Sophia de Mello Breyner Andresen |
ESPERA
Deito-me tarde
Espero por uma espécie de silêncio
Que nunca chega cedo
Espero a atenção a concentração da hora tardia
Ardente e nua
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho
É então que se vê o desenho do vazio
É então que se vê subitamente
A nossa própria mão poisada sobre a mesa
É então que se vê o passar do silêncio
Navegação antiquíssima e solene
Sophia de Mello Breyner
Andresen
GEOGRAFIA, 1.ª ed., 1967, Lisboa, Edições
Ática; 2.ª ed., 1972, Lisboa, Edições Ática; 3.ª ed., 1990, Lisboa, Edições
Salamandra, ilustração de Xavier Sousa Tavares; 4.ª ed., revista, 2004, Lisboa,
Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim (5.ª ed.), Lisboa, 2014,
prefácio de Frederico Lourenço.
Questionário sobre a leitura do poema “Espera”,
de Sophia de Mello Breyner Andresen.
1. O poema aponta para um momento especial em
que algo também especial acontece.
1.1. Que marca textual se refere à chegada desse
momento?
1.2. Que recurso expressivo lhe está associado?
2. Sobre que momentos incide a atitude de
espera?
3. Refira-se à simbologia do «espelho» no
processo de autoconhecimento.
4. Interprete o verso «É então que os espelhos
acendem o seu segundo brilho».
5. Em Sophia, a luz é, frequentemente,
metáfora de «razão» e «conhecimento». Que vocábulos, no poema, reenviam para
esta ideia?
6. Interprete os dois últimos versos do poema,
tendo em conta os valores conotativos de «navegação».
7. Atribua
ao poema um outro título que lhe pareça adequado.
8. Redija
uma pequena composição em prosa poética, iniciando-a precisamente com os versos
«Deito-me tarde; espero por uma espécie de silêncio que nunca chega cedo...»
Cenários de resposta:
1.1 e 1.2. O elemento textual é: «é então», que se torna mais evidente
através da anáfora.
2. A
atitude de «espera» refere-se não só à chegada da noite com a sua quietude e
concentração, mas também à «espera» desse momento de lucidez e de autoconhecimento
em que o mundo se revela na sua verdade.
3. O
olhar-se no espelho e ser capaz de se reconhecer é uma das etapas mais
importante do desenvolvimento humano, essencial à construção da consciência de
si.
4. A
alusão ao «segundo brilho» remete para o conhecimento profundo do que se vê; a
imagem refletida e reenviada é a síntese da nossa verdade mais oculta (processo
de introspeção).
5. Espelho, brilho, ver: associações metonímicas que veiculam o sema da luz como
metáfora de «razão».
6. O
conceito de «navegação» associa-se ao de «viagem» e «descoberta» sob «orientação»,
o que sugere o processo de reflexão e autoconhecimento, isto é, de viagem
interior.
…
(Ser em Português 10 – Língua Portuguesa 10. º ano. Coord. Artur Veríssimo. Porto: Areal Editores, 2003, p. 281)
John Hrehov, Insomnia, 2001 |
Texto de
apoio
Ao caos visível e audível captado pela
perceção negligente do mundo, Sophia contrapõe a ordem visual e sonora das
imagens no poema, cuja emergência descreve variadíssimas vezes ao longo da
obra. Significativamente, é sempre do silêncio e do vazio que estas outras
imagens irão surgir. Isto porque as imagens não são as coisas na sua perceção
negligente, como a sonoridade silabada do poema acentua: elas são a intensidade
absoluta das coisas, ou seja, o poético. Veja‑se o poema «Espera», também de Geografia.
Neste poema, é particularmente importante a
referência ao espelho, pois é no espelho (e portanto enquadrado e destacado em
imagem) que Sophia vê acender‑se
o mundo em pura intensidade: um «segundo brilho» nasce no espelho em virtude da
atenção, da concentração «ardente e nua». O espelho é, então, imagem naquele
mesmo sentido em que também o é «a nossa própria mão poisada sobre a mesa»,
quando surge destacada do fundo. Naquele mesmo sentido em que, em «Arte Poética
I», a ânfora é descrita enquanto imagem:
Semelhante
ao corpo de Orpheu dilacerado pelas fúrias este reino está dividido.
Nós
procuramos reuni‑lo,
procuramos a sua unidade, vamos de coisa em coisa.
É por isso que eu levo a ânfora de barro
pálido e ela é para mim preciosa. Ponho‑a sobre o muro em frente do mar. Ela é ali
a nova imagem da minha aliança com as coisas.
Rosa Maria Martelo, "Imagens e som no mundo de Sophia", Colóquio/Letras, n.º 176, jan. 2011, p. 55-66.
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“Espera,
Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-10-16. Disponível
em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/espera-sophia-andresen.html
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