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Tanto de meu
estado me acho incerto, |
Luís de Camões, Rimas,
texto estabelecido, revisto e prefaciado por Álvaro J. da Costa Pimpão,
Coimbra, Almedina, 1994
Apresente, de forma estruturada, as suas
respostas ao questionário.
1. Explique a relação de sentido que se pode
estabelecer entre as expressões «em vivo ardor» (v. 2) e «da alma um fogo me
sai» (v. 6), fundamentando a sua resposta.
2. Identifique três versos das duas quadras em
que seja concretizada a ideia que está expressa no verso «É tudo quanto sinto,
um desconcerto» (v. 5). Justifique a escolha de cada um desses três versos.
3. Muitos poemas de Camões desenvolvem um
antagonismo de ideias e de sentimentos concretizado em pares de opostos. Da
lista a seguir apresentada, escolha um par e explicite a sua relevância para a
análise deste soneto. Fundamente a sua opção em elementos textuais.
Esperança /Desespero
Harmonia/Desarmonia
Certeza /Incerteza
4. Num soneto, os versos finais exprimem,
frequentemente, uma ideia fundamental para se perceber o sentido global do
poema. Comente a importância deste facto no caso particular deste soneto.
5. Tendo em conta o tema, relacione este
soneto com outro poema de Camões que tenha lido. Redija um texto de sessenta a
cem palavras.
Explicitação de cenários
de resposta:
1. Na
resposta pode, além de outras possibilidades, dar conta da:
- coincidência do elemento «fogo» nas duas
expressões;
- contribuição da segunda expressão para o
reforço da hipérbole;
- …
2. Na
resposta, pode referir três dos seguintes versos: 2, 3, 4, 6, 7, 8. Na
justificação, deve referir o modo como a ideia contida nos versos exprime o
«desconcerto».
Por exemplo:
Cada verso do soneto de Camões é expressivo da ideia
de “desconcerto” que o sujeito poético sente.
- Verso
2: "que em vivo ardor tremendo estou de frio" - Este verso expressa
uma contradição, um paradoxo, já que o sujeito poético sente um ardor vivo, que
é um sinal de calor, mas, ao mesmo tempo, sente frio. Essa contradição é um
exemplo do desequilíbrio e desconforto que o sujeito poético está a sentir, ou
seja, o desconcerto.
- Verso
3: "sem causa, juntamente choro e rio" - O sujeito poético ri e chora
ao mesmo tempo, sem uma causa específica. Esse comportamento errático é mais
uma expressão do desconcerto e desequilíbrio emocional que ele está a sentir.
- Verso
4: “o mundo todo abarco e nada aperto” - A contradição entre abraçar o mundo
inteiro, mas não conseguir agarrar nada demonstra a sensação de impotência do sujeito
poético. O uso das palavras “abarco” e “aperto” reforça a ideia de que as
emoções são conflituantes e ocorrem simultaneamente. Novamente, a falta de
harmonia entre a perceção e a realidade é um exemplo do desequilíbrio que o sujeito
poético está a experimentar.
- Verso
6: "da alma um fogo me sai, da vista um rio" - Este verso expressa
uma sensação intensa de paixão e emoção do sujeito poético, como um fogo que
arde dentro dele. Ao mesmo tempo, ele também sente que as suas lágrimas são
como um rio, fluindo dos seus olhos. Essa imagem é mais uma expressão da
intensidade emocional que contribui para o seu desconcerto.
- Verso
7: "agora espero, agora desconfio”. Este verso demonstra a instabilidade
mental do poeta. A sucessão rápida de diferentes estados mentais é reforçada
pelo uso das palavras “agora” que indicam uma mudança constante de estado
mental. O poeta passa de um estado de esperança para um estado de desconfiança
rapidamente, revelando a sua confusão mental. Essa ambivalência emocional é uma
característica do desconcerto que o poeta está a experimentar. Note-se que essa
ambivalência é uma das características do amor passional, que muitas vezes é
marcado pela incerteza e pela indecisão.
- Verso
8: "agora desvario, agora acerto" - O "desvario" é a
confusão, a desorientação, o estado de espírito descontrolado e caótico, que pode
alternar com momentos de lucidez, de "acerto". A sucessão rápida de
diferentes estados mentais é reforçada pelo uso das palavras “agora” que
indicam uma mudança constante de estado mental. Esse vaivém emocional expressa
o desconcerto e a angústia que o poeta sente diante da sua condição incerta e
inconstante. Note-se que o poema é uma declaração de amor, e a instabilidade
emocional do sujeito poético pode refletir a intensidade e a ambivalência do
amor, que muitas vezes é marcado pela incerteza e pela indecisão.
3. Na
resposta, deve ser considerado qualquer um dos pares de palavras apresentados,
desde que a opção seja sustentada numa leitura adequada e em elementos do
soneto.
Exemplo 1:
O par de opostos Esperança/Desespero é
fundamental para a análise desse soneto de Camões, pois é através dele que
podemos compreender a natureza do conflito interno do eu lírico.
O sujeito poético constrói uma imagem espiritualizada
da mulher, que ele trata por “Senhora” e que só viu uma vez, mas que provoca
nele uma forte reação emocional.
Assim, ele experimenta um intenso conflito emocional,
expresso na contraposição entre o "vivo ardor" e o "tremendo
frio", no choro e riso simultâneos, e na sensação de abarcar o mundo
inteiro, mas não conseguir agarrar nada.
Nesse contexto, a esperança e o desespero são
apresentados como estados emocionais opostos e mutáveis. O eu lírico oscila
entre a esperança, o desespero, o delírio e a lucidez. Num momento ele voa para
o céu, mas noutro está perdido num rio de lágrimas.
O poeta tem consciência do seu drama e tenta
raciocinar sobre as suas desencontradas reações, mas não encontra uma resposta
satisfatória. Ele só sabe que tudo se deve ao facto de ter visto a sua Senhora.
Dessa forma, a presença da amada é a fonte da
esperança para o eu lírico, que é capaz de superar os momentos de desespero e
confusão
Exemplo 2:
O par de opostos Harmonia/Desarmonia é
fundamental para a análise do soneto de Camões, pois é através dele que podemos
compreender a natureza do conflito interno do eu lírico.
O eu lírico encontra-se num estado de desarmonia
consigo mesmo e com o mundo ao seu redor, e a causa principal desse conflito é
a influência da senhora na sua vida.
A senhora é a causa tanto do sofrimento quanto da
felicidade do eu lírico. Ele experimenta um intenso conflito emocional em
relação à sua amada, expresso na contraposição entre o "vivo ardor" e
o "tremendo frio", no choro e riso simultâneos, e na sensação de
abarcar o mundo inteiro, mas não conseguir agarrar nada. A presença da senhora
desperta emoções contraditórias e intensas no eu lírico, que experimenta
momentos de clareza e lucidez, como quando afirma "agora acerto", mas
também momentos de desvario e confusão, como quando diz "agora
desvario".
Nesse contexto, a harmonia e a desarmonia são
apresentadas como estados opostos e mutáveis. O eu lírico oscila entre a
harmonia e a desarmonia em relação aos seus sentimentos e pensamentos em
relação à senhora. Ele experimenta momentos de paixão e entrega, mas também de
angústia e dor, como quando afirma que o seu estado é incerto e que tudo que
sente é um desconcerto.
No final do soneto, o eu lírico atribui a sua condição a
uma única causa: a presença da sua amada. Essa revelação sugere que a harmonia
é encontrada na relação amorosa, que é capaz de equilibrar os conflitos
internos do eu lírico e trazer uma sensação de harmonia para a sua vida, mesmo
que a presença da senhora seja a causa do conflito.
Note-se, ainda, que o soneto segue uma estrutura
formal clássica cuja harmonia contrasta com a desarmonia do conteúdo, que
expressa o conflito interno do eu lírico.
Exemplo 3:
O par de opostos Certeza/Incerteza é relevante
para a análise do soneto de Camões porque mostra o dilema existencial do eu
lírico, que não consegue compreender nem explicar os seus sentimentos
contraditórios em relação à sua amada.
A alternância entre certeza e incerteza é expressa,
por exemplo, nos versos 7 e 8 (“agora espero, agora desconfio / agora desvario,
agora acerto”), que mostram a oscilação entre a confiança e a dúvida, entre o
erro e o acerto do sujeito poético.
Outro exemplo é o verso "Se me pergunta alguém
porque assi ando, respondo que não sei", que mostra a incerteza do sujeito
em relação a si mesmo, indicando que ele não tem respostas para as suas
próprias perguntas internas.
Ele está incerto sobre a sua condição, sentindo um
misto de frio e ardor, choro e riso, esperança e desconfiança, desvario e
acerto. A incerteza manifesta-se no desconcerto que sente e no fogo que sai da
sua alma e no rio que sai da sua vista.
Por fim, o verso "porém suspeito que só porque
vos vi, minha Senhora" destaca como a presença da amada pode ser uma causa
para a incerteza do sujeito, já que ela mexe com os seus sentimentos e pensamentos
de uma forma que ele não consegue entender ou controlar.
4. Na
resposta, explica que, também no caso particular do soneto transcrito, o último
terceto é fundamental para a construção do sentido global, porque nele se dá
conta do que provocou o «desconcerto» descrito nas quadras e no primeiro
terceto: a visão da beleza da Senhora.
5. Na
resposta, deve ser considerada a relação com qualquer outro poema, desde que
cumpra a instrução do item.
Por exemplo:
Este soneto apresenta uma expressão de conflito
interior do eu lírico, que se encontra em constante oscilação emocional e sem
um ponto de equilíbrio. A incerteza e a dualidade de sentimentos são também
exploradas no poema “Amor é fogo que arde sem se ver”, que também usa antíteses
e oxímoros para descrever o amor como uma força irracional e contrária à razão.
Em ambos os poemas, o eu lírico usa figuras de
linguagem como antíteses e oxímoros para expressar os paradoxos do amor, que o
faz chorar e rir, esperar e desconfiar, viver e morrer, entre outras
contradições.
Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734. Prova Escrita de Literatura Portuguesa. 11.º
Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Curso Científico-Humanístico
de Línguas e Literaturas. Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação
Educacional, 2006, 2.ª Fase (Adaptado: enriquecido com exemplos de resposta)
CARREIRO, José. “Tanto de meu estado me acho incerto, Camões”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 26-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/tanto-de-meu-estado-me-acho-incerto.html
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