PADRÃO1
|
O
esforço é grande e o homem é pequeno. |
5 |
A
alma é divina e a obra é imperfeita. |
|
E
ao imenso e possível oceano |
|
E
a Cruz ao alto diz que o que me há na alma |
13-9-1918
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa:
Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). - 60.
Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2384
__________
1 Padrão: monumento de pedra que os navegadores portugueses
erguiam nas terras que iam descobrindo, tendo como emblemas a cruz e as quinas
(vide nota 3).
2 Diogo Cão: navegador português que, em 1485, descobriu a foz do
rio Zaire, a norte de Angola.
3 Quinas: grupo de cinco escudos que figura nos símbolos
nacionais de Portugal.
Texto de apoio – Dicionário da Mensagem
Febre - Motivo recorrente na Mensagem,
o termo liga-se à ideia de conquista da «Distância» e à inquietação que faz do
Português, no dizer de Gilberto de Melo Kujavsky, um ser-para-o-mar.
Surge na «febre de navegar» (M,61), que possui Diogo Cão, ou na «febre
de ânsia» (M, 99) que arde no peito desse terceiro nauta do poema
«Noite» que quer partir à procura dos outros dois perdidos. Em causa está, em qualquer
dos casos, «a busca de quem somos, na distância, / De nós» (M, ibid).
Curioso é, também, notar
que essa febre participa, como o gesto a que conduz, da predestinação divina do
herói. É algo que lhe é dado, que faz parte da sua própria condição, como ser
depositário de um destino que se cumpre através dele, como acontece com D.
Fernando:
[Deus]
Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me
A fronte com o olhar;
E esta febre de Além, que me consome,
E este querer grandeza são seu nome
Dentro de mim a vibrar.
(M,38)
Mesmo nos casos onde o
grande empreendimento a que se propuseram falhou, os heróis na Mensagem
mantêm viva a chama do desejo e do sonho, impulsionados por essa febre de
fazer, de descobrir, de criar, a que juntam o seu destemor confiante por se
sentirem cheios de Deus.
Dir-se-ia, em suma, que
nessa «febre de Além», nessa ânsia de Absoluto, reside um dos aspetos mais
importantes da exemplaridade do herói na Mensagem.
(Complete este estudo,
vendo os verbetes Distância e Horizonte.)
Padrão é, como se sabe, o monumento
de pedra que os navegadores portugueses erigiam em cada nova terra descoberta. Veio
substituir a cruz de madeira, usada para o mesmo fim, o que, naturalmente,
permitia uma maior resistência à erosão do tempo, marcando de forma indelével a
posse da nova terra.
Mas, simbolicamente, o que
da sua fixação ressalta é a consumação da etapa penúltima desse «porto
sempre por achar». Por isso, se atribui a Diogo Cão, provavelmente um dos navegadores
que mais padrões ergueu e um dos mais importantes no estudo da navegação da
costa ocidental africana, a exemplaridade irredutível deste gesto heroico:
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
(M,60)
Muito para além do que
historicamente a obra de Diogo Cão representa, em termos de abertura às navegações
seguintes, importa salientar a insatisfação de alma que anima o herói e o leva a
aceitar a imperfeição da obra feita, não obstante a ousadia e o grande
esforço despendido, como estímulo dessa eterna procura, que é nele a febre de
navegar.
Recorrente, na Mensagem,
é a pouca importância conferida à obra feita, materialmente considerada, em
detrimento da atitude do herói. Recorde-se que Diogo Cão caiu em desgraça por
ter, erradamente, julgado atingir o limite meridional do continente africano, facto a que o poema faz alusão:
O esforço é grande e o homem é pequeno
[…]
A alma é divina e a obra é imperfeita.
(ibid.)
O esforço é grande e o homem é pequeno
[…]
A alma é divina e a obra é imperfeita.
(ibid.)
Trata-se de um herói, como
os que integram as «Quinas», sagrado por Deus «em honra e em desgraça», facto
de que o navegador tem plena consciência:
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
(ibid.)
Note-se, ainda, a
semelhança do último verso transcrito com o que termina o poema consagrado a D.
Pedro («Tudo mais é com Deus!» - M, 40), compare-se a «febre de Além» de
D. Fernando com a «febre de navegar» de Diogo Cão ou a sua grandeza de alma insatisfeita,
que procura «o porto sempre por achar» com a inquietação de um D. João diante da
impossibilidade de atingir «o inteiro mar», e, facilmente, se poderá concluir
que o malogrado marinheiro é, igualmente, uma das quinas do padrão por ele
plantado, já que também foi colhido pela sorte adversa na procura do «inteiro
mar»:
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.
(ibid.)
O que interessa, porém, ao
Portugal futuro é a alma do herói, que o texto pessoano reabilita, e o que nela
existe da face divina das coisas, i. e., o que da sua figura perdura como arquétipo,
sintetizável nos primeiros versos que transcrevemos.
A reter é, pois, a ideia de navegar, metáfora de toda a procura, ou o valor simbólico do padrão (também metáfora da Mensagem) como marco sempre penúltimo da viagem começada.
Fonte: Dicionário da
Mensagem, Artur Veríssimo. Porto, Areal Editores, 2000
Apresente, de forma bem estruturada, as
suas respostas ao questionário.
1. Indique as funções atribuídas
ao «padrão» neste poema.
2. Explicite as relações de
sentido que o primeiro e o quinto versos estabelecem entre si.
3. Analise a importância que
os vocábulos e expressões referentes à navegação assumem no texto.
4. Comente o significado dos
versos: «Que o mar com fim será grego ou romano:/ O mar sem fim é português»
(vv. 11-12).
5. Descreva o retrato que o
sujeito poético faz de si mesmo.
Explicitação de cenários de resposta
1. Ao «padrão» (marco de
pedra com emblemas simbólicos, que assinalava a posse de Portugal sobre as
terras descobertas) são atribuídas, neste poema, as seguintes funções:
- assinalar a passagem de
«Eu, Diogo Cão» pelo «areal moreno», ou seja, o cumprimento da parte que lhe
cabe na realização da «obra ousada»;
- testemunhar, pelas
«Quinas» gravadas no monumento, o domínio português do oceano;
- manifestar, através da
«Cruz» que encima o «padrão», a transcendência do objetivo último da navegação
do «eu», isto é, a demanda de Deus.
2. O paralelismo de
construção dos versos 1 e 5 - resultante da estrutura em forma de máximas, assentes
em antíteses - gera relações de sentido entre os seus elementos que evidenciam:
- as limitações do «homem»
e as imperfeições da obra humana;
- o impulso humano de autossuperação
e de procura da perfeição «divina»;
- a grandeza do «esforço»
do «homem» no confronto com os seus limites.
3. O campo lexical referente
à navegação («navegador», «padrão», «areal», «naveguei», «vento», «céus»,
«oceano», «mar com fim», «mar sem fim», «navegar», «calma», «porto [...] por
achar») torna-se o mais importante do texto, pela quantidade e diversidade dos
seus elementos, produzindo um discurso poético centrado no ato de navegar, que
é canto da viagem marítima e de exaltação da descoberta, e também metáfora da
demanda do transcendente.
4. Contrapondo o «mar com
fim», «grego ou romano», ao «mar sem fim», «português», o poema enaltece as
viagens marítimas dos Portugueses, afirmando a sua superioridade relativamente
às dos povos da Antiguidade Clássica: estes dominaram apenas o conhecido, o
«mar com fim»; os Portugueses, pelo contrário, apropriaram-se do desconhecido,
do «mar sem fim» que desvendaram, acentuando-se, assim, a sua dimensão épico-heroica.
5. São traços do autorretrato
do sujeito do poema:
- a ânsia e a exaltação de
navegar, impelindo-o sem cessar «para diante», na busca do «porto sempre por
achar»;
- o sentimento de
insatisfação, de desejo de perfeição, a par da consciência dos limites humanos e
do orgulho pela obra realizada;
- a determinação, a
capacidade de esforço, de autossuperação;
- a consciência de
realizar uma obra que tem uma dimensão transcendente e coletiva;
- o sentimento de respeito
e de fascínio pelo oceano;
- …
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Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro.
- In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição)
- e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
“Padrão, Fernando
Pessoa” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 21-12-2022.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/padrao-fernando-pessoa.html
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