Mensagem, Fernando Pessoa
Primeira Parte - Brasão
III - As Quinas
Quinta
D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL
Louco,
sim, louco, porque quis minha grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
20-2-1933
Fernando Pessoa, Mensagem. Lisboa: Parceria António Maria
Pereira, 1934
Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/187
Linhas de leitura “D. Sebastião, Rei de Portugal”, de Fernando Pessoa:
Aspetos a considerar:
- Vontade expressa: “porque quis minha grandeza” – herói voluntário.
- Tragicidade do Eu: “qual a Sorte a não dá” – sem a graça (o auxílio) de Deus
- Queda histórica/Ascensão espiritual
O poema apresenta o dramatismo do discurso na 1.ª pessoa, num acto de afirmação e, ao mesmo tempo, de autointerpretação.
O tópico que expõe para reflexão é o da loucura positiva, o da loucura como singularidade na ousadia, no espírito de aventura, na coragem, no tentar ultrapassar os limites da mediania, de que D. Sebastião é tomado como símbolo.
É, pois, um herói que aparentemente 'falhou' o
empreendimento épico a que Camões e outros o tinham incentivado, falando, em
1.ª pessoa, do seu sonho de grandeza e assumindo-se orgulhosamente como louco,
capaz de partir e de se deixar morrer por uma ideia de grandeza no areal de
Alcácer-Quibir. Só que nesse areal ficou apenas o que nele havia de mortal : «Ficou
meu ser que houve, não o que há.» O que sobreviveu foi, afinal, o mais
importante: o ser que há, que permanece, que é imortal: o sonho –
loucura – de querer «grandeza /
qual a Sorte a não dá.» (Pais: 2001, 127-128)
O sinal positivo na figura contrapõe-se ao sinal negativo na sua tentativa de realização.
É um herói voluntário («porque quis […]», v. 1), mas também foi eleito, no sentido de que era esperado antes de nascer (historicamente falando). No entanto, agiu em altura imprópria, em hora adversa, «porque quis grandeza / Qual a Sorte a não dá». A hora adversa é de cima, não é dele.
Assim, ele outorga (entrega) a sua loucura, como herança, àqueles que estarão talvez, na hora certa, em que a sorte será favorável à grandeza, v.6.
v. 5: desdobramento do significado da figura: «o ser que houve» – temporal, circunscrito a um momento histórico em que se esgotou; «não o que há» – intemporal, que permanece no homem habitado pela loucura do desejo de grandeza.
v. 4: a sugestão factual é muito leve, esboçada, estilizada, evocada em pequenos traços: o «areal» e a sua correlação com o título, recria evocativamente a cena desastrosa da Batalha de Alcácer-Quibir.
Perante a
diminuição do desastre e da apresentação
positiva da loucura, contrapõem-se
-
palavras de incidência semântica agressiva: «besta sadia», «cadáver adiado», a
rejeitar a sobrevivência, o cinzentismo vegetativo de quem não ousa;
- o jogo verbal: «houve»/«há»; «adiado»/«que procria».
A pergunta que está nos vv. 8-10 constrói um axioma, uma verdade intemporal. Trata-se de uma interrogação que impede o passado de se esgotar em História e faz de D. Sebastião um símbolo do regresso das grandezas. A morte não foi acabamento total, pois o ser que há transcende o ser que houve.
v. 7: «Com o que nela ia» – o que ia na loucura do rei não é nomeado, não é definido, mas esta indefinição faz disso património comum, uma senha nacional que todos identificam. Quando o assunto é propriamente nosso, pode ser referido apenas por meias palavras, que todos entendem: o que ia, o que foi na loucura de D. Sebastião, era a grandeza de Portugal que agora outros devem tomar, para que Portugal não continue a ser um país profundamente morto, embora superficialmente sobrevivente.
A expressão «Com o
que nela ia» é uma maneira muito pessoana de abrir um espaço de mistério na
significação ao insubstantivar a referência.
(cf. Soares: 2000,
37-38)
Dom Sebastião, Mosteiro de Tibães |
Sugestão: visiona o Módulo de Português do 12.º Ano respeitante à análise e interpretação do poema “D. Sebastião, Rei de Portugal”, de Fernando Pessoa:
In: Projeto #ESTUDOEMCASA. O sebastianismo na Mensagem. O poema "D.
Sebastião, Rei de Portugal" -Aula 21 de Português do 12.º Ano, 01-02-2021.
Disponível em: https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7907/e521420/portugues-12-ano
Questionário sobre o poema “D. Sebastião, Rei de
Portugal”, de Fernando Pessoa:
1.
Interpreta a utilização da primeira pessoa neste poema.
2.
A “loucura” é um traço que o sujeito poético escolhe para se autocaracterizar.
2.1. Mostra como essa loucura se integra na
conceção de homem e de herói presente no poema «D. Sebastião, Rei de Portugal».
3.
Atenta nos versos: «Por isso onde o areal está / Ficou meu ser que houve, não o
que há.» (vv. 4-5)
3.1. Interpreta os versos, aludindo à raiz histórica e mítica da afirmação.
4.
Comenta o uso dos tempos verbais do poema, atendendo à articulação entre
passado e presente.
5.
Atenta no verso «Minha loucura, outros que a tomem.» (v.1 – 2.ª est.)
5.1. Explicita o modo como este verso e o poema projetam a “loucura”, sonho de D. Sebastião, para o futuro.
Atenção
Nas respostas a
questões de interpretação tem em consideração o seguinte:
a)
organiza o teu texto em três partes: introdução, desenvolvimento e conclusão;
b)
desenvolve as tuas ideias;
c)
cita o texto literário que estás a interpretar;
d)
usa conectores para estruturares as tuas ideias.
Fonte: Recurso complementar da Aula 21 de Português do 12.º Ano sobre o sebastianismo na
Mensagem e o poema "D. Sebastião, Rei de Portugal". Projeto
#ESTUDOEMCASA, 01-02-2021
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- In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição)
- e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
“D. Sebastião, Rei de Portugal (Mensagem, Fernando Pessoa)” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 16-12-2019. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/d-sebastiao-rei-de-portugal-mensagem.html
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