Mensagem, Fernando Pessoa
Segunda Parte - Mar Português
XII
PRECE
|
Senhor, a noite
veio e a alma é vil. |
Fernando Pessoa, Mensagem.
Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed.
1972). - 73. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/92
__________
Glossário:
remoça (verso 10) –
rejuvenesce.
vil (verso 1) – desprezível, indigna.
Texto de apoio:
«Prece» é o título do
poema com que a Segunda Parte da obra termina. O tom de súplica, que o
atravessa, em consonância, aliás, com o próprio título, exprime a dor da
incerteza em relação ao futuro de Portugal. Um Portugal caracterizado como
«alma vil», «silêncio hostil», em suma, como o país decadente que o último
poema da obra – «Nevoeiro» – há de pincelar com tintas ainda mais negras. Um
Portugal indolente que contrasta com a «tormenta e a vontade» que foi o
Portugal das Descobertas.
O empenhamento colectivo
precisa do estímulo que a «desgraça» ou a «ânsia» da alma insatisfeita
representam; precisa dessa perdida febre de navegar, dessa «busca de
quem somos. Na distância / De nós», de que o poema «Noite» (Terceira Parte da Mensagem)
faz a apologia.
Não resulta, por isso,
indiferente que este poema de 12 versos seja o 12.° e último da Segunda Parte.
Ao apelo à mobilização coletiva que o percorre não é alheio o ciclo completo
(simbologia do número Doze) que se cumpriu com o mar, e que se apresenta como
«a lição do ter sido». Falta-nos cumprir o poder vir a ser que essa
lição do passado profeticamente anuncia, como fica explícito logo no primeiro
dos poemas desta parte da obra: «Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. /
Senhor, falta cumprir-se Portugal!» (Mensagem, «O Infante»)
Os versos que terminam o
poema «Prece», numa esotérica circularidade do tempo e do espaço, reenviam-nos
precisamente para a necessidade de cumprir esse futuro adivinhado do passado,
que foi a posse dos mares: «E outra vez conquistemos a Distância – / Do
mar ou outra, mas que seja nossa!»
(Dicionário da Mensagem, Artur Veríssimo,
Porto, Areal Ed., 2000, pp. 113-114)
I - Questionário sobre o poema “Prece”, de Fernando Pessoa:
1. Enquadre o poema na estrutura da obra a que pertence.
2. Apresente marcas discursivas e lexicais que justifiquem o
título do poema.
3. A quem dirige o sujeito poético (indiferenciado num nós) a
sua prece?
4. Esclareça o sentido e o objetivo da prece.
5. Tendo em conta a sua significação no universo deste poema e
da Mensagem, classifique, como disfóricas ou eufóricas, as palavras
relevadas no seguinte levantamento: «noite»; «vil»; «tormenta»; «silêncio»; «hostil»;
«mar universal»; «saudade»; «chama»; «vida»; «frio morto»; «cinzas»; «a mão do
vento»; «erguê-la»; «sopro»; «aragem»; «esforço»; «remoça»; «Distância»; «mar».
6. Interprete o simbolismo de cada uma das duas linhas de força
que as palavras relevadas na questão anterior desenvolvem.
7. Destaque, no poema, três momentos:
- o momento em que a «Prece» é confissão;
- o momento em que a «Prece» é esperança;
- o momento em que a «Prece» é apelo.
8. Identifique a tonalidade dada ao sentido pelo aspeto verbal
(observe o modo e a pessoa) de «conquistemos».
9. Localize no poema duas conexões adversativas e clarifique a
mudança que elas introduzem no desenvolvimento do tema.
10. Releve do poema uma palavra que exprime uma atitude típica
finissecular, cultivada como postura ideológica e sentimental tipicamente
portuguesa.
11. Selecione momentos em que se exprime dúvida.
12. Comente as seguintes imagens:
a) «O frio morto em cinzas a ocultou» (v.7)
b) «A mão do vento pode erguê-la ainda»
c) «O sopro, a aragem [...]/ Com que a
chama do esforço se remoça»
Resolução do questionário:
1.
Enquadramento do poema na estrutura da Mensagem:
Este poema constitui o desenvolvimento do
tema que está nos dois últimos versos do 1.º poema («O Infante») da Segunda
Parte (ciclo que se cumpriu) e faz a ligação à 3.ª parte (pressente a vinda do
Encoberto).
2.
Apresentação das marcas discursivas e lexicais que justificam o título do poema:
Apóstrofe inicial “Senhor”; noite, alma, vil (v.1), tormenta, vontade (2), chama (10), sopro,
desgraça, ânsia (9).
3. O sujeito poético dirige a sua súplica ao «Senhor», cujo vocativo abre o poema e o seu sentido permanece ambíguo. Refere-se a Deus? ao
Encoberto, que «o frio morto em cinzas ocultou»? (7)
4.
Esclarecimento do sentido e do objetivo da prece:
O tom de súplica, em consonância com o
título, exprime a dor da incerteza em relação ao futuro de Portugal. Por isso,
o sujeito poético pede para que devolva à Pátria a chama oculta debaixo das
cinzas, isto é, a glória.
5.
Disforia: «noite»; «vil»; «tormenta»; «silêncio»; «hostil»; «saudade»;
«frio morto»; «cinzas»
Euforia: «mar universal»; «chama»; «vida»; «a mão do vento»;
«erguê-la»; «sopro»; «aragem»; «esforço»; «remoça»; «Distância»; «mar».
6.
Interpretação do simbolismo de cada uma das duas linhas de força que as
palavras relevadas na questão anterior desenvolvem:
O campo lexical disfórico aponta para a
tristeza e nostalgia de um bem passado e para um estado de decadência do país.
O campo lexical eufórico aponta para a
ressurreição (ressurgimento), um novo período áureo (de glória).
7.
O poema pode ser dividido em três momentos:
(1) o momento em que a «Prece» é confissão:
vv. 1-3
(2) o momento em que a «Prece» é esperança:
vv. 4-8
(3) o momento em que a «Prece» é apelo: vv.
9-12
8. A forma verbal «conquistemos» está no
presente do conjuntivo e tem valor imperativo, exprimindo desejo, incitação,
persuasão.
9.
Localização no poema de duas conexões adversativas e clarificação da mudança
que ambas introduzem no desenvolvimento do tema:
- «Mas», v. 5: opõe um estado disfórico a
um eufórico, um estado desalento a outro de esperança.
«mas», v. 12: inicia uma oração que vinca
uma tomada de posição activa no sentido - de uma apropriação colectiva de um
propósito - reforça o propósito coletivo.
10. Palavra do poema que exprime uma atitude
típica finissecular, cultivada como postura ideológica e sentimental tipicamente
portuguesa: «Saudade»
11.
Momentos em que se exprime dúvida:
- v. 6: «Se ainda há vida
ainda não é finda»;
- v. 9: ««ou desgraça ou
ânsia».
12.
Comentário das imagens contidas nos versos transcritos:
- v. 7, «O frio morto em cinzas a ocultou»:
as cinzas simbolizam o estado de decadência do país, perpetuada desde o
desaparecimento de D. Sebastião, de modo que está oculta a verdadeira vida,
esperando o momento certo para o seu ressurgimento. É o Encoberto à espera do
seu momento de desocultação.
- v. 8, «A mão do vento pode erguê-la
ainda»: a expressão «mão do vento» faz lembrar uma outra: «mão de Deus»,
indicando que está nos desígnios do Alto o ressurgimento da vida pátria,
havendo, portanto, ainda esperança para o caso português.
- «O sopro, a aragem [...]/ Com que a chama
do esforço se remoça»: o sopro tem o sentido de princípio de vida. O espírito
de Deus que paira sobre as águas primordiais do Génesis é o sopro. No
homem o sopro de vida dado por Deus não é perecível. Na iconografia cristã
podem ver-se cenas da criação pelo sopro de Deus, capaz de curar a doença ou
expulsar a morte, insuflando a vida.
Note-se o impressionismo da imagem dado
apenas com dois substantivos («chama do esforço»).
(Adaptado de: Para
uma leitura de MENSAGEM de Fernando Pessoa, Maria Almira Soares. Lisboa, Editorial Presença, 2000, pp. 58-59)
***
II – Outro questionário sobre o poema “Prece”, de Fernando
Pessoa:
Apresente,
de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1. Caracterize o momento presente tal como é
representado na primeira estrofe.
2. Explicite os efeitos de sentido produzidos
pela exclamação «Tanta foi a tormenta e a vontade!» (verso 2).
3. Relacione a referência à «chama, que a
vida em nós criou» (verso 5) com o sentimento sugerido no verso 8.
4. Interprete o sentido da última estrofe,
tendo em conta o título e a apóstrofe presente no primeiro verso do poema.
Explicitação
de cenários de resposta:
1.
A resposta pode contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros
considerados relevantes.
Na primeira estrofe, o momento presente
caracteriza-se pela frustração, pela saudade e pelo desalento evidenciados:
– pelas metáforas da «noite» e do
«silêncio», que significam uma morte espiritual, bem como pelo sentido disfórico
da associação de «alma» ao adjetivo «vil» e de «silêncio» ao adjetivo «hostil»;
– pela evocação de um passado glorioso,
associado ao orgulho da conquista de um «mar universal».
2.
A resposta pode contemplar os aspetos que a seguir se enunciam, ou outros
considerados relevantes.
A exclamação presente no verso 2 exprime:
– o orgulho relativamente a um passado
heroico que implicou sofrimento, mas em que os portugueses se moveram por um
inabalável desejo de grandeza;
– a noção de um presente marcado pelo
desânimo e pela falta de ambição.
3.
A resposta pode contemplar os aspetos que a seguir se enunciam, ou outros
considerados relevantes.
A «chama» que impulsionou os portugueses
para a concretização de feitos gloriosos e que não se encontra morta, mas
escondida no «frio morto em cinzas» (v. 7), alimenta o sentimento de esperança
implícito no verso 8 e a possibilidade de Portugal voltar a erguer «a chama,
que a vida em nós criou» (v. 5).
4.
A resposta pode contemplar os aspetos que a seguir se enunciam, ou outros
considerados relevantes.
Na última estrofe (através do recurso ao
imperativo), o sujeito poético concretiza a súplica referida no título, pedindo
ao «Senhor» (v. 1) que conceda ao povo português (identificado pelo uso da
primeira pessoa do plural) «o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia —» (v. 9)
que permitam:
– reavivar a «chama do esforço» (v. 10);
– reconquistar a «Distância» (v. 11), ou
seja, construir um novo Portugal.
Nota – Não é obrigatório o recurso a citações, ainda que estas figurem, a
título ilustrativo, no cenário de resposta.
Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º
639 (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Prova Escrita de Português -
12.º Ano de Escolaridade. Governo de Portugal, Ministério da Educação e Ciência
/ GAVE-Gabinete de
Avaliação Educacional, 2013, 1.ª
Fase - Data Especial
Poderá também gostar de:
Fernando Pessoa
- Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da
obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro.
- In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição)
- e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
“Prece: Senhor, a
noite veio e a alma é vil. (Mensagem, Fernando Pessoa)” in Folha
de Poesia, José Carreiro. Portugal, 27-12-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/12/prece-senhor-noite-veio-e-alma-e-vil.html
Sem comentários:
Enviar um comentário