https://purl.pt/19841/1/1980/1980-1.html |
PORQUE
Porque os outros se
mascaram mas tu não
Porque os outros usam a
virtude
Para comprar o que não
tem perdão.
Porque os outros têm medo
mas tu não.
Porque os outros são os
túmulos caiados
Onde germina calada a
podridão.
Porque os outros se calam
mas tu não.
Porque os outros se
compram e se vendem
E os seus gestos dão
sempre dividendo.
Porque os outros são
hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à
sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas
com os perigos.
Porque os outros calculam
mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen, Mar Novo, 1958
I - Questionário sobre a leitura do poema “Porque”,
de Sophia de Mello Breyner Andresen
1. Justifica
o título do poema.
2. Comprova
que este poema cumpre dois objetivos: criticar e enaltecer.
3. Transcreve
três versos onde se encontre a metáfora.
4. Faz
a análise formal do poema.
► Assistir à aula da Professora Tereza Cadete
Sampainho, em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7822/e552581/portugues-9-ano
II – Proposta de escrita
Depois da leitura do poema "Porque" de Sophia de Mello Breyner Andresen e tomando-o por base de reflexão, redige um texto sobre a
capacidade de intervenção da literatura - e da arte em geral - na vida social e
política.
Tal como a autora do poema, és
livre de te expressares na primeira pessoa e podes utilizar experiências
pessoais para argumentar. Podes também servir-te de dados biográficos
conhecidos e do domínio público sobre a escritora que possam ser utilizados
como argumento de algumas opiniões que procures defender no teu texto pessoal.
(Adaptado de Prova de Cultura Geral, IPL, 2020 <https://www.ipleiria.pt/academicos/wp-content/uploads/sites/51/2021/02/Enunciado-da-prova-Cultura-Geral_2020.pdf>)
Entrevista a Sophia de Mello Breyner Andresen
https://purl.pt/19841/1/galeria/entrevistas/f1/pag1.html |
https://purl.pt/19841/1/galeria/entrevistas/f1/pag2.html |
https://purl.pt/19841/1/galeria/entrevistas/f1/pag3.html |
https://purl.pt/19841/1/galeria/entrevistas/f1/pag4.html |
Maria Armanda Passos - A Sophia é dos raros poetas portugueses com experiência de militância ativa, de banhos de multidão, de comícios. Hoje a sua participação na vida política é praticamente nula. Como vive o facto de estar retirada?
Sophia de Mello Breyner Andresen - Devo dizer que, logo a seguir ao 25 de Abril e mesmo antes, eu falei muito do lugar do poeta na cidade do homem e pensei que tinha uma certa obrigação de participação. Hoje em dia o meu desejo profundo é um desejo de marginalização para poder fazer o que posso fazer. Aliás, quando estava na Assembleia Constituinte tive uma experiência importante. Saí um dia mais cedo e atravessei o Bairro Alto a pé. Na rua havia um pequeno grupo de crianças a brincar na soleira de uma porta. E chamaram-me e perguntaram se eu era a Sophia de Mello Breyner Andresen. Eu disse que sim, mas como é que elas sabiam? Elas responderam que a professora estava a ler uma história minha na aula e tinham visto um retrato meu. Fiquei a conversar com as crianças — e pensei, de repente, que escrever era a minha verdadeira participação política.
“Sophia de Mello Breyner
Andresen: Escrevemos poesia para não nos afogarmos no cais…”, entrevista
de Maria Armanda Passos. Jornal de Letras,
1982-02-16. Reprodução disponível em: https://purl.pt/19841/1/galeria/entrevistas/f1/pag3.html
https://purl.pt/19841/1/1980/1980-1.html |
Sophia de
Mello Breyner Andresen e Francisco Sousa Tavares são recordados pelos filhos:
Maria Andresen Sousa Tavares: «Há dois poemas explicitamente dirigidos ao
meu pai, que lembram este lado da sua relação. O primeiro destes poemas,
sobejamente conhecido, musicado e cantado por Francisco Fanhais, é «Porque os
outros se mascaram mas tu não…», foi publicado em Mar Novo e
encontra-se, como dedicatória manuscrita, dirigida ao meu pai, na folha de
rosto de Contos Exemplares (1962); do segundo, «Porque nos outros há
sempre qualquer nojo», há um manuscrito em folha solta, com a dedicatória
referida e, por vontade da autora, acrescentada na 3.ª edição de Mar Novo
(2003).»
dezembro 2014
In: OBRA POÉTICA, Sophia de Mello Breyner
Andresem (edição de Carlos Mendes de Sousa). Lisboa, Assírio & Alvim, 2015 (Prefácio de Maria Andresen Sousa
Tavares).
***
Miguel Sousa Tavares: «[…] ser comprometida com a situação do
país […] é uma coisa que, para ser completamente justo, não nasce com ela mas
é-lhe transmitida pelo meu pai [Francisco Sousa Tavares]. O meu pai é que
ensinou a minha mãe a ser resistente contra o fascismo, porque a educação dela,
bem como o meio de onde vinha, não a tinha predisposto para tal, embora,
provavelmente, lá chegasse porque tinha um sentido de justiça e de liberdade
que lhe era inato. Mas, de facto, quem a formatou politicamente foi o meu pai.»
«Ele era mais interveniente, estamos a
falar de antes do 25 de Abril, enquanto ela tinha um papel de mulher do
combatente. Era a retaguarda. Mas foi um tempo muito intenso para ela,
principalmente quando o meu pai era preso. Foram tempos muito difíceis para ela
esses da militância política do meu pai e, olhando retroativamente, penso que a
minha mãe podia ter tido uma vida muito mais feliz e não a teve por razões
pessoais, familiares, políticas, materiais - nunca teve uma vida despida de
angústias. Nunca, e essa é uma das coisas que lhe admiro, porque, apesar disso,
nos intervalos, ela agarrava todos os instantes de felicidade com uma força
juvenil e incrível. Não desperdiçava um minuto em que pudesse ser feliz, uma
hora da vida dela. No entanto, muitas vezes pensei, e hoje ainda, que ela merecia
ter tido uma vida mais despreocupada e feliz, com menos problemas que a
angustiassem.»
«Nós tínhamos visita à segunda-feira em
Caxias e só podia ir a minha mãe acompanhada de um único filho. A conversa
passava-se através de um vidro que nos separava - uma cena tremenda - e, como
se não fosse suficiente, ainda havia um pide sentado numa cadeira ao nosso lado
a ouvir a conversa. Era apenas meia hora por semana. Além disso, eles
correspondiam-se em código, que a PIDE nunca conseguiu decifrar e que só eu é que
sabia a chave - ela pedia-me ajuda para escrever e para decifrar as cartas. O
meu pai tinha uma semana inteira para escrever - não o deixavam ler livros - e
escrevia imensas cartas usando esse código, que era diabólico de se usar.
Prometi à minha mãe que nunca revelaria o código que eles inventaram, um ovo de
Colombo que lhes permitia corresponderem-se com franqueza. Eu era o único dos
irmãos que estava dentro do segredo e fazia daquilo uma coisa muito secreta,
sendo certo que a minha mãe quando lia as cartas do meu pai, ou escrevia as
suas, fechava-se comigo e fazíamos os dois o enigma.»
«Havia uma coisa no meu pai que atraía
muito a minha mãe, e a mim também: a coragem. Ele foi a pessoa mais corajosa
que conheci até hoje em todos os aspetos, a ponto de às vezes me perguntar se
aquilo era coragem ou destemor. Para ser corajoso é preciso ter noção do perigo
e ele, por vezes, parecia não ter a noção do perigo. Ela até escreveu sobre ele
"Os outros vão à sombra dos abrigos e tu caminhas de mão dada com os
perigos". Realmente, ele andava literalmente de mão dada com os
perigos, física, intelectual e politicamente.»
«Uma das pessoas mais próximas da minha mãe
era a mãe dela […]. Primeiro, fazia-lhe muita confusão que tivesse um genro que
volta e meia era preso e que não conseguisse arranjar trabalho porque se lhe
fechavam as portas todas. Depois, quando ela vinha a Lisboa passar temporadas
em casa da minha mãe, fazia-lhe também muita confusão a quantidade de segredos
que os meus pais trocavam entre si. Lembro-me de uma vez em que se fecharam na
casa de banho para dizer segredos e ela queria servir o jantar. Foi-lhes bater
à porta e disse: "Importam-se de acabar de salvar a pátria, que a sopa
está a ficar fria?"»
Ler mais: “Miguel Sousa Tavares: Não há um único dia em que não me
lembre da minha mãe”, entrevista de João Céu e Silva. Diário de Notícias,
2019-10-26
https://purl.pt/19841/1/1950/galeria/f9/foto1.html |
MAR NOVO, 1.ª ed., 1958,
Lisboa, Guimarães Editores • 2.ª ed., 1985, in No Tempo Dividido e Mar Novo,
Lisboa, Edições Salamandra, ilustrações de Arpad Szenes • 3.ª ed., revista,
2003, Lisboa, Editorial Caminho • 4.ª ed., revista, 2005, Lisboa, Editorial Caminho
• 1.ª edição na Assírio & Alvim (5.ª ed.), Lisboa, 2013, prefácio de
Fernando J.B. Martinho.
Texto de apoio
Todos quantos se cruzaram com Sophia, são unânimes em reconhecer que a capacidade criadora e a sensibilidade artística excecionais se aliaram sempre a uma inteligência política arguta. Os seus discursos políticos mostram-no. Os seus combates recusavam a ambiguidade. “No Centro Nacional de Cultura fiz de tudo” – confessa-nos. Então “discutia-se tudo: os sistemas políticos, os problemas sociais, os problemas religiosos, o Corbusier, a pintura moderna, o surrealismo, o Fernando Pessoa, a literatura portuguesa, a literatura brasileira, a literatura americana, a guerra de África. À discussão cada um trazia o que sabia e também o que era. Às vezes a polícia política (PIDE) aparecia: um dia fez uma busca à procura de uns papéis que não encontrou porque o Francisco os tinha escondido no frigorífico”. E, afinal, nada era fácil, uma vez que não passava despercebido que “em certas sessões surgiam homens cinzentos e calados, com a gabardina abotoada até ao queixo e um ar simultaneamente taciturno e comprometido: ‘poker faced’” (CNC, 1995, p. 63). E lembramo-nos de Mar Novo de 1958: “Porque os outros se mascaram mas tu não/ Porque os outros usam a virtude para comprar o que não tem perdão / Porque os outros têm medo mas tu não”. (ANDRESEN, 2003a, p. 43)
Em 1957 Sophia participa na campanha de Humberto Delgado; a partir dessa data, até 1974, colabora ativamente com a oposição ao Estado Novo, tendo integrado o grupo de pessoas que fundaram a Associação Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Um ano volvido, em 1958, Mar Novo foi um grito de revolta contra a decisão do poder de não respeitar o resultado do concurso realizado em 1956, não se construindo “o monumento que devia ser construído em Sagres” (ANDRESEN, 2003a, p. 48), concebido pelo arquiteto João Andresen (irmão de Sophia), com esculturas de Barata Feyo e painéis pintados por Júlio Resende. E foi a propósito destes painéis que disse: “Do Lusíada que parte para o universo puro / Sem nenhum peso morto sem nenhum obscuro / Prenúncio de traição sob os seus passos”. (ANDRESEN, 2003a, p. 48)
“Povo português, vivemos um momento histórico como talvez desde 1640 não se vive: é a libertação da pátria”- este foi o primeiro discurso de um civil no dia 25 de Abril de 1974, dito no Largo do Carmo, após os momentos dramáticos de incerteza aí vividos. Quem o proferiu foi Francisco Sousa Tavares, homem livre, apaixonado pelas causas justas, de quem Sophia de Mello Breyner Andresen disse: “Porque os outros se mascaram mas tu não / Porque os outros usam a virtude / Para comprar o que não tem perdão. Porque os outros têm medo mas tu não. / Porque os outros são os túmulos caiados / Onde germina calada a podridão. / Porque os outros se calam mas tu não” (ANDRESEN, 2003a, p. 43). Sophia e Francisco foram as grandes referências do Centro Nacional de Cultura, como lugar de liberdade, aberto às diferenças, insuscetíveis de ser fieis a outra causa que não a da procura da dignidade e da justiça. O seu exemplo tem de ser lembrado quando falamos da reconquista da liberdade. E não é por acaso que, se Francisco Sousa Tavares foi o primeiro civil a dirigir-se ao povo, numa revolução militar que devolveu as instituições aos cidadãos, Sophia proclamou “A Poesia está na rua!”, com Maria Helena Vieira da Silva a corresponder com um magnífico cartaz, que ainda hoje é um dos símbolos desse momento fundador. Sophia será, para sempre, quem primeiro cantou o momento libertador, com a palavra certa, depois de, na circunstância oportuna, ter reclamado o “país liberto, a vida limpa e o tempo justo”: “Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial, inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo” (ANDRESEN, 2004a, p. 28). Não é possível recordar a efeméride sem lembrar essas palavras, esses exemplos, essa afirmação da perenidade das grandes causas. E Sophia disse-o na Assembleia Constituinte, no Verão quente, por entre tantas paixões. Relendo essas suas palavras, percebemos que, mesmo na vertigem dos acontecimentos, é possível afirmar os valores permanentes – em caracteres indeléveis. Hoje, essa lembrança é fundamental, num tempo em que não podemos esquecer que a liberdade só se defende e se salvaguarda se a força da verdade e da justiça não for esquecida.
Miguel Santos Vieira, “O nome deste mundo dito por ele próprio: A palavra de Sophia na encruzilhada do modernismo português”. Hist. R., Goiânia, v. 21, n. 2, p. 80–102, maio/ago. 2016. DOI: https://doi.org/10.5216/hr.v21i2.43383
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- Perfil poético e estilístico de Sophia de Mello Breyner Andresen - apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen, por José Carreiro. Folha de Poesia, 2020-07-17
“Porque
os outros se mascaram mas tu não, Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha
de Poesia, 2022-10-03. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/porque-os-outros-se-mascaram-mas-tu-nao.html
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