sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Olímpia: Ele emergiu do poente como se fosse um deus, Sophia Andresen

Sophia na Grécia, em 1963, https://purl.pt/19841/1/1960/1960-1.html

 

OLÍMPIA1

 

Ele emergiu2 do poente como se fosse um deus

A luz brilhava de mais no obscuro loiro do seu cabelo

 

Era o hóspede do acaso

Reunia mal as palavras

Foram juntos a Olímpia lugar de atletas

Terra à qual pertenciam

Os seus largos ombros as ancas estreitas

A sua força esguia espessa e baloiçada

E a sua testa baixa de novilho3

Jantaram ao ar livre num rumor de verão e de turistas

Uma leve brisa passava entre diversos rostos

 

Ela viu-o depois ficar sozinho em plena rua

Subitamente jovem de mais e como expulso e perdido

 

Porém na manhã seguinte

Entre as espalhadas ruínas da palestra4

Ela viu como o corpo dele rimava bem com as colunas

Dóricas5

 

De qualquer forma em Patras6 poeirenta

No abafado subir da noite

Tomaram barcos diferentes

 

De muito longe ainda se via

No cais o vulto espesso baloiçado esguio

Que entre luzes com as sombras se fundia

 

Sob a desprezível indiferença

Não dela mas dos deuses

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

ILHAS, 1.ª ed., 1989, Lisboa, Texto Editora, ilustração de Xavier Sousa Tavares • 2.ª ed., 1990, Lisboa, Texto Editora • 3.ª ed., 1992, Lisboa, Texto Editora, ilustração de Xavier Sousa Tavares • 4.ª ed., 2001, Lisboa, Texto Editora • 5.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho.

 

__________

1 Olímpia: santuário da antiga Grécia onde se celebravam os Jogos Olímpicos; atualmente, um importante centro arqueológico grego.

2 emergiu: saiu; surgiu.

3 novilho: toiro jovem.

4 palestra: lugar onde os jovens gregos se exercitavam em ginástica.

5 Dóricas: pertencentes ao estilo dórico (estilo arquitectónico da Grécia Antiga).

6 Patras: cidade e porto da Grécia.

 

John Tarantola, 2021-03-26


Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas ao questionário sobre o poema “Olímpia”, de Sophia de Mello Breyner Andresen.

1. O poema constrói-se em torno do encontro entre «Ele» e «Ela», tendo como cenário lugares da Grécia.

1.1. Defina a sequência de momentos desse encontro.

1.2. Identifique os valores simbólicos que os lugares de «Olímpia» e de «Patras» adquirem no texto.

2. A figura masculina («Ele») revela-se através do olhar da figura feminina («Ela»).

2.1. Descreva as sucessivas imagens da figura masculina registadas ao longo do poema.

2.2. Atribua um significado à expressão «hóspede do acaso» (v. 3).

3. Comente o sentido da última estrofe, tendo em conta a sua ligação com o terceto anterior.

 

 

Explicitação de cenários de resposta

1.1. A sequência de momentos é a seguinte:

- encontro à hora do «poente»;

- ida em conjunto a «Olímpia» e jantar sob «Uma leve brisa» de «verão», no meio de muitos turistas;

- primeira separação;

- reencontro «na manhã seguinte» e visita à «palestra»;

- separação definitiva, de noite, no cais de «Patras».

 

1.2. «Olímpia» é «lugar de atletas» da Grécia Antiga, que «Ele» e «Ela» visitam juntos. Este espaço faz sobressair a beleza física da figura masculina e nele decorre o encontro mais intenso entre «Ele» e «Ela». É, em suma, o lugar marcado positivamente que, de forma significativa, dá o título ao poema. «Patras» é o lugar marcado negativamente: «poeirenta», associada à noite e ao ar abafado, é o local da separação.

 

2.1. A figura masculina, resultando de uma sobreposição de imagens registadas pelo olhar feminino em momentos e locais diferentes, é sucessivamente apresentada como:

- alguém que surge «como se fosse um deus», com o cabelo «loiro» envolvido pela luz do poente;

- «o hóspede do acaso» e expressando-se com dificuldade («Reunia mal as palavras»);

- um homem com características atléticas («largos ombros», «ancas estreitas», «força esguia espessa e baloiçada», «testa baixa de novilho»);

- um indivíduo «Subitamente jovem de mais e como expulso e perdido»;

- um modelo de beleza masculina em perfeita harmonia com as «colunas / / Dóricas» da «palestra»;

- um «vulto» que se funde com as sombras da noite, no cais de «Patras poeirenta».

 

2.2. Exemplos de interpretações possíveis da expressão «hóspede do acaso» (v. 3):

- aquele que corporizou um momento inesperado;

- alguém que o acaso trouxera àquele lugar;

- aquele que estava de passagem, sem rumo definido;

- ...

 

3. A penúltima estrofe descreve o que «Ela» vê do barco, ao afastar-se de «Patras»: o «vulto» dele desaparecendo nas «sombras» do «cais». É o adeus definitivo. A persistência do olhar dela, fixando esse vulto até o perder de vista («De muito longe ainda se via»), é expressiva do sentimento de perda que a domina na hora da separação. Explicitando a atitude dela como sendo de não indiferença, a estrofe final denuncia, porém, «a desprezível indiferença» «dos deuses» perante os encontros e os desencontros dos homens.

    O poema termina, assim, opondo o humano, dotado de sentimentos mas impotente, ao divino, de uma omnipotência distante e insensível. 

(In: Português B: questões de exame do 12.º ano: 1998-2003. volume 1. Lisboa, GAVE, 2004)


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Olímpia: Ele emergiu do poente como se fosse um deus, Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-10-21. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/olimpia-ele-emergiu-do-poente-como-se.html


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