domingo, 16 de outubro de 2022

Espera, Sophia Andresen

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

ESPERA

 

Deito-me tarde

Espero por uma espécie de silêncio

Que nunca chega cedo

Espero a atenção a concentração da hora tardia

Ardente e nua

É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho

É então que se vê o desenho do vazio

É então que se vê subitamente

A nossa própria mão poisada sobre a mesa

 

É então que se vê o passar do silêncio

 

Navegação antiquíssima e solene

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

GEOGRAFIA, 1.ª ed., 1967, Lisboa, Edições Ática; 2.ª ed., 1972, Lisboa, Edições Ática; 3.ª ed., 1990, Lisboa, Edições Salamandra, ilustração de Xavier Sousa Tavares; 4.ª ed., revista, 2004, Lisboa, Editorial Caminho. 1.ª edição na Assírio & Alvim (5.ª ed.), Lisboa, 2014, prefácio de Frederico Lourenço.

 

 

Questionário sobre a leitura do poema “Espera”, de Sophia de Mello Breyner Andresen.

1. O poema aponta para um momento especial em que algo também especial acontece.

1.1. Que marca textual se refere à chegada desse momento?

1.2. Que recurso expressivo lhe está associado?

2. Sobre que momentos incide a atitude de espera?

3. Refira-se à simbologia do «espelho» no processo de autoconhecimento.

4. Interprete o verso «É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho».

5. Em Sophia, a luz é, frequentemente, metáfora de «razão» e «conhecimento». Que vocábulos, no poema, reenviam para esta ideia?

6. Interprete os dois últimos versos do poema, tendo em conta os valores conotativos de «navegação».

7. Atribua ao poema um outro título que lhe pareça adequado.

8. Redija uma pequena composição em prosa poética, iniciando-a precisamente com os versos «Deito-me tarde; espero por uma espécie de silêncio que nunca chega cedo...»

 

 

Cenários de resposta:

1.1 e 1.2. O elemento textual é: «é então», que se torna mais evidente através da anáfora.

2. A atitude de «espera» refere-se não só à chegada da noite com a sua quietude e concentração, mas também à «espera» desse momento de lucidez e de autoconhecimento em que o mundo se revela na sua verdade.

3. O olhar-se no espelho e ser capaz de se reconhecer é uma das etapas mais importante do desenvolvimento humano, essencial à construção da consciência de si.

4. A alusão ao «segundo brilho» remete para o conhecimento profundo do que se vê; a imagem refletida e reenviada é a síntese da nossa verdade mais oculta (processo de introspeção).

5. Espelho, brilho, ver: associações metonímicas que veiculam o sema da luz como metáfora de «razão».

6. O conceito de «navegação» associa-se ao de «viagem» e «descoberta» sob «orientação», o que sugere o processo de reflexão e autoconhecimento, isto é, de viagem interior.

(Ser em Português 10 – Língua Portuguesa 10. º ano. Coord. Artur Veríssimo. Porto: Areal Editores, 2003, p. 281)

 

John Hrehov, Insomnia, 2001


Texto de apoio

Ao caos visível e audível captado pela perceção negligente do mundo, Sophia contrapõe a ordem visual e sonora das imagens no poema, cuja emergência descreve variadíssimas vezes ao longo da obra. Significativamente, é sempre do silêncio e do vazio que estas outras imagens irão surgir. Isto porque as imagens não são as coisas na sua perceção negligente, como a sonoridade silabada do poema acentua: elas são a intensidade absoluta das coisas, ou seja, o poético. Vejase o poema «Espera», também de Geografia.

Neste poema, é particularmente importante a referência ao espelho, pois é no espelho (e portanto enquadrado e destacado em imagem) que Sophia vê acenderse o mundo em pura intensidade: um «segundo brilho» nasce no espelho em virtude da atenção, da concentração «ardente e nua». O espelho é, então, imagem naquele mesmo sentido em que também o é «a nossa própria mão poisada sobre a mesa», quando surge destacada do fundo. Naquele mesmo sentido em que, em «Arte Poética I», a ânfora é descrita enquanto imagem:

Semelhante ao corpo de Orpheu dilacerado pelas fúrias este reino está dividido.

Nós procuramos reunilo, procuramos a sua unidade, vamos de coisa em coisa.

    É por isso que eu levo a ânfora de barro pálido e ela é para mim preciosa. Ponhoa sobre o muro em frente do mar. Ela é ali a nova imagem da minha aliança com as coisas.

 

Rosa Maria Martelo, "Imagens e som no mundo de Sophia", Colóquio/Letras, n.º 176, jan. 2011, p. 55-66.


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Espera, Sophia Andresen”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-10-16. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/10/espera-sophia-andresen.html


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