domingo, 5 de março de 2023

Segue o teu destino, Ricardo Reis

 


 





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Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras1
Como ex-voto2 aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Ricardo Reis, Odes, Lisboa, Ática, 1970

_______

1 aras: altares.

2 ex-voto: objeto que se oferece em cumprimento de uma promessa.

 



 

Questionário sobre o poema “Segue o teu destino”, de Ricardo Reis.

1. Ricardo Reis defende o prazer e a busca da calma ou a sua ilusão para viver feliz.

1.1. Explique o sentido do verso "Ama as tuas rosas", tendo em conta os conselhos dados na primeira estrofe.

1.2. Comente a construção dos primeiros três versos, atendendo às formas verbais e à função da linguagem.

2. Mostre em que medida se diferencia a realidade daquilo que "somos".

3. Escolha a expressão que melhor exprima a apatia como ideal ético. Justifique.

4. Prove que é necessária a ataraxia para viver com satisfação, mas que a calma e a felicidade são inatingíveis, mesmo para os deuses.

5. Comente o pensamento epicurista que se depreende do poema.

6. Enquadre esta composição na produção poética de Ricardo Reis. 


 


Chave de respostas

1.1. O sentido do verso "Ama as tuas rosas": no primeiro verso, surge o conselho dado a um "Tu" de seguir o seu destino e de se preocupar com o momento presente e com aquilo que lhe diz diretamente respeito ("as tuas plantas", "as tuas rosas"), pondo de parte o que lhe é alheio.

1.2. Nos primeiros três versos, encontramos o uso do imperativo e a função apelativa da linguagem.

2. A realidade nem sempre corresponde àquilo que desejamos: é sempre mais ou menos do que aquilo que queríamos alcançar (a realidade está dependente do destino); nós, sendo iguais a nós próprios, seremos sempre aquilo que queremos ser, se soubermos tentar alcançar apenas o que nos foi predestinado.

3. Todo o poema exprime uma atitude de apatia como ideal ético, mas os versos "Vê de longe a vida. / Nunca a interrogues." ou "Grande e nobre é sempre / Viver simplesmente." demonstram a aceitação calma de tudo o que o destino nos reserva, sem questionar e sem nos apegarmos à vida...

4. A ataraxia é necessária para vivermos com satisfação, porque a calma, a tranquilidade e a felicidade são essenciais para a nossa vida; no entanto, são também inatingíveis, porque a realidade "é sempre mais ou menos do que queremos", porque a concretização nem sempre corresponde às intenções ou às expectativas. O destino, de facto, comanda a vida e as explicações para os acontecimentos estão mesmo "para além dos deuses" (v. 20).

5. Do poema depreende-se um pensamento epicurista pela busca de uma atitude que harmonize todas as faculdades, que atinja o equilíbrio, a calma e a tranquilidade, evitando, assim, as preocupações que a fugacidade da vida possam causar. Daí, a intenção de buscar o isolamento ("suave é viver só"), ver "de longe a vida", vivendo simplesmente e aproveitando o momento presente.

6. As razões que nos permitem enquadrar esta composição na produção poética de Ricardo Reis são:

- a referência a ideais clássicos;

- o tom moralista (uso dos imperativos);

- a aceitação passiva da ordem das coisas ("vê de longe a vida");

- a busca da perfeição e do equilíbrio;

- a ideia de que não nos devemos prender demasiado ao momento presente, porque a vida é fugaz;

- o epicurismo;

- o individualismo (vv. 1, 11). 

 

Disponível em: http://www.esa.esaportugues.com/programa/Reis/texto1RR.htm (Consultado em 17-02-2015)

 




Comentário de texto

Elabore um comentário do poema em que desenvolva os seguintes tópicos:

- regras principais de uma arte de viver;

- função do emprego do modo imperativo;

- relação estabelecida entre os homens e os deuses;

- integração no universo poético de Ricardo Reis.

 

Explicitação de cenários de resposta

Regras principais de uma arte de viver

«Segue o teu destino»; «Vê de longe a vida. / Nunca a interrogues.»; «serenamente / Imita o Olimpo»: estas formulações apontam para a regra por excelência proposta ao leitor, que é a de não se questionar sobre o sentido ou o mistério da vida, permanecendo sem inquietação e sem ansiedade, antes com tranquilidade e desprendimento.

«Suave é viver só.»; «Grande e nobre é sempre/ Viver simplesmente.»: aqui, registam-se como indicações importantes a de viver sozinho e a de viver com simplicidade - embora «Viver simplesmente» também se possa ler «simplesmente viver», isto é, viver sem fazer perguntas metafísicas, tal como «viver só» pode significar «viver apenas».

Outra ideia forte é a da não coincidência entre desejo e realidade («A realidade / Sempre é mais ou menos / Do que nós queremos.»), ideia que está ligada às instruções já referidas: não se questionar e não ansiar por nada.

 

Função do emprego do modo imperativo

O imperativo é utilizado no poema, não como o modo da ordem, mas como o do conselho, servindo para a prescrição de normas de vida simples e serena. Os três primeiros versos, por exemplo, contêm, em três orações paralelas, três dessas normas.

Por outro lado, a alternância entre o imperativo e o presente do indicativo, ao longo do poema, mostra como as regras de vida que são propostas decorrem de uma observação e avaliação da realidade.

 

Relação estabelecida entre os homens e os deuses

Primeiro, há uma relação de distância, patente na oferenda de ex-votos.

Depois, percebe-se uma relação de proximidade e de quase identificação: o facto de a «resposta» estar «além dos deuses» implica que a pergunta que os homens fazem também não pode ser respondida pelos deuses, e que eles estão na mesma situação que os homens perante o mistério do mundo.

Daí que a última estrofe aconselhe os homens a imitarem «O Olimpo» e a aproximarem-se, portanto, dos deuses. A característica essencial dos deuses que deve ser imitada pelos homens é a de que «não se pensam», isto é, não tentam interrogar o sentido da vida - numa palavra, vivem simplesmente.

 

Integração no universo poético de Ricardo Reis

Esta poesia parte do ensinamento do mestre Caeiro - o não pensar, o nada desejar, o viver das sensações -, pois Ricardo Reis é um dos seus discípulos. Mas há um tom moral de ascendência estoica que a este último heterónimo advém, por seu turno, da educação clássica, donde procede também o seu gosto pelas formas regradas da poética horaciana.

Faz parte do seu modo particular de entender o ensinamento de Caeiro a emergência do paganismo. As referências constantes aos deuses da Antiguidade greco-latina são uma forma privilegiada de entender e de formular a primazia do corpo, das formas, da natureza, dos aspetos exteriores da realidade, sem cuidar da subjetividade ou da interioridade.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 134. 12.º Ano de Escolaridade - Via de Ensino (4.º curso). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, 2000, 1.ª fase, 1.ª chamada


 

 

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