distanciado, como se
lê nos dois primeiros versos, passa-se para um modo de tratamento mais próximo,
e até íntimo, que se evidencia na utilização da segunda pessoa do singular («E
eu estou em ti fechada» – v. 6). A segunda estrofe contém até um elemento de
passividade do «eu», submetido por completo ao «tu» («Saber que tomas em ti a
minha vida / E que arrastas pela sombra das paredes / A minha alma» – vv. 9-11)
e reduzido à simples imaginação ou à saudade das «ondas brancas» e das
«florestas verdes» (v. 12).
Integração
no universo poético da autora
Tal como se encontra com frequência na poesia
de Sophia, há neste texto elementos de uma descritividade muito simples, e que
ora figuram a cidade como «muros», «paredes» e «sombra», ora procuram dar o
«mar», as «praias», as «montanhas», as «planícies», as «florestas» como traços
essenciais de um espaço de liberdade. As imagens ligadas ao mar, ao seu ritmo e
esplendor, são as mais frequentes, o que é evidente tanto neste poema como em
toda a obra da autora. E há, ainda, a luminosidade e a nitidez como temas
centrais, neste poema sublinhados, por contraste, pela imagem da «sombra das
paredes» que cerca o «eu».
Fonte: Exame Nacional do
Ensino Secundário n.º 134. 12.º Ano de Escolaridade - Via de Ensino (4.º Curso).
Prova Escrita de Literatura Portuguesa – 2.ª fase. Portugal, GAVE, 2000
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“Cidade,
rumor e vaivém sem paz das ruas, Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha
de Poesia, 2022-10-09. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/cidade-rumor-e-vaivem-sem-paz-das-ruas.html
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