Contexto
político da publicação da Mensagem
Salazar (1889-1970), chamado ao Poder, na
qualidade de ministro das Finanças, em 1928, tornar-se-ia presidente do
Conselho em 1932. Aprovados a Constituição e o Estatuto do Trabalho, em 1933,
iniciava-se o Estado Novo.
O preço a pagar pela ordem e pelo rigor
administrativo foi elevado em termos de repressão e de restrição das liberdades
fundamentais.
Para Robert Bréchon (1996:537) «Pessoa não é
nem um salazarista fervoroso nem um anti-salazarista convicto. A sua adesão ao
Estado Novo é racional e provisória», o que traduz bem a dificuldade que é
situá-lo ideologicamente no contexto político em que viveu.
Na Mensagem onde o nacionalismo utópico
de Pessoa é abertura ao mundo, o nacionalismo salazarista é fechamento sobre si
próprio; onde a mitologia pessoana é sonho e programa de acção, a do Estado
Novo é saudosismo fadista; onde na Mensagem o império material se
desmorona na sua própria impossibilidade histórica, o império colonial
salazarista é, contra a História e o devir, a sua última possibilidade de
grandeza.
(Adaptado de «Contexto político da sua publicação» in Dicionário
da Mensagem, Artur Veríssimo, Porto, Areal Editores, 2000, pp. 84-85.)
Há quem veja na última estrofe do
poema «Liberdade» uma alusão crítica a Salazar, que foi ministro das finanças
e, supostamente, lia muito.
Todavia, o facto de ser muito
religioso e de ler assiduamente não o fez entender o sentido e o dever de não
coarctar a liberdade.
LIBERDADE
Ai que prazer
Não cumprir um
dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca.
1935
Assunto
da Mensagem
A Mensagem, publicada em 1934, é uma
coletânea que reúne poemas de caráter nacionalista alimentados pelo mito
sebastianista numa perspetiva épico-lírica.
O assunto da Mensagem não são os
portugueses e os seus feitos gloriosos ou os acontecimentos históricos mais
significativos, mas a essência de Portugal e a sua missão a cumprir.
A
génese da Mensagem
A elaboração da Mensagem ocupou quase
toda a vida literária de Fernando Pessoa: de 1913 a 1934. A génese e composição
de Mensagem enquadra-se bem na leitura que Fernando Pessoa de si mesmo faz quando escreve:
«Não evoluo, viajo».
Fernando Pessoa é atraído pela doutrina de
Teixeira de Pascoaes quando este afirmava, na revista A Águia, em 1912,
que a alma da raça é a Saudade e sublinhava o seu propósito: implantar «a
alma portuguesa na terra portuguesa para que Portugal exista como Pátria,
porque uma pátria é de natureza puramente espiritual e as únicas forças
invencíveis são as forças do espírito.»
Deste modo, também Fernando Pessoa, em 1912,
escreve na revista A Águia, os célebres artigos em que profetiza para
breve o aparecimento de um Super-Camões e de um Super-Portugal, um império que
se encontra para além do material.
Tais profecias acompanhavam a ligação de
Pessoa à Renascença Portuguesa e ao saudosismo – que procuravam fazer renascer
Portugal, com base no retomar do mito ou dos mitos – nomeadamente o da Saudade,
vista como «sangue espiritual da Raça».
O
ocultismo na Mensagem
A Mensagem é uma obra simbólica, de
natureza ocultista/esotérica, situada
na linha daquilo que o próprio Pessoa considerava de «nacionalismo místico».
Procura reapresentar ao homem contemporâneo mitos e profecias que, universais
na finalidade, tomaram contudo entre nós feições inéditas, enraizando-se
profundamente na psique portuguesa.
Para entender a linguagem simbólica, diz-nos
Pessoa que são necessárias ao intérprete cinco qualidades ou condições:
1.
Simpatia –
capacidade para entrar em sintonia com o símbolo;
2.
Intuição –
«aquela espécie de entendimento com que se sente o que está além do símbolo sem
que se veja»;
3.
Inteligência –
que «analisa, decompõe, re-constrói noutro nível o símbolo», permitindo
«relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está em baixo»;
4.
Compreensão,
entendendo por esta palavra «o conhecimento de outras matérias que permitam que
o símbolo seja iluminado por vários outros símbolos – pois que, no fundo, tudo
é o mesmo»;
5.
Por último,
aquela que é menos definível, e poderá chamar-se «graça», «Superior Incógnito»,
«Conhecimento e Conversação do Santo Anjo da Guarda», inspiração ou iluminação.
«Uma das linhas do complexo pensamento
pessoano foi, desde muito cedo, o patriotismo. Pessoa assume-se também como
poeta de missão, instância receptiva de um destino, […]
integrado num devir histórico inscrito nos desígnios divinos e por eles
conduzido. Assim, o patriotismo é entendido como messiânico e sebástico. […]
A grandeza de Portugal, a passada sob a forma de História e a futura sob a
forma de profecia, é um desígnio transcendente que Pessoa anuncia nos poemas da
Mensagem: a relação passado/presente/futuro impulsiona utopicamente a
regeneração da Pátria, num movimento alimentado pelo mito.[…]
Sem esta dimensão mítica tudo não passaria de mera poetização de informação
histórica, carente da força enformadora de uma nova era. Pessoa é o poeta
iniciático que cumpre a missão de revelar o Portugal Encoberto.» («Mensagem – poema
irradiante: messianismo nacionalista / espiritualidade universalista» in Para
uma leitura de MENSAGEM de Fernando Pessoa, Mª Almira Soares, Lisboa,
Editorial Presença, 2000, pp. 22-27).
O título é, só por si, uma porta que contém
todo o poema e que é preciso saber abrir. A palavra portuguesa Mensagem
é, como diz, J. Augusto Seabra (in Fernando Pessoa ou o Poetodrama)
«derivada anagramaticamente» da fórmula de Anquises, quando explica a Eneias,
descido aos infernos, o sistema do Universo: MENS AG[ITAT
MOL]EM: o espírito move a massa. É uma maneira de o poeta afirmar logo à
partida o seu idealismo absoluto.
«Fernando Pessoa aproveitou toda a simbologia
da descida aos infernos para justificar o advento de uma nova Pátria. O
título não podia ser mais feliz.
No Livro Sexto de A Eneida,
verso 727, de Virgílio, Anquises explica ao seu filho Eneias, que desceu aos
infernos, o sistema do Universo. Pessoa, qual outro Anquises, explica aos seus
filhos espirituais – os portugueses – o sentido da sua Pátria. Descida aos
infernos da decadência, ela renascerá, como a Fénix, das cinzas e alcançará a
etapa final da Perfeição.» (in Aula Viva Português 12º Ano, João Guerra e José Vieira,
Porto Ed., 1999).
O caráter esotérico recebe confirmação com a
epígrafe inicial do livro: «Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis
signum» (Bendito Deus, Nosso Senhor, que nos deu o Sinal) e com o «Valete
Frates» final (Adeus, irmãos!), apontando para a ideia de «sinal», de
«bandeira», «pendão» entregue por Deus – símbolo também de fraternidade em
organizações de tipo esotérico.
"Estamos, na verdade, perante um livro que obedece, na sua
arquitectura interna, a uma estrutura esotérica". Ele divide-se em três
partes: Brasão, Mar Português e Encoberto.
Este esqueleto ternário corresponde, sem
dúvida, para Pessoa, a uma intencionalidade oculta. O mesmo número aparece com
efeito retomado nas suas subdivisões: assim, a terceira parte do livro é
dividida, por sua vez, em três partes (Os Símbolos, Os Avisos, Os Tempos); e a
terceira dentre elas, a mais explicitamente profética, é introduzida por um
poema dividido ele mesmo em três onde o poeta alude a três navegantes
misteriosos, de que o terceiro, não identificado, aguarda ordem de partir...
Não se trata, pois, de um simples acaso ou de uma mera preocupação de
equilíbrio: o número 3 é reconhecido como central no esoterismo. "Da mesma
forma no que respeita aos números 5, 7 e 12, que dominam as restantes
subdivisões do livro" (J. Augusto Seabra, op. cit.).
«Dentro do esoterismo numerológico da Mensagem
o número cinco tem um lugar impressiva e expressivamente significativo pelos
conteúdos que o ocupam e pela reiteração de que é objecto: cinco grupos de
poemas a compor a primeira parte; cinco quinas, sendo a quina o símbolo
recorrente, tanto na consolidação da Pátria (Milagre de Ourique), como na sua
expansão (o padrão que anuncia a projecção para o infinito); quinta quina
ocupada pela figura messiânica por excelência – D. Sebastião; cinco símbolos,
sendo o quinto o Encoberto (D. Sebastião); cinco tempos.»
«A construção do poema ajusta-se ao estatismo
heráldico como interpretação poética do passado (1ª parte) e ao dinamismo da
sucessão dos tempos e da projecção profética (2ª e 3ª partes). Entre a primeira
parte (Brasão), a segunda (Mar Português) e a terceira (O
Encoberto) estabelece-se uma relação transformadora do decurso histórico em
percurso iniciático.» (Mª Almira Soares, op. cit.)
Estrutura
tripartida da Mensagem
Mensagem
é um livro estruturalmente muito cuidado, apontando as três fases por que a
Pátria terá de passar.
Esta tripartição simbólica «tem como base o
facto de as profecias se realizarem três vezes, ainda que de modo diferente e
tempos diferentes. Corresponde à evolução do Império Português que, tal como o
ciclo da vida, passa pelo nascimento, realização e morte. Todavia, esta morte
não poderá ser entendida como um fim definitivo, visto que a morte pressupõe
uma ressurreição. Esta ressurreição culmina com o aparecimento de um novo
império, desta vez não terreno, mas sim espiritual e cultural, a fim de atingir
a paz universal ("E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia
nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os
sonhos são feitos" – Fernando Pessoa).» (in Dossier Exame | Português B |
12º Ano, Mª José Peixoto e Célia Fonseca, Lx, Asa, 2001, p. 51)
Primeira Parte – Brasão (os construtores do Império)
A 1ª parte corresponde ao nascimento, com
referência aos mitos e figuras históricas até D. Sebastião, identificadas nos
elementos dos brasões. Dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço dos heróis
e destinado a grandes feitos.
I
– Os campos – símbolo do espaço da vida e da consolidação do reino.
II
– Os castelos – símbolo de protecção (baluartes de defesa e residência dos
reis). Significa, também, as conquistas dos heróis.
III
– As quinas – similitude às chagas de Cristo: dimensão espiritual. Lutadores e
mártires são D. Duarte, D. Pedro, D. João e D. Sebastião.
IV
– A coroa – símbolo de realeza.
V
– O timbre – marca pessoal, sinal; símbolo de poder legítimo. Sagração do herói
para missão transcendente.
HERÓIS DO «BRASÃO»
|
Simbologia do Grifo (ave fabulosa com
bico e asas de águia e corpo de leão): reunião do conhecido com o desconhecido,
do Ocidente com o Oriente e, em termos ocultistas, o domínio do espírito sobre
a matéria (repare que não se atribui nenhuma figura histórica ao corpo do leão).
|
(Artur
Veríssimo, Ler a Mensagem de Fernando Pessoa – curso n.º 21/2001 do Centro
de Formação de Associação de Escolas de S. Miguel e Santa Maria)
Para Carlos Castro da Silva
Carvalho, importa verificar que a Mensagem prima pela «contraposição de
um brasão novo, um brasão reconstruído, a um velho brasão nacional».
Entre as alterações
assinaladas por este crítico figuram:
- a do timbre das armas
nacionais (a serpe alada dá lugar ao grifo);
- a da simbologia das quinas,
que deixa de estar ligada ao Milagre de Ourique;
- a ausência dos vinte e
cinco besantes, tradicionalmente símbolo dos trinta dinheiros que Judas recebeu
pela venda de Jesus.
Conclui Silva Carvalho que a
força simbólica do milagre de Ourique é, na Mensagem, substituída pela
do mito, desde logo do mito da criação que Ulisses e os outros castelos
representam.
Se os castelos são a
energia criativa do mito, o «sempre por achar»; as quinas são as chagas
abertas do Ser, o preço a pagar pela glória; a coroa é o arquétipo a imitar,
a vontade que se faz luz, a possibilidade de redenção; o grifo é a
reunião do conhecido e do desconhecido, «da vontade e do poder». No seu todo, o
Brasão é o frontispício do Ser futuro.
O Brasão na Mensagem
tem, em suma, de ser entendido como o lugar da memória colectiva onde as
qualidades do ser português se fixam, como símbolo de procura, como possibilidade
criadora, como potência do Portugal a haver. Mais do que a imagem do passado, o
Brasão é o futuro que esse passado deixa adivinhar. (cf. «Brasão» in Dicionário
da Mensagem, Artur Veríssimo, Areal Ed., 2000).
Segunda Parte – Mar Português (o sonho marítimo e a obra das descobertas)
Na 2ª parte surge a realização e vida; refere
personalidades e acontecimentos dos Descobrimentos que exigiram uma luta contra
o desconhecido e os elementos naturais. Mas porque «tudo vale a pena», a missão
foi cumprida.
O ciclo que se cumpriu
Poemas
|
Signos
|
Linhas de força
|
«O Infante»
|
Carneiro
|
Impulsão criadora
|
«Horizonte»
|
Touro
|
Terra e esforço na busca do
concreto
|
«Padrão»
|
Gémeos
|
Polaridade:
distinção matéria/ /espírito
|
«O
Mostrengo»
|
Caranguejo
|
Luta contra os medos inconscientes
e a descoberta da luz
|
«Epitáfio
de Bartolomeu Dias»
|
Leão
|
Gosto
de agir, objectivo de longo alcance
|
«Os
Colombos»
|
Virgem
|
Diferenciação; determinação dos
limites
|
«Ocidente»
|
Balança
|
Harmonização
de contrários
|
«Fernão
de Magalhães»
|
Escorpião
|
Fermentação, desagregação;
criação, morte e renascimento
|
«Ascensão
de Vasco da Gama»
|
Sagitário
|
Dualidade
dos instintos; elevação do homem a Deus
|
«Mar
Português»
|
Capricórnio
|
Elevação e morte física do
mundo; iniciação
|
«A
Última Nau»
|
Aquário
|
Passagem
aos estados superiores; emancipação e aventura
|
«Prece»
|
Peixes
|
Comunicação com Deus;
inconsciente colectivo e indiferenciação.
|
Número
Doze
Na Segunda parte da obra, é o
número doze que domina. Da riqueza simbólica do Doze pode o leitor fazer
múltiplas interpretações, já que o número nos faz pensar nos doze apóstolos de
Cristo, nos doze cavaleiros da Távola Redonda, nas doze tribos de Israel, nas
doze portas da Jerusalém Celeste, nos doze frutos da árvore da vida, nos doze
fundamentos da Cidade do futuro, nos doze meses do ano, para apenas nos
referirmos a algumas das suas possibilidades simbólicas.
Todavia, qualquer que seja a
opção que tomemos, o Doze é como afirma António A. Lourenço (1990, 127), «a
marca simbólica do ciclo completo do cumprimento» e «o símbolo da
repetição essencial, do eterno retorno». Uma evidência que a obra deixa
explícita logo no primeiro poema da 2ª
parte («Cumpriu-se o mar»), tornada exemplo e promessa de futuro pelo eu
da Mensagem na sua prece, como estes versos (M, 73),
significativamente os últimos de «Mar Português», fazendo eco do «falta
cumprir-se Portugal», amplamente ilustram:
E outra vez conquistemos a
Distância ‑ Do mar ou outra, mas que seja nossa!
(in Dicionário da Mensagem, Artur Veríssimo, Areal
Ed., 2000)
Terceira Parte – O Encoberto (a imagem do Império moribundo, a fé
de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição, capaz de provocar o
nascimento do império espiritual, moral e civilizacional na diáspora lusíada. A
esperança do Quinto Império)
Na 3ª parte aparece a desintegração, havendo,
por isso, um presente de sofrimento e de mágoa, pois «falta cumprir-se
Portugal». É preciso acontecer a regeneração que será anunciada por símbolos e
avisos.
(In Acesso ao Ensino Superior. Português 12º Ano – A e B Vasco
Moreira e Hilário Pimenta, Porto Ed., 2000, p. 118.)
Visão subjetiva/mítica da História de Portugal
Na opinião do poeta, havia-se perdido a
identidade pessoal, os feitos heróicos perderam-se com o tempo e só já restava
a memória. Então, nada melhor que recuperar um mito para fazer ressurgir das
cinzas uma nação ("O mito é o nada que é tudo", em
"Ulisses").
É irrelevante, parece dizer Pessoa desde
o poema «Ulisses», que as figuras de que vai ocupar-se, os heróis fundadores,
tenham tido ou não existência histórica - o que importa é que todos eles tenham
funcionado com a força do mito, que, não existindo, é tudo. Por isso, todos os
heróis que se seguem são heróis mitificados, ainda que com existência
histórica, feita de sucessos ou fracassos, não importa.
Fernando Pessoa pretendeu essencialmente
enobrecer a maneira grandiosa que está subjacente à realização dos
acontecimentos que engrandeceram a História nacional.
A força enformadora de uma nova era
resulta do idealismo platónico que impregna a visão do acontecer histórico (não
é tanto o Império terreno que ele canta, mas sim a ideia condutora, o que não
existe no mundo sensível, a quimera, o mito, a fome do impossível, a loucura).
Em Mensagem
surgem diversos mitos, nomeadamente o do Sebastianismo
e o do Quinto Império. É possível
também perceber outros mitos como o do Santo
Graal (“Galaaz com pátria” era o Desejado,
capaz de permitir o retorno do Graal, o símbolo da união e harmonia entre os
povos), o das Ilhas Afortunadas (de
“terras sem ter lugar”, como o Quinto
Império), e o do Encoberto
(dentro da mística rosacruciana em cujos princípios se deveria basear o Quinto Império). A concepção mítica
leva, também, Pessoa a usar figuras como Ulisses
e o Mostrengo, que o ajudam a
explicar o passado dos Portugueses e a fazer a apologia da sua missão
profética.
Mito, história e cultura. O mito do
Encoberto.
Para Fernando Pessoa, Portugal encontrará na sua própria
alma «a tradição dos romances de cavalaria, onde passa, próxima ou remota, a
Tradição Secreta do Cristianismo […], a Demanda do Santo Graal. Todas essas coisas,
necessariamente dadas em mistério, representam a verdade íntima da alma, a
conversação com os símbolos» (Fernando
Pessoa in Sobre Portugal. Introdução ao Problema Nacional, recolha de
textos por Mª Isabel Rocheta e Mª Paula Morão, introdução e organização de Joel
Serrão, Lx., 1978, pp. 177-178).
Fernando Pessoa, que desejava ser um criador de mitos, apela ao mito
sebastianista,
à vinda de um messias que viria cumprir
Portugal. Assim, o Encoberto (D. Sebastião) foi o escolhido para
realizar o sonho do Quinto Império. Esta tarefa só seria cumprida com
muita determinação, loucura e sonho que tão bem caracterizam D. Sebastião
(«Louco, sim, louco, porque quis grandeza», em «D. Sebastião, Rei de Portugal»).
(in Dossier Exame | Português B |
12º Ano, Mª José Peixoto e Célia Fonseca, Lx, Asa, 2001, p. 51)
O mito sebastianista
Fernando Pessoa acreditava no destino
messiânico de Portugal e acreditava também que o saudosismo que preenchia os
corações dos portugueses poderia ser o ponto de partida, a motivação para a
tentativa de recuperação de uma imagem que morrera com o passado.
O sebastianismo é abordado por Fernando
Pessoa como mito, que exprime o drama de um país moribundo “à beira mágoa” a
necessitar de acreditar de novo nas suas capacidades e nos valores que
antigamente lhe permitiram a conquista dos mares e a sua afirmação no mundo.
Diz Fernando Pessoa (in Obra Poética e em
Prosa, vol. III), “Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi aquele D.
Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no
símbolo do regresso d’El-Rei D. Sebastião que os portugueses da saudade
Imperial projectaram a sua fé de que a família se não extinguisse”
Ao longo da Mensagem, a figura de D. Sebastião evolui do símbolo de um príncipe
infeliz, desaparecido em Alcácer Quibir, no areal (primeira parte), para o mito
que vai na “última nau, ao sol aziago” mas que surgirá entre a cerração” com o
“pendão ainda / Do Império” (segunda parte), para, guardado com Deus, regressar
para criar o Quinto Império. É apresentado, também, como, O Encoberto ou O Desejado,
que volta com o santo Graal (terceira parte).
A hipótese de salvação e regeneração que
D. Sebastião representa para o povo português é a base desta obra, pois é a
partir do mito que se deve tentar transformar a realidade.
Fernando
Pessoa e o Quinto Império
Analisando os quatro impérios universais já
havidos, conforme a interpretação do profeta Daniel ao sonho de Nabucodonosor:
Babilónia, Medo-Persa, Grécia e Roma, Fernando Pessoa é levado a concluir que o
quinto teria que ser a Inglaterra, se de «impérios materiais se tratasse»:
«Nesse esquema, porém, que é de Impérios materiais — escreve em 1934 —, o
último é plausivelmente entendido como sendo o Império de Inglaterra. Desse
modo se interpreta naquele País; e creio que, nesse nível, se interpreta bem.
Não é assim no esquema português. Esta, sendo espiritual, em vez de partir,
como naquela tradição, do Império material da Babilónia, parte, antes, com a civilização
em que vivemos, do império espiritual da Grécia, origem do que espiritualmente
somos. E, sendo esse o Primeiro Império, o Segundo é o de Roma, o Terceiro, o
da Cristandade, e o Quarto o da Europa – isto é, da Europa laica de depois da
Renascença. Aqui o Quinto Império terá que ser outro que o inglês, porque terá
que ser de outra ordem. Nós o atribuímos a Portugal, para quem o esperamos.» (Fernando Pessoa,
Obra Poética e em Prosa, vol. III, pp. 711-712.)
O que Pessoa realmente quis para Portugal, o
único perfil coerente, e viável, do seu nebuloso Quinto Império, cifra-se em
desejar que a sua decadente pátria seja portuguesa com a mesma naturalidade
com que a Inglaterra é Inglaterra. O poeta obcecado pela Diferença não quer
que Portugal seja uma outra Inglaterra — de via reduzida — quer apenas
que seja Portugal. E para isso é necessário reduzir a nossa cultura a uma tábua
rasa. mais vasta e com sentido diverso da imaginada pela Geração de 70,
denunciadora da decadência nacional, mas também instrumento dela, segundo
Pessoa, pela errada cura (francesa) proposta para os males nacionais.
Dissolvidos na pseudo-universalidade dos outros — ou da França, sobretudo —
teríamos perdido a lembrança da nossa própria, anterior e mais autêntica
universalidade. É na recuperação dela que o Quinto Império se anuncia e já, de
certo modo, se constrói. (Eduardo Lourenço, «Apoteose ou Segunda Morte de Fernando
Pessoa?», Expresso, 13/7/1985.)
Mas o que é o Quinto Império? Visto de
dentro da obra é o da «Vitória universal do espírito e da eterna aspiração, é a
mística certeza do vir a ser pela lição do ter sido. É
Portugal-espírito, Portugal-ente de cultura, esperança tanto mais forte quanto
a hora de decadência a estimula; nevoeiro que não é mais que condição negativa
necessária para surgir o Salvador» (António Machado Pires, «Os Lusíadas de
Camões e a Mensagem de Fernando Pessoa», in Actas da III Reunião
Internacional de Camonistas, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1987, 99.
419-429). Universal, porquê? Porque sonha,
como António Vieira, e parafraseando Torga, o «homem lusitano à medida do
mundo».
Visto de fora da obra, poder-se-á perguntar,
como Maria Irene Ramalho de Sousa Santos, («Um imperialismo de Poetas. Fernando Pessoa e
o imaginário do Império», in Penélope. Fazer e Desfazer a História, n.°
15, Lisboa, 1995, pp. 53-74), um imperialismo
de poetas? Ou como pretendem outros, fazendo fé na célebre afirmação de
Pessoa/Bernardo Soares («Minha Pátria é a Língua Portuguesa») ou na referência
ao «imperador da língua portuguesa», que é António Vieira, um imperialismo da
Língua Portuguesa? Deixemos a resposta a essas questões a Fernando Pessoa (Fernando Pessoa,
Sobre Portugal. Introdução ao Problema Nacional, Lisboa, Ática, 1979, p.
240): «Um imperialismo de gramáticos? O
imperialismo dos gramáticos dura mais e vai mais fundo que o dos generais. É um
imperialismo de poetas? Seja. A frase não é ridícula senão para quem defende o
antigo imperialismo ridículo. O imperialismo de poetas dura e domina; o dos
políticos passa e esquece, se o não lembrar o poeta que os cante.»
Dizer-se que um «imperialismo de gramáticos»
dura mais que o dos generais ou que um «imperialismo de poetas» não é perecível
como um «imperialismo de políticos» significa dizer-se que o Quinto Império se
reduz a essas possibilidades? Estamos em crer que não. O conjuntivo «seja» com
que Pessoa responde à 2ª questão equivalente a «admitamos que assim seja»,
próprio do discurso argumentativo, não é necessariamente uma afirmação
categórica.
Certo é que o Quinto Império é português e
sonhado em português e não se realizará sem o contributo da poesia e dos
poetas, facto desde logo aferido pela existência da Mensagem. Mas a marca mais
visível da universalidade desse Império está no ser-se português sem barreiras,
o que, em nosso entender, transcende o problema da língua e o da criação
poética.
Realizar Apolo espiritualmente como noutro lugar afirmou Pessoa,
não permite a leitura redutora de que o Quinto Império seja, exclusivamente, um
imperialismo de poetas, a menos que se entenda a criação poética como metáfora
de todo o acto criador. Apolo é a divindade tutelar de todas as artes, o
símbolo do Sol e da luz civilizadora, o que nos devolve ao Portugal-espírito,
Portugal-ente de cultura e ao olhar esfíngico desse rosto da Europa, que é
Portugal fitando o Ocidente. A lógica do porvir, que é também a do Quinto
Império na Mensagem, participa desse mistério nunca totalmente revelado.
Dir-se-ia que o programa do Quinto Império
explicita as condições do seu aparecimento, a sua natureza, os objectivos que
persegue e até o seu mentor, mas não os conteúdos que o enformam. Mais do que
um programa concreto, é uma representação mental, uma atitude perante a Nação e
a nossa própria existência ou, se quisermos, a procura do nosso ser-no-mundo,
como indivíduos e como Povo. (Artur Veríssimo, Dicionário da Mensagem,
Porto, Areal Ed., 2000, pp. 67-69.)
O
discurso na Mensagem – noção de
POESIA ÉPICO-LÍRICA
Designação atribuída à Mensagem,
pelo facto de F. Pessoa exprimir uma concepção trans-histórica e mítica sobre a
as diversas figuras que decorrem na obra, prefigurando o surgimento da pátria
cultural portuguesa que constituiria o Quinto Império.
Na obra Mensagem a voz narrativa da épica tradicional dá, constantemente,
lugar a voz lírica, num discurso analítico-crítico, que reflecte sobre o
passado heróico de conquistas, vibrando com o espírito do povo português, e
expressa a visão e as emoções do “Eu” face ao acontecer histórico, muitas vezes
num tom profético. Os poemas, em geral breves, apresentam uma linguagem
metafórica e musical, bastante sugestiva, com frases curtas, apelativas e,
frequentemente, aforísticas, onde abundam a pontuação expressiva e as perguntas
retóricas.
Há, pois, uma interiorização
e mentalização da matéria épica, numa atitude contemplativa.
Intertextualidade entre OS LUSÍADAS e a MENSAGEM
Os Lusíadas e Mensagem, dois poemas
épicos separados no tempo, desenvolvem dois temas estruturantes: o mar e o
valor da poesia.
Com efeito, quer no poema camoniano, quer no
de Pessoa, o mar é o espaço da construção do herói português: o herói real,
ligado à descoberta de novos mares e novas terras (Os Lusíadas); o herói que conquistará uma nova “Distância” e
enformará o Portugal do futuro (Mensagem).
Assim, a epopeia quinhentista canta uma
história factual, real, enquanto Pessoa desenha os contornos de um Portugal a
haver, um Portugal a construir pelo poder do sonho e da poesia.
Contudo, não é apenas em Pessoa que heróis e
impérios se erguem pela palavra poética, também Camões, de um modo diferente, o
consegue. Efectivamente, quando o Poeta refere a D. Sebastião que só o registo
dos nossos feitos heróicos nos tornará grandiosos e eternos, está também a
atribuir à poesia uma dimensão superior.
Camões e Pessoa conciliam, assim, a condição de
“trovador” e “argonauta”, apresentando cada um, distintamente, um Portugal
presente — marcado nos dois poemas pela “apagada e vil tristeza” de um
“nevoeiro sem brilho” — que se redimirá e se encontrará num futuro inadiável.
(in Abordagens 12.º, Zaida Braga e outros,
Porto Ed., 2005, p. 219)
Os
Lusíadas
|
Mensagem
|
Homens
reais com dimensões heroicas mas verosímeis;
Heróis de
carne e osso, bravos mas nunca infalíveis;
|
Heróis
mitificados, desincarnados, carregando dimensões simbólicas
- Brasão ® Terra ® Nun’Álvares Pereira
- Mar
Português ® Mar ® Infante D. Henrique
- O Encoberto
® Ar ® D. Sebastião
(de uma
terra de dimensões conhecidas parte-se à descoberta do mar e constrói-se um
império. Depois o império se desfez e o sonhos e o Encoberto são a raiz a
esperança de um Quinto Império)
|
Herói coletivo:
o povo português
Virtudes e
manhas
|
Heróis
individuais exemplares (símbolos)
|
D.
Sebastião (rei menino) a quem Os Lusíadas são dedicados;
“tenro e novo ramo”
|
D.
Sebastião mito “loucura sadia”
Sonho,
ambição
(repare-se
que D. Sebastião é a última figura da história a ser mencionada, como se se
quisesse dizer que Portugal mergulhou, depois do seu desaparecimento num
longo período de letargia)
|
Celebração
do passado – história
|
Glorificação
do futuro – símbolos
Messianismo
a mola real de Portugal
|
Narrativa
comentada da história de Portugal (cf. Jorge Borges de Macedo)
Teoria da história de Portugal
|
Metafísica
do Ser português
|
Três mitos
basilares:
Adamastor
Velho do
restelo
A ilha dos
amores
|
Tudo é
mito
(“o mito é o nada que é tudo”)
|
Acão
|
Contemplação
Altiva
rejeição do real
|
Império
feito e acabado
|
Portugal
indefinido, atemporal
|
|
Saudade
profética ® saudades do futuro
|
Façanhas
dos barões assinalados
|
Matéria
dos sonhos
|
Temporalidade
|
Atemporalidade
mística
|
Síntese
pagão e cristão
|
Síntese total
(sincretismo religioso)
|
D.
Sebastião como enviado de Deus para alargar a Cristandade
|
Portugal
como instrumento de Deus
(os heróis
cumprem um destino que os ultrapassa)
|
Cabeça da
Europa
|
Rosto da
Europa que aguarda expectante o que virá
|
Plano pessoal dos poetas. Retratos humanos: avisos,
reflexões, estados de alma.
Luís de Camões, mais preocupado com a valorização dos seus heróis, apenas no
final de cada Canto exprime a sua visão dos factos, descansando a narrativa e,
a propósito do passado, presente ou até de futuro, tece considerações
atempadas, exteriorizando os seus sentimentos e ideias, à margem, sobre
contingências da vida humana, que afectam também os valorosos, ou o contraste
entre o que canta e o que vê, entre a idealização e a realidade.
Fernando Pessoa, com uma obra mais interiorizada, tece em cada poema, com apelos
e reflexões sentidas, o que lhe vai na alma, perante o espectáculo marginal do
seu presente e os tempos áureos do passado.
A par da gesta gloriosa de conquistas e
glórias passadas, apresentadas por Luís
de Camões e Fernando Pessoa aos seus contemporâneos, surgem, encaixados nos
Poemas, pequenos textos que retratam a posição dos poetas face às fraquezas,
aos defeitos e azares da vida: momentos de anti-heroísmo, correntes de
consciência e tomadas de posição que apontam não para a crítica do Herói, mas
contra aqueles que não aspiram ao heroísmo, contra os preguiçosos, os egoístas,
e, sobretudo, os que renegam os valores dos seus pais e avós. São também ecos
de anti-epopeia, já ouvidos na voz veneranda do Velho do Restelo. Constituem
ainda uma reflexão térrea e nitidamente humana, embora com lumes de divino,
sobre os obstáculos que enxameiam a existência. No entanto, esta ideia
deprimente da fraqueza existencial pode reverter também para a valorização dos
que, apesar de tudo, souberam suplantar-se a si mesmos e aos perigos. Os
obstáculos foram sérios e constantes, as tentações assediaram as mentes, o
desânimo pairou nos horizontes... mas o Herói foi-o porque venceu os seus
apetites.
J. Oliveira Macedo, Sob o Signo do Império, Os Lusíadas –
Mensagem, Edições Asa, Lisboa, pp. 165/166
Comparação do conceito de heroísmo n’Os Lusíadas e na Mensagem
I –
Características comuns entre Os Lusíadas e a Mensagem no que diz respeito ao conceito de heroísmo:
- Concepção
mística e missionária do herói português que é ajudado pela intervenção
divina cristã ou pelos deuses do Olimpo.
- Destaque
para a singularidade dos próprios autores das obras que participam do ser herói; assim:
– CAMÕES é exemplo do herói humanista (o que concilia em si as
armas e as letras);
– PESSOA é aquele que se
autoproclama de vidente, isto é, uma
espécie de profeta do Portugal
futuro.
- O reverso da
vitória é o sofrimento (isto é, o caminho do heroísmo é o caminho do
sofrimento). Exemplos:
– em Os Lusíadas: despedidas
das naus em Belém; Velho do Restelo...
– na Mensagem: “Quem quer
passar além do Bojador / Tem de passar além da dor”...
II
– Características diferentes entre Os Lusíadas e a Mensagem no que diz respeito ao conceito de heroísmo:
Os
Lusíadas
|
Mensagem
|
Heroísmo
factual, ligado aos actos concretos de conquista e domínio, como por exemplo
o elogio à descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama.
|
Heroísmo
de grandeza de alma, cujo herói se distinguirá pelo espírito.
|
Herói com
limitações próprias da condição humana.
|
Herói
mitificado, encarnando valores simbólicos, como por exemplo D. Sebastião –
“Por isso onde o areal está / Ficou meu ser que houve, não o que há.”
|
A
esperança está na glória do passado histórico.
|
A
esperança está na projecção futura do sonho, na utopia do Quinto Império.
|
***
Pergunta de
desenvolvimento:
A figura do herói está
presente em muitas obras estudadas ao longo do ensino secundário, embora a sua
construção possa
depender de diversos fatores.
Escreva uma breve exposição na
qual distinga o herói em Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, do herói em Mensagem,
de Fernando Pessoa.
A sua exposição deve
incluir:
- uma introdução ao
tema;
- um desenvolvimento no qual
explicite, para cada uma das obras, uma característica que permita distinguir o
herói em Os Lusíadas do herói em Mensagem, fundamentando as
características apresentadas em, pelo menos, um exemplo significativo de cada
uma das obras;
- uma conclusão adequada ao
desenvolvimento do tema.
Cenário de
resposta:
Para distinguir o herói em Os Lusíadas do herói em Mensagem, deve ser abordado um tópico
relativo a cada uma das obras. Os tópicos a seguir apresentados constituem
apenas exemplos, podendo ser abordados outros igualmente relevantes.
Em Os Lusíadas:
‒ os heróis são
apresentados na sua dimensão
humana e histórica, o que é patente, por exemplo, nos protagonistas da
viagem marítima até à Índia, nomeadamente Vasco da Gama e os
marinheiros, cujos feitos permitiram o desvendamento dos mares desconhecidos;
‒ os heróis são os
portugueses que, vencendo os seus medos e todos os perigos, foram capazes de
superar a própria condição humana e de ascender ao plano
dos deuses, como se comprova, por exemplo, quando são recompensados na Ilha dos
Amores.
Em Mensagem:
‒ os heróis não se
inscrevem num tempo nem num espaço
determinados, assumindo uma dimensão mítica/simbólica. É o caso
de D. Sebastião, enquanto símbolo da ambição que poderá fazer renascer
a glória da pátria;
‒ os heróis situam-se na esfera da espiritualidade,
como é o caso de D. Fernando, que age como
instrumento da vontade divina/de uma vontade superior.
Fonte: Exame Final Nacional de Português, Prova 639 (Decreto-Lei
n.º 139/2012, de 5 de julho), Ensino Secundário - 12.º Ano de Escolaridade. IAVE,
2018, 1.ª Fase
Leitura orientada e notas para
a análise literária dos poemas da Mensagem, de Fernando Pessoa:
Títulos
|
Incipit
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BRASÃO: I- OS CAMPOS
|
|
Primeiro - O DOS CASTELOS (1928-12-08)
|
A
Europa jaz, posta nos cotovelos:
|
Segundo - O DAS QUINAS (1928-12-08)
|
Os
Deuses vendem quando dão.
|
|
|
BRASÃO: II- OS CASTELLOS
|
|
Primeiro - ULISSES
|
O
mito é o nada que é tudo
|
Segundo - VIRIATO (1934-01-22)
|
Se a alma
que sente e faz conhece
|
Terceiro - O CONDE D.HENRIQUE
|
Todo começo é involuntário.
|
Quarto - D. TAREJA (1928-09-24)
|
As
nações todas são mistérios.
|
Quinto - D. AFONSO HENRIQUES
|
Pai, foste cavaleiro.
|
Sexto- D. DINIS (1934-02-09)
|
Na
noite escreve um seu Cantar de Amigo
|
Sétimo (I) - D. JOÃO O PRIMEIRO (1934-02-12)
|
O
homem e a hora são um só
|
Sétimo (II) - D. FILIPA DE LENCASTRE (1928-09-26)
|
Que
enigma havia em teu seio
|
|
|
BRASÃO: III - AS QUINAS
|
|
Primeira- D. DUARTE REI DE PORTUGAL (1928-09-26)
|
Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
|
Segunda - D. FERNANDO INFANTE DE PORTUGAL (1913-07-21)
|
Deu-me
Deus o seu gládio porque eu faça
|
Terceira - D. PEDRO REGENTE DE PORTUGAL (1934-02-15)
|
Claro em pensar, e claro no sentir,
|
Quarta - D. JOÃO INFANTE DE PORTUGAL (1930-03-28)
|
Não fui alguém. Minha alma estava estreita
|
Quinta - D. SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL (1933-02-20)
|
Louco,
sim, louco, porque quis minha grandeza
|
|
|
BRASÃO: IV - A COROA
|
|
NUN'ÁLVARES PEREIRA (1928-12-08)
|
Que
auréola te cerca?
|
|
|
BRASÃO: V - O TIMBRE
|
|
A cabeça do grifo - O INFANTE D.HENRIQUE (1928-09-26)
|
Em
seu trono entre o brilho das esferas,
|
Uma asa do grifo - D. JOÃO O SEGUNDO (1928-09-26)
|
Braços cruzados, fita além do mar.
|
A outra asa do grifo - AFONSO DE ALBUQUERQUE (1928-09-26)
|
De pé, sobre os países conquistados
|
|
|
MAR PORTUGUÊS
|
|
O INFANTE
|
Deus
quer, o homem sonha, a obra nasce,
|
HORIZONTE
|
Ó
mar anterior a nós, teus medos
|
PADRÃO (1918-09-13)
|
O
esforço é grande e o homem é pequeno.
|
O MOSTRENGO (1918-09-09)
|
O
mostrengo que está no fim do mar
|
EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS
|
Jaz
aqui, na pequena praia extrema,
|
OS COLOMBOS (1934-04-02)
|
Outros
haverão de ter
|
OCIDENTE
|
Com duas mãos - o Acto e o Destino -
|
FERNÃO DE MAGALHÃES
|
No vale clareia uma fogueira.
|
ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA (1922-01-10)
|
Os
Deuses da tormenta e os gigantes da terra
|
MAR PORTUGUÊS
|
Ó
mar salgado, quanto do teu sal
|
A ÚLTIMA NAU
|
Levando
a bordo El-Rei D. Sebastião,
|
PRECE (1922-01-01)
|
Senhor,
a noite veio e a alma é vil.
|
.
|
|
|
|
O ENCOBERTO: I- OS SÍMBOLOS
|
|
Primeiro - D. SEBASTIÃO
|
‘Sperai!
Caí no areal e na hora adversa
|
Segundo - O QUINTO IMPÉRIO (1933-02-21)
|
Triste
de quem vive em casa,
|
Terceiro - O DESEJADO (1934-01-18)
|
Onde
quer que, entre sombras e dizeres,
|
Quarto - AS ILHAS AFORTUNADAS (1934-03-26)
|
Que
voz vem no som das ondas
|
Quinto - O ENCOBERTO (1933-02-21;
1934-02-11)
|
Que
símbolo fecundo
|
|
|
O ENCOBERTO: II- OS AVISOS
|
|
Primeiro - O BANDARRA (1930-03-28)
|
Sonhava,
anónimo e disperso,
|
Segundo - ANTÓNIO VIEIRA (1929-07-31)
|
O
céu 'strela o azul e tem grandeza.
|
TERCEIRO (1928-12-10)
|
Screvo
meu livro à beira-mágoa.
|
|
|
O ENCOBERTO: III- OS TEMPOS
|
|
Primeiro - NOITE
|
A
nau de um deles tinha-se perdido
|
Segundo - TORMENTA (1934-02-26)
|
Que jaz no abismo do mar que se ergue?
|
Terceiro - CALMA (1934-02-15)
|
Que costa é que as ondas cantam
|
Quarto - ANTEMANHÃ (1933-07-08)
|
O mostrengo que está no fim do mar
|
Quinto - NEVOEIRO (1928-12-10)
|
Nem
rei nem lei, nem paz nem guerra,
|
CARREIRO, José. O que
é a MENSAGEM de Fernando Pessoa? Portugal, Folha de Poesia, 16-05-2018.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-autor-da-mensagem.html
(1.ª edição: Lusofonia - Plataforma de Apoio ao Estudo da Língua Portuguesa no
Mundo, 15-12-2011. Projeto concebido por José Carreiro, disponível em http://lusofonia.com.sapo.pt/literatura_portuguesa/FP_Mensagem.htm)