Mensagem, de Fernando Pessoa
Segunda Parte - Mar Português
Possessio maris
IX
Os
Suspendem de
E pasmam.
Surge
Ladeiam-no, ao
E ao
Em
Cai-lhe, e
O
10-1-1922
Mensagem. Fernando
Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934
Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2402
I - Leitura orientada do
poema “Ascensão de Vasco da Gama”, de Fernando Pessoa:
O poema “Ascensão de Vasco da Gama”
tem duas estrofes. A primeira tem sete versos e a segunda tem três. Vasco da
Gama é um marco importante nos descobrimentos marítimos portugueses. Com ele, o
grande império marítimo toma forma e tudo o que era incerto e duvidoso ganha
formas precisas. Faz parte do grande ciclo das conquistas ultramarinas:
iniciam-se as guerras que levariam à tomada de posse dos novos territórios
descobertos. De salientar que, neste poema, não se fala propriamente da figura
histórica, mas sim da sua “ascensão”. Somando todos os versos presentes neste
poema, encontramos o número dez (7 + 3 = 10)
Na iconografia cristã existem numerosas
representações do homem ascensional; símbolo do levantar voo, da elevação ao
céu depois da morte. (…) Todas
estas imagens representam uma resposta positiva do homem à sua vocação
espiritual e, mais do que um estado de perfeição, é um movimento em direção à
santidade. (Chevalier,
Jean e Gheerbrant, Alain,ra, Artur, Dicionário de Símbolos, Trad. de
Rodriguez, Cristina e Guerra, Lisboa: Editorial Teorema, 1994)
A palavra “ascensão” fala de um Vasco da
Gama já não terreno, mas que iniciou o seu percurso em direção à santidade. Em Os
Lusíadas, também Camões apresenta os homens a ascenderem ao estatuto de
semideuses, confraternizando e contraindo matrimónio com as ninfas, numas bodas
onde o terreno se mistura com o celestial.
Todo o início é involuntário e duvidoso e
estes conceitos poderão ser aplicados a estes três poemas.
Quando D. Henrique fundou o Condado
Portucalense não sonhou sequer que, embrionariamente, estava ali o futuro reino
de Portugal. Quando Vasco da Gama iniciou a viagem marítima para a Índia não
alcançou as reais consequências futuras dos seus atos, tendo por isso iniciado
a sua derradeira viagem rumo ao divino. O poema “O dos Castelos” parece marcar
o tempo antes da ação, podendo associar-se ao tempo antes da fundação do reino
de Portugal (Conde D. Henrique) e antes da fundação do grande império
ultramarino (Vasco da Gama).
A irregularidade estrófica destes poemas
reforça esta ideia de caos inicial, de uma desorganização e desorientação que
precedem o aparecimento de grandes realizações.
Maria
Isabel Coelho, Mensagens de Mensagem, de Fernando Pessoa.
Universidade Nova de Lisboa – FCSH, 2010
II - Questionário sobre o
poema “Ascensão de Vasco Da Gama”, de Fernando Pessoa:
O
1. Refira e interprete os
2. A
3. No
Ó
Tinham
Transcreva
4. A “
5. Numa
Chave de respostas:
1.
Os
2.
Explicitação da afirmação A
• Do
• à
•
3. Confrontar
o v. 6: “Ladeiam-no, ao
4. E
ao
•
5. Entre
•
a
•
o prémio dos
•
o prémio do
No
•
a abstracção
•
a
(in
Vasco da Gama - 5.º Centenário do nascimento (1969) |
III – Comentário de texto
Proceda
a um comentário crítico do poema “Ascensão de Vasco da Gama”, tendo em conta os
seguintes tópicos de análise:
-
significado da luta «Deuses da tormenta»/ «gigantes da terra»;
-
sentido de véus/assombro;
-
teofania (versos que a denunciam);
-
relação Gama/Argonauta;
-
imortalização do herói;
-
relação abismo/alma.
(Artur
Veríssimo, Ler a Mensagem de Fernando Pessoa – curso n.º 21/2001 do
Centro de Formação de Associação de Escolas de S. Miguel e Santa Maria)
Vasco da Gama - selo de Portugal, 1945 |
IV - Textos de apoio
Vasco da Gama (1468?-1524)
Vasco da Gama
nasceu em Sines.
Por ser perito
em navegação, D. João II encarregou-o de várias missões de responsabilidade. D.
Manuel nomeou-o capitão da armada de descobrimento do caminho marítimo para a
índia, que partiu do Tejo em 8 de julho de 1497. Enfrentando as primeiras
manifestações da hostilidade muçulmana no sultanato de Moçambique, não
conseguiu que o rei de Calecute aceitasse as propostas de aliança e trato comercial
feitas através da carta de D. Manuel, devido à oposição dos mercadores
muçulmanos residentes na Corte do Samorim.
Partindo da ilha
de Angediva em 5 de outubro de 1498, após uma toma-viagem acidentada por
calmarias e doenças, desembarcou finalmente em Lisboa em fins de agosto de 1499,
sendo recebido apoteoticamente pelo rei e pelo povo.
D. Manuel
cumulou-o de honras e dádivas, concedendo-lhe o título de Dom e nomeando-o
almirante do mar da Índia. Em 1502, [...] 0 almirante foi enviado de novo a Calecute,
onde [...] firmou aliança com os reis de Cochim e Cananor e lançou as bases da
hegemonia portuguesa no oceano Índico. [...]
Voltou à Índia
em 1524 [...] com o cargo de vice-rei. [...]. Adoeceu gravemente em Cochim,
onde faleceu a 24 de dezembro desse ano.
in
Dicionário de História de Portugal. Porto, Figueirinhas, 1979
Vasco da Gama (1469-1524), selo de Portugal,1992 |
IX - «Ascensão de Vasco da Gama»
Sagitário (22 de
novembro - 20 de dezembro) é o símbolo da dualidade entre os instintos («gigantes
da terra») e as aspirações superiores («deuses da tormenta»). Do ponto de vista
cosmogónico, é o regresso do homem a Deus, percetível no título do poema e na manifestação
clássica da divindade: «o rastro ruge em nuvens e clarões» e «à luz de mil
trovões» (M, 69). E poderíamos ficar por aqui.
Mas não é
despiciendo notar a coincidência desta caracterização do sagitariano com o conjunto
de valores para que o poema estudo nos reenvia:
[...] na
origem do tipo sagitariano, distingue-se um Eu em expansão ou em intensidade,
que procura os seus próprios limites e aspira a ultrapassá-los, e isso sob
pressão de uma espécie de instinto de força e de grandeza. Daí a aspiração a
uma certa elevação ou dimensão que ele procura num arrebatamento, que pode ser
um impulso de participação, de assimilação ideal à vida coletiva, ou, pelo
contrário, revolta estimulante contra um poder que tem de ser dominado [...] (cf.
CHEVALIER/GHEERBRANT, 581).
Note como o texto se aplica, grosso modo, a Vasco
da Gama, pelo que esta figura representa de superação dos próprios limites,
pelo instinto de força e de grandeza, pela elevação, pelo que nela se lê de
aspiração individual e coletiva.
Constitui, por isso, um convite à exploração das
profundezas da alma, para a libertar dos medos e soltar-lhe a imaginação e o
sonho, já que a alma do herói é pertença do nosso inconsciente coletivo, como a
simbologia do abismo, presente no último verso, denuncia.
Dicionário da Mensagem, Artur
Veríssimo. Porto, Areal Editores, 2000, p. 150
moeda portuguesa de 200$00 |
Argonauta/Gama (Vasco da)
O termo aparece
ligado a Vasco da Gama e significa «navegador arrojado». Porém, temos de,
metaforicamente, associá-lo aos tripulantes da nau Argo («os Argonautas»), que,
segundo a lenda grega, foram, sob o comando de Jasão, a Cólquida em demanda do
velo de ouro, símbolo do poder e da prosperidade. Uma viagem de heróis eleitos,
recheada de peripécias, bafejada pelos deuses.
Uma das façanhas
mais conhecidas de Jasão é a de ter feito a nau Argo passar incólume entre os
dois rochedos flutuantes que, à entrada do mar Negro, chocavam, esmagando entre
eles as naus. Note como este verso do poema «Ascensão de Vasco da Gama»
poderia servir também para ilustrar aquela proeza do Argonauta grego:
Ladeiam-no,
ao durar, os medos, ombro a ombro
(M,69)
A aproximação
simbólica da viagem de Vasco da Gama à viagem dos Argonautas da lenda grega
surge já n'Os Lusíadas. Os marinheiros portugueses, momentos antes da
partida,
Foram de Emanuel remunerados,
[…]
E com palavras altas animados
Pera quantos trabalhos
sucedessem.
Assi foram os Mínias
ajuntados,
Pera que o Véu dourado
combatessem,
Na fatídica Nau, que ousou
primeira
Tentar o mar Euxínio,
aventureira.
(C. IV, 83)
Tornando à Mensagem, a ideia de
Argonauta liga-se à ideia de ascensão, i. e., à superação espiritual das
condições materiais da existência. Vasco da Gama é alma, torna-se símbolo e
arquétipo e, como tal, ganha direito à existência eterna (v. Ocultismo). A sua
alma penetra no abismo dos céus, sob o pasmo e o assombro de todas as forças
cósmicas:
Os Deuses da tormenta e os
gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio
da sua guerra
E pasmam.
(M,69)
É em êxtase que
o pastor (imagem repleta de simbolismo religioso) vê superada a sabedoria terrena
e os segredos encantatórios da sua flauta diante da teofania (manifestação da divindade)
que acompanha a ascensão de Vasco da Gama: «vê, à luz de mil trovões / O
céu abrir o abismo à alma do Argonauta) (M,ibid.); o pastor assiste (e nós
com ele), dir-se-ia, à integração suprema do herói na união mística.
Bibl.: Jöel Schimdt, «Argonautas», in Dicionário de Mitologia Grega e Romana,
Lisboa, Edições 70, 1994, pp.41-42.
Dicionário da Mensagem, Artur Veríssimo.
Porto, Areal Editores, 2000, pp.
11-12
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Fernando Pessoa
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obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro.
- In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição)
- e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
“Ascensão de Vasco da
Gama (Mensagem, Fernando Pessoa)” in Folha de Poesia, José
Carreiro. Portugal, 25-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/ascensao-de-vasco-da-gama-mensagem.html
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